terça-feira, 29 de outubro de 2013

Histórias do Turi - 2: O CAFÉ DE SILVANIRA, por Jamil Damous



O CAFÉ DE SILVANIRA
Jamil Damous 





Todos os procedimentos foram tomados para que o diabo daquele café ficasse mais quente que o enxofre  do inferno. Tudo seria feito rapidamente para que ele chegasse quase fervendo aos lábios de Silvanira. Maricota ficaria de prontidão com a bandeja na porta da cozinha para que não houvesse  tempo do líquido arrefecer um grauzinho sequer. A xícara seria fervida à parte. Em segundos, tudo iria do fogão para a bandeja, Maricota entraria o mais rápido que pudesse na sala e começaria servindo Silvanira. Minha avó, meu avô, mamãe, o velho agregado Adamastor – autor do diabólico plano – e todas as outras visitas esperariam um pouco antes de dar o primeiro gole. Tudo estava ensaiado. Dessa vez eles queriam ver se ela ia ter coragem de cantar o velho estribilho:


- O café está uma delícia, pena que esteja um pouquinho frio.

Todo fim de tarde o ritual se repetia. O cafezinho na casa de vovô já era uma tradição de há séculos e mais antiga ainda era a repetida reclamação de Silvanira. A solteirona podia até não dizer bom dia ao chegar, ou não comentar o clima abafado da tarde turiense, mas nunca falhava no reclamar da temperatura do café.

Mas agora ela ia ver. A vingança estava armada. Pode deixar, Silvanira, que tua batata, quer dizer, teu café, está esquentando.

E chegou a tarde em que todo mundo queria ver ela dizer que o café estava frio. Ela ia saber o que é um café quente de verdade.

Os preparativos correram como o previsto. Desde o escaldamento de todo e qualquer continente por onde aquele conteúdo líquido fervente houvesse de passar até a presteza com que Maricota carregaria a bandeja rumo aos lábios reclamões de Silvanira.

E Maricota entra na sala.

Silvanira deu o farto gole de meia xícara como era do seu jeito, e um silêncio se fez, todos de olhos fixos nela. Antes de Adamastor perguntar se aquele estava do seu gosto, pergunta que estava nos seus planos, ela mesma fez o comentário, o primeiro a vir incompleto, sem a  segunda parte,  em muitos anos.

 - O café está uma delícia.

Nenhuma reação, nenhum  músculo da sua face se moveu. Mas todos viram rolar do seu olho esquerdo uma lágrima discreta. Vovó retomou a conversa, alguma coisa sobre os preparativos da festa de inauguração da usina elétrica.

No dia seguinte, Silvanira não apareceu pro cafezinho do fim de tarde. Dizem que ela ficou em casa, cuidando da língua.

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