segunda-feira, 29 de agosto de 2016

5 trechos literários que são diamantes ao meio-dia, por Edival Lourenço



5 trechos literários que são diamantes ao meio-dia, por Edival Lourenço



REVISTA BULA, em Livros

A Metamorfose (Franz Kafka)
Tradução: Modesto Carone
Editora Cia das Letras
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos. — O que aconteceu comigo? — pensou.

Ulisses (James Joyce)
Tradução: Bernardina da Silveira Pinheiro
Editora Alfaguara
Uma terra estéril, nua deserta, lago vulcânico, o mar morto: nenhum peixe, nenhuma alga, afundado profundamente na terra. Nenhum vento podia elevar aquelas ondas, metal cinzento, águas nebulosas venenosas. Chamavam de enxofre a cair como chuva: as cidades da planície: Sodoma, Gomorra, Edom. Todos nomes mortos. Um mar morto numa terra morta, cinza e velha. Velha agora. Ela produziu a primeira raça, a mais antiga. Uma velha megera encurvada vindo de Cassidy atravessou, agarrando pelo pescoço uma garrafa com um pouco de licor. O povo mais antigo. Vagou bem longe por toda a terra, de cativeiro em cativeiro, se multiplicando, morrendo, nascendo em toda parte. Jazia ali agora. Agora não podia mais gerar. Morta: de uma mulher velha: a boceta cinzenta afundada do mundo.

Mudança (Mo Yan)
Tradução: Amilton Reis
Editora Cosac Naify
Uma morte gloriosa era muito melhor do que uma existência sem sentido. Com a guerra, até mesmo uma unidade como a nossa deixou de lado sua indisciplina crônica. Exercícios físicos, treinos, vigilância, lavoura: tudo era feito com diligência e esforços redobrados. Mas a guerra acabou logo e tudo voltou a ser como antes.
(…) E por acaso dá para imaginar que alguém vai acertar uma bolinha de pingue-pongue na goela do oponente? Pois é, isso também não dá para imaginar. Daí se vê que a vida é cheia de mudanças, o acaso é que ata as pontas do destino. Tudo se encaixa de maneira estranha, bizarra mesmo, ninguém é capaz de prever essas coisas.

Ficções (Jorge Luis Borges)
Tradução: Carlos Nejar
Editora Globo
Lembrou-se bruscamente de que num café da Rua Brasil (a poucos metros da casa de Yrigoyen) havia um enorme gato que se deixava acarinhar pelas pessoas, como uma divindade desdenhosa. Entrou. Aí estava o gato, adormecido. Pediu uma taça de café, adoçou-a lentamente, provou-a (esse prazer lhe tinha sido proibido na clínica) e pensou, enquanto alisava o pelo preto, que aquele contato era ilusório e que estavam como separados por um cristal, porque o homem vive no tempo, na sucessão, e o mágico animal, na atualidade, na eternidade do instante.

Cem Anos de Solidão (Gabriel García Márquez)
Tradução: Eliane Zagury
Editora Record
A atmosfera estava tão úmida que os peixes poderiam entrar pelas portas e sair pelas janelas, navegando no ar dos aposentos. Certa manhã Úrsula acordou sentindo que se acabava num desmaio de placidez, e já tinha pedido que a levassem ao Padre Antonio Isabel, ainda que fosse numa liteira, quando Santa Sofía de la Piedad descobriu que ela tinha as costas empedradas de sanguessugas. Desprenderam-nas uma por uma, queimando-as com tições, antes que acabassem de sangrá-la. Foi preciso abrir canais para escorrer a água da casa e desimpedi-la de sapos e caracóis, para que pudesse secar o chão, tirar os tijolos dos pés das camas e andar outra vez de sapatos.

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