sábado, 2 de março de 2013

SÚPLICAS ATENDIDAS – TRUMAN CAPOTE



SÚPLICAS ATENDIDAS – TRUMAN CAPOTE
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Pouco antes de morrer, Truman Capote (1924-1984) entregou à sua amiga Joanne Carson a chave de um cofre onde estaria depositado o manuscrito do seu último romance, Súplicas Atendidas. Porém, o cofre estava vazio. E nunca ninguém encontrou mais do que os capítulos pré-publicados na revistaEsquire em 1975-76. Três desses quatro capítulos constituem esta obra inacabada, publicada em 1987. São eles: Monstros em Estado Bruto, Kate McCloud e La Côte Basque. A tradução portuguesa de 1993 acaba de ser reeditada.

Na introdução, Joseph M. Fox, o editor americano da obra, dá conta dos incidentes processuais que, ao longo de dezoito anos, pontuaram a génese de Súplicas Atendidas. O contrato de edição, assinado em Janeiro de 1966, sofreu várias prorrogações e, em 1975, contra a opinião de Fox, Capote tomou a decisão de pré-publicar quatro capítulos. O que saiu primeiro, Mojave, foi mais tarde incluído como conto em Música para Camaleões(1980); os outros três constituem o livro tal como o conhecemos. Sobre os capítulos em falta existem inúmeras teorias, mas, como diz Fox, tais «possibilidades tornam-se menos plausíveis à medida que o tempo passa.»

Facto é que a pré-publicação foi fatal para o autor. Indignados, os amigos não perdoaram as inconfidências, e a alta-sociedade fechou-lhe as portas. De um momento para outro, os nomes mais sonantes viam-se expostos sem contemplações: quem dormia com quem, preferências sexuais, consumo de coca e outras drogas, dívidas, traições, etc. Capote comentou: «De que é que eles estavam à espera? Sou escritor. Utilizo tudo. Será que essa gente julgava que eu estava lá só para os divertir?» Embora se trate de uma obra de ficção, e não de memórias, a maioria dos protagonistas é citada pelo nome real. E o gossip acerca de celebridades como Marilyn Monroe, Andy Warhol, Mick Jagger, Jack Kerouac, Marlon Brando, Tennessee Williams ou Montgomery Clift não suscitaria especial controvérsia. Sucede que Capote, fiel ao propósito de fazer um fresco contemporâneo de Em Busca do Tempo Perdido — argumento que pesou nos chorudos avanços que recebeu —, mas dispensando as cautelas de Proust, que crismou os seus condes e duquesas, descreve com acrimónia uma série de episódios rocambolescos envolvendo cabeças coroadas, diplomatas, políticos, intelectuais, banqueiros e praticamente todo o Who’s Who americano e europeu: «Este cavalheiro perdeu Denny em favor da realeza — o príncipe Paulo, mais tarde rei Paulo, da Grécia. A idade do príncipe era mais próxima da de Denny e o afecto que os unia mais equilibrado...» Sobre Barbara Hutton, uma influente socialite de Nova Iorque, diz que terá pago um milhão de dólares para confirmar se Porfírio Rubirosa tinha mesmo uma «picha mulata [...] cor de café com leite de quase vinte e oito centímetros, tão grossa como um punho de homem». Rubirosa era então embaixador da República Dominicana, conhecido em todo o mundo pelas suas ligações amorosas com estrelas de Hollywood. Ainda sobre o mesmo tema, Capote acrescenta que o único homem com idêntica «mercadoria encarapinhada» era o Xá da Pérsia. Este tipo de inconveniência não poupa ninguém. Entre muitos outros, os duques de Windsor, a princesa Margarida (irmã da rainha Isabel), os Vanderbilt, os Kennedy, Ali Khan, Gore Vidal, Colette, Sartre e Simone de Beauvoir, Albert Camus, J. D. Salinger, Cole Porter, Dorothy Parker, Arthur Koestler, Djuna Barnes, Jane Bowles ou, nomeado de viés, o poderoso subsecretário de Estado Sumner Welles, demitido por Roosevelt (de quem era confidente) para evitar um escândalo homossexual.

Não admira que os mesmos que em 1966 tinham sido seus convidados no mítico Baile Branco & Preto, realizado no Hotel Plaza de Nova Iorque, estivessem agora apostados no seu fracasso. Foi esse ostracismo que o levou ao álcool e às drogas, e terá sido por essa razão que não acabou o livro (se o fez, deu sumiço ao trabalho). De certo modo, pagou caro uma das suas frases mais repetidas: «Toda a literatura é coscuvilhice».

O título do livro é extraído da frase de Santa Teresa de Ávila que lhe serve de epígrafe: «Mais lágrimas são choradas por súplicas atendidas do que por aquelas que não o são». O narrador é um prostituto que frequenta círculos selectos, de Nova Iorque à Riviera francesa, passando por Paris e Tânger, sendo a história entrecortada por trechos verídicos das memórias do autor. O estilo é corrosivo, sem a subtileza de obras anteriores: o subestimado Outras Vozes, Outros Quartos (1948), ou o lendário A Sangue-Frio (1966), que deu origem a três filmes e uma série de televisão. Não é difícil ver no livro um ajuste de contas com a “boa sociedade”. Capote nunca esqueceu as origens humildes, o alcoolismo e suicídio da mãe, as vicissitudes do homossexual pobre e, entre todos, o dia em que, ainda não tinha 19 anos, foi despedido da New Yorker (onde trabalhava como moço de recados) por imitar os tiques do poeta Robert Frost. Quando mais tarde a revista lhe encomendou textos, teve de os pagar a peso de ouro...

O domínio do thriller é particularmente evidente no terceiro capítulo. Nessas páginas, o móbil e as peripécias de um assassinato no seio de uma família patrícia servem de fio condutor a um conto moral sobre a natureza do arrivismo: «Se se quer subir rapidamente e com toda a segurança do fundo à superfície, a maneira mais eficaz é ter um tubarão na mira e agarrar-se a ele como um peixe piloto.» Afinal de contas, Capote sabia do que falava.


Puro veneno, in Ípsilon, 6-6-2008, p. 49. Quatro estrelas.

http://daliteratura.blogspot.com.br/2008/06/truman-capote.html

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