terça-feira, 18 de março de 2014

OS COELHOS ALARANJADOS DE RAJNEESH, ELIAS RIBEIRO PINTO



OS COELHOS ALARANJADOS DE RAJNEESH
ELIAS RIBEIRO PINTO

"Os rajneeshes (como também eram chamados os seguidores do Bhagwan) se multiplicavam feito coelhos alaranjados à minha volta, como naquele filme, 'Os Invasores de Corpos'." 



1 Passei o domingo de Carnaval em Mosqueiro, ou melhor, no Paraíso, que é mas não é Mosqueiro, se é que vocês me entendem – mas prefiro que não me entendam. Lá na barraca do companheiro Paulo, no Porto do Fogo, assistíamos à passagem, quase bucólica (lá ainda se respira um clima bucólico), dos bloquinhos carnavalescos. Foi quando um amigo, do nada (talvez inspirado pelas fantasias carnavalescas), lembrou o tempo em que os seguidores de Rajneesh alaranjaram a universidade.
2 Não lembro exatamente o ano dessa conversão em massa, mas foi ali pelo início da década de 1980. De um dia para o outro, a beira do rio no campus do Guamá, da UFPA, começou a se tingir em tons de vermelho. Não, ainda não era a onda petista. Também não estou me referindo à “lupa”, aos olhos dos frequentadores da beira famosa pela aura anos 60 e pela densa e constante nuvem que esses habitués sopravam sobre as cabeças. Refiro-me à uniformização dos trajes de parte da trupe que adorava contemplar o pôr do sol.
3 Sim, era ali pelo início da década de 80. Além das roupas, que iam do rosa ao vermelho vivo, passando pelo laranja, num ton sur ton místico, os neoconversos carregavam uma espécie de medalhão. E mais: diziam que o nome pelo qual eram conhecidos até a véspera, e que carregavam desde o batismo, já não valia. Agora se chamavam Puva, Veettrag, Rohit, Anand, Krishna Deva, Satori ou coisa parecida, e não mais Cláudio, Vanderlei, Elaine e Carmen. Eram os sanyases.
4 Mas a quem ou o quê cultuavam? A resposta estava dentro do medalhão, ou mala, segundo o patoá da seita. O mala trazia a foto de um homem de turbante, barbudo, com um sorriso típico dos charlatões religiosos. Seu nome: Bhagwan Shree (que significa “Senhor Deus” em sânscrito) Rajneesh.
5 Os rajneeshes (como também eram chamados os seguidores do Bhagwan) se multiplicavam feito coelhos alaranjados à minha volta, como naquele filme, Os Invasores de Corpos. A cada dia um amigo se convertia ao éden transcendental pregado pelo guru indiano. Eu, que em nenhum momento cedi sequer à Santíssima Trindade, não iria me submeter ao exército da laranja mística, que parecia mesmo ter um pé na caserna, ou comunidade, como eles definiam seus ajuntamentos.
6 Bem a propósito, em 1981, o Bhagwan pagou (em valores, lógico, da época) 5,75 milhões de dólares por um remoto rancho de 64 mil acres, situado no condado de Wasco, no Oregon, Estados Unidos. O plano era construir um “campo de Buda”, uma comunidade agrícola na qual pudessem celebrar a crença na beleza, no amor e no sexo sem culpa pregado por seu “mestre iluminado”. Os críticos diziam que fora o sexo, e não a meditação, que atraíra milhares de seguidores, muitos dos quais ocidentais abastados, primeiro a Poona, na Índia, a origem da comunidade, e depois ao Oregon.
7 O grupo saíra de Poona debaixo de uma crescente pressão suscitada por relatórios onde se afirmava que o dinheiro dos seus dirigentes não provinha apenas dos seguidores, mas também do tráfico de drogas e outras atividades ilícitas. Sempre suspeitei que aquilo tudo não passava de uma picaretagem, que se aproveitava do crédito do misticismo oriental legado pelos anos 60 da cultura do paz e amor. Só não entendia como é que meus amigos embarcavam nessa arapuca hindu. Carências espirituais. Enquanto o Bhagwan pregava o desprendimento de bens materiais, ele próprio cultuava uma coleção de relógios cravejados de diamantes e vários carros da marca Rolls-royce.
8 Será que ainda hoje, em Belém, tem gente que mantém o nome de guerra rajneesh? Sei do saudoso Antar Rohit, que já nos deixou, mas ficou conhecido, artisticamente, pelo nome rajneesh que adotou (por sinal, tentei lembrar o nome de batismo dele mas não consegui).
P.S.: Aliás, meu obrigado ao shopping Castanheira pelo delicado brinde que recebi, com tigelas inspiradas nas belas gravuras do Rohit. A sensibilidade do cronista agradece.
JORNAL DIÁRIO DO PARÁ, COLUNA +VOCÊ, QUINTA (13/3/2014)

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