domingo, 27 de março de 2011

Truman Capote por Rafael Lima (Na Cara do Gol)


Truman Capote por Rafael Lima

Pode parecer franco espírito de porco da minha parte, mas só fiquei interessado pela biografia de Truman Capote que terminei de ler no embalo do filme (que me lembrou muito bem porque eu tinha me prometido não ler mais nenhum livro de 500 páginas...), depois que ele entra em decadência. Antes, a impressão é a de que tudo o que ele fez, entre 46 e 66 deu certo, à parte a infância de ausências afetivas, mas nem por isso dickensiana ou de privações como, por exemplo, a de Nelson Rodrigues. Depois, perdeu o controle de si mesmo e trocou de lado com a pintura de Dorian Gray.
Talvez a impressão tenha sido essa porque a maior parte dos eventos da vida dele eu já conhecia -- a maneira como ele enrolou Marlon Brando e os assassinos da família Clutter para escrever suas reportagens, a frequência ao Studio 54 no fim da vida, a foto de contracapa de Other Voices, Other Rooms que chocou uma geração, o baile de máscaras branco e preto, a amizade com Harper Lee na infância -- e a biografia não aprofunda tanto, num formato bastante rígido que, se dedica praticamente um capítulo para cada ano de vida do escritor, não se permite relaxar e abrir mais espaço para acontecimentos marcantes, como o baile de máscaras, por si só objeto de um livro inteiro de George Plimpton. Onde eu não conhecia, não me interessou: na extensa lista dos romances homossexuais, por exemplo. Sobraram uma ou duas histórias realmente interessantes, como quando ele ganha várias quedas de braço seguidas de Humphrey Bogart durante as filmagens de Beat the Devil, ou quando clama ter levado para a cama o escritor existencialista Camus, notório mulherengo, mas a impressão é de que foi pouco para as 400 páginas. Ah sim, e o piti que ele dá quando Norman Mailer arrecada todos os prêmios literários com Armies of the Night, num estilo misturando ficção e reportagem, aparentado ao de In Cold Blood, que vendeu pra caramba, elevou-o ao status de escritor mais importante do país e sumidade em criminalística -- mas não teve o devido reconhecimento da crítica, leia-se prêmios.
Claro, essa foi a impressão porque eu já tinha uma idéia bastante boa do que fora a vida dele (e lido dois de seus textos fundamentais); deve agradar bem mais quem conheceu-o apenas por causa do filme. Voltando ao raciocínio anterior, parece que depois de In Cold Blood a consequência de todos os comportamentos duvidosos que ele teve em vida caíram na cabeça dele, toda a fofocagem, prevaricação, promiscuidade, as traições, tudo que era meio tolerado ou deixado pra lá na conta da excentricidade passou a ser o centro dos assuntos. Curioso que ele também seja vítima da cegueira do escritor, que impede o autor de notar certas nuances de seu trabalho que podem ter consequências terríveis: Truman não imaginava que o capítulo de Answered Prayers teria uma repercussão tão violenta, banindo-o dos meios sociais. Seu fim é tão auto-destrutivo quanto o de qualquer um que tenha passado a vida inteira em desarmonia com a própria identidade, ao mesmo tempo orgulhando-se de ter vencido apesar de caipira, afeminado e esquisitão e desejando envergonhadamente ser apenas mais um sujeito comum.
Rafael Lima – Na cara do gol

www.nacaradogol.mondo-exotica.net/arquivo/001780.htm

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