quinta-feira, 15 de maio de 2014

CURITIBA, SÃO LUÍS, BELÉM E O INFERNO DE DANTE, Elias Ribeiro Pinto



CURITIBA, SÃO LUÍS, BELÉM E O INFERNO DE DANTE
Elias Ribeiro Pinto


Retornei a Belém mais pessimista do que saí – no que diz respeito ao nosso descompasso em relação a cidades às quais podemos nos equiparar


 DIÁRIO DO PARA, 14/5/2014

1 Recentemente andei por Curitiba e São Luís. E delas retornei revendo Belém de ângulos não muito favoráveis. A comparação é inevitável. A primeira é exemplo, já há um bom tempo, de cidade progressista, dotada de um sistema de transporte modelar. No entanto, hospedado no centro da capital paranaense (viajei, em março, a convite da organização do tradicional Festival de Teatro de Curitiba, um dos melhores do país), a minha primeira impressão não foi das mais satisfatórias.
2 Não pela organização do trânsito – pelo contrário. No trajeto de chegada do aeroporto até o hotel fui surpreendido pela presença, em esquinas sucessivas, de guardas de trânsito, que cumpriam a mais elementar de suas funções – orientavam o tráfego, os motoristas. E o transporte público, se já não apresenta a eficiência de anos anteriores, pareceu-me funcionar a contento, inclusive com ônibus elétricos, relegando a versão perebenta do nosso BRT à quadratura da jumentice – com o devido respeito aos bons serviços prestados pelo jumento.
3 O que me chamou a atenção em Curitiba foi uma certa indigência arquitetônica de seu centro, incluindo o patrimônio histórico. Não há uma identidade que a caracterize, a singularize – suas ruas e avenidas e o conjunto de prédios poderiam ser os de uma cidade de grande porte do interior paulista.
4 Pensar que em Belém dispomos de um conjunto arquitetônico tão marcante e belo quanto maltratado, deteriorado. Isso a partir do que nos restou, descartando o que foi consumido pela idiotice do avanço imobiliário movida pela ambição desmedida, não raro acobertada pela cumplicidade administrativa dos governos. Ainda assim, temos um conjunto arquitetônico histórico que lega a Belém uma identidade capaz de ressaltá-la entre as demais cidades brasileiras.
5 Mas aqui, na totalidade desse legado de prédios seculares, somos suplantados por São Luís, de onde regressei na segunda-feira. Na capital maranhense, ao visitante se abre a possibilidade de bater perna pelas ruelas e ladeiras estreitas que se enxameiam à beira dos sobradões coloniais com fachadas de azulejos portugueses e franceses e sacadas de ferro. Esse casario antigo, se também carece de cuidados, reformas, tem a seu favor o fato de vários deles serem benfazejamente ocupados por instituições do estado, do município, estimulando suas visitações ao léu, ao sabor das andanças. Em Belém, o turista não caminha pelo centro histórico, como em São Luís; restringe-se a visitas a alguns núcleos turísticos, como o que emoldura a praça Frei Caetano Brandão.
6 Em Curitiba, se o centro não me fez boa figura, os parques distribuídos pela cidade encantam pela amplidão, pela arborização, convite irresistível a passeios, caminhadas, exercícios. Já nos bairros chiques da cidade, localizados em seus topos, a imponência das residências (e algumas não abdicam de uma singeleza doméstica acolhedora) não deixa de surpreender, revelando-nos que estamos na capital de um estado que detém alguns dos melhores índices de qualidade de vida do país.
7 Essa vitalidade econômica pode também ser observada nos bairros que seguem em direção às praias de São Luís, como Renascença, Ponta D’Areia, Calhau, Araçagy. Ao longo, vimos prédios residenciais novos, arrojados, condomínios de belas casas. Mas em nenhum momento, pelo contraste verificado, deixamos de perceber que estamos na capital de um estado que detém alguns dos piores índices de qualidade de vida do país. A visão (pairando como uma sombra inquietante) de 25 (contei) navios de grande calado, ao largo da praia do Calhau, aguardando a hora de embarcar, no porto da Ponta da Madeira, em São Luís, o melhor minério de ferro do planeta extraído da mina de Carajás, no Pará, certamente traduz essa vitalidade econômica ludovicense. E, por contraste, a pobreza (incluindo a nossa, paraense). Mais adiante, comentarei, comparando, outros aspectos dessas visitas.
8 Posso antecipar que retornei a Belém mais pessimista do que saí – no que diz respeito ao nosso descompasso em relação a cidades às quais podemos nos equiparar –, mas sem perder, apesar da realidade, a esperança em dias melhores, esperança que teimo em não perder, ao contrário do recomendado a Virgílio ao ultrapassar os umbrais do inferno dantesco.
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