segunda-feira, 12 de maio de 2014

PRECISO DAR UM JEITO NESSA BAGUNÇA, ELIAS RIBEIRO PINTO



PRECISO DAR UM JEITO NESSA BAGUNÇA
ELIAS RIBEIRO PINTO

COLUNA DO DIÁRIO DO PARÁ,  DE 20/11/2013



"Há anos procuro meu exemplar, todo despetalado, de 'A Teus Pés', de Ana Cristina Cesar"

1 Preciso rever meus conceitos. E isso quer dizer dar um jeito na minha biblioteca. Não posso viver na dependência da indócil rotação cabalística que a rege. Por exemplo, há pouco dei uma incerta entre as estantes e as pilhas disformes de livros espalhadas pela casa para ver se flagrava "Libra", de Don DeLillo, que considero a melhor ficção em torno do assassinato de John Fitzgerald Kennedy, novamente notícia em todo o mundo nos 50 anos da tragédia.

2 À medida que as sondagens biblioexasperantes no entorno foram se revelando infrutíferas, resisti à tentação de me atirar numa procura insana para ver se arrancava o exemplar do romance das entranhas empoeiradas. Essa procura pode se estender por dias. Além das estantes e das filas duplas e triplas que povoam os corredores (pior que o trânsito de Belém), o livro teria, talvez, de ser vasculhado nas várias caixas que acomodam volumes. Melhor não.
3 Da exploração superficial, de través, em vez do Libra desencavei três outros livros – era o momento deles na rotação cabalística. Se não achei o romance de DeLillo, encontrei o "A História de Lee Oswald", de Norman Mailer. É mais um catatau (quase 800 páginas na edição brasileira) de Mailer. E, a exemplo de seus sempre ambiciosos relatos – que aliam narrativa calcada no romanesco a pesquisas meticulosas de repórter –, o livro é uma montanha russa, pontuado de altos e baixos.

4 Em vez de partir da pergunta essencial que, insistente, não cala, “Quem matou Kennedy?”, o escritor lança-se à investigação de “Quem era Oswald?”, na suposição de que respondendo a esta segunda questão fatalmente (permitam-me o mortal advérbio) se chegará à resposta da primeira. Mas nós, leitores de Mailer, gostaríamos que ele tivesse gastado menos tinta para chegar aonde pretende. Metade do volume, aí por 300 páginas, já estaria de bom tamanho. Mas é aquela sanha (e ânsia) norte-americana de legar tijolaços. Não sei se foi isso que contribuiu para a morte do grande Norman Mailer ou a pensão às ex-mulheres.
5 E olhem só, também regressei da busca frustrada ao tesouro (o romance de DeLillo) com "O Carnê Dourado", de Doris Lessing, Nobel de Literatura que morreu no domingo passado aos 94 anos. Tenho muitos livros de Lessing, incluindo suas memórias. Na coluna de ontem disse que a perda da escritora ao menos poderia nos restituir, no Brasil, a reedição deste esgotadíssimo "O Carnê Dourado". Tomara, que o meu exemplar está sambadíssimo, além de que a edição, da Record é bem feiosa, nem um pouco à altura do grande livro. A tradução também merece revisão, apesar do nome, respeitável, das duas tradutoras, Sônia Coutinho (romancista brasileira que também morreu recentemente) e Ebreia de Castro Alves – aliás, belo sobrenome. Será? Pode até ser, que a Sônia era baiana.
6 Finalmente, também trouxe, troféu empoeirado, em vez do "Libra", "Vida de Moravia", para mim um dos melhores livros de entrevistas com um escritor, no caso, resultado de uma longa conversa do notável italiano Alberto Moravia (autor, entre outros romances, de "Os Indiferentes") com o amigo e professor norte-americano Alain Elkann.
7 E falando em livros perdidos no espaço dessa biblioteca, faz tempo, muito tempo que não atino com o histórico e carregado (para mim) de emotividade livrinho de poesia "A Teus Pés", da poeta Ana Cristina Cesar, publicado em 1982 (e o comprei naquele ano), um ano antes do suicídio de Ana C., aos 31 anos. Será mais fácil reler Ana Cristina na nova edição, "Poética, "reunião de seus poemas, que a Companhia das Letras lança ainda este mês que, antes disso, encontrar meu exemplar de "A Teus Pés", já todo despetalado.

8 Preciso, realmente, rever meus conceitos. E arrumar essa bagunça cavernosa in-fólio.

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