A
Revolução Russa e
o movimento negro norte-americano
o movimento negro norte-americano
por
James P. Cannon
James P. Cannon foi um dos
fundadores e principais dirigentes do Partido Comunista dos Estados Unidos.
Expulso em 1928 por apoiar a Oposição de Esquerda Internacional dirigida por
L.D. Trotsky, ele fundou o movimento trotskista norte-americano. O seguinte
artigo foi publicado em 1959 e logo formou parte do seu livro The First Ten Years of American Communism (Os primeiros
dez anos do comunismo norte-americano), publicado em 1962. Esta edição basea-se
na primeira tradução no português feita e distribuida pela Luta Metalúrgica (agora
a Liga Quarta-Internacionalista do Brasil) em 1995.
Durante seus dez primeiros anos, o Partido
Comunista dos EUA estava preocupado com a questão do negro, e gradualmente
chegou a uma política que era diferente e superior à do radicalismo norte-americano
tradicional. Não obstante, nas minhas memórias publicadas relacionadas a este
período, a questão do negro não aparece em nenhuma parte como tema de
controvérsia interna entre as frações principais. A explicação era que nenhum
dos dirigentes norte-americanos colocou nenhuma nova idéia sobre esta questão
explosiva por conta própria; e nenhuma das frações propôs nenhuma das mudanças
de política, atitude e forma de abordar a questão que se haviam realizado
gradualmente quando o partido chegou ao fim de sua primeira década.
As principais discussões sobre a questão
do negro ocorreram em Moscou, e a nova forma de ver a questão foi elaborada lá.
Já no Segundo Congresso da Comintern (Internacional Comunista), em 1920,
"Os Negros na América" foi um ponto na ordem do dia e uma discussão
preliminar sobre esta questão foi levada a cabo. As investigações históricas
comprovarão decisivamente que a política do PC sobre a questão do negro recebeu
seu primeiro impulso de Moscou, e também que todas as seguintes elaborações
desta política, incluindo a adoção da palavra-de-ordem de
"autodeterminação" em 1928, vieram de Moscou.
Sob a constante pressão e estímulo dos
russos na Comintern, o partido começou com o trabalho entre os negros durante
seus primeiros dez anos; mas não conseguiu incorporar muitos e sua influência
dentro da comunidade negra não chegou a muito. Disto seria fácil tirar a
conclusão pragmática de que toda a discussão e preocupação sobre a política com
respeito à questão nessa década, desde Nova Iorque até Moscou, era muito
barulho sobre nada, e que os resultados da intervenção russa foram
completamente negativos.
Esta pode ser a avaliação convencional
nestes dias da Guerra Fria, quando a animosidade contra todas as coisas russas
é o substituto convencional pela opinião considerada. Porém, está longe de ser
a verdade histórica. Os primeiros dez anos do comunismo norte-americano são um
período curto demais para permitir uma avaliação definitiva da nova forma de
abordar a questão do negro que foi imposta ao partido norte-americano pela
Comintern.
A discussão histórica sobre a política e
ação do Partido Comunista sobre a questão do negro, e sobre a influência russa
na formação das mesmas, durante os primeiros dez anos da existência do partido,
por exaustiva que seja, não pode ser suficiente se a investigação não
projeta-se até a seguinte década. O jovem partido tomou os primeiros dez anos
para fazer um começo neste terreno até então não explorado. As façanhas
espetaculares dos anos 30 não podem ser entendidas sem referência a esta década
anterior de mudanças e reorientações. As posteriores ações e resultados vieram
disto.
Uma análise séria de todo o processo
complexo tem que começar com o reconhecimento de que os comunistas norte-americanos
na primeira parte dos anos 20, tal como todas as outras organizações radicais
deste período e períodos anteriores, não tinham nada com que podiam começar
sobre a questão do negro senão uma teoria inadequada, uma atitude falsa
ou indiferente e a aderência de alguns indivíduos com tendências radicais ou
revolucionárias.
O movimento socialista anterior, do qual o
Partido Comunista surgiu, jamais reconheceu a necessidade de um programa
especial sobre a questão do negro. Esta era considerada pura e simplesmente um
problema econômico, uma parte da luta entre os operários e os capitalistas; a
idéia era que não se podia fazer nada sobre os problemas especiais da
discriminação e a desigualdade antes da chegada ao socialismo.
Os melhores dos socialistas do período
anterior foram representados por Debs,1 [veja notas ao
final do texto] que se mostrava simpático a todas as raças e completamente
livre de preconceitos. Porém, a limitação do ponto de vista deste grande
agitador, sobre esta questão complexa, foi expressada na sua declaração:
"Nós não temos nada especial para oferecer ao negro, e não podemos fazer
chamamentos separados a todas as raças. O Partido Socialista é o partido de
toda a classe operária, seja qual for a cor – de toda a classe operária de todo
o mundo" (Ray Ginger, The Bending Cross). Esta foi considerada uma
colocação muito avançada nesse período, mas não colocou o apoio ativo à
exigência especial do negro por um pouco de igualdade aqui e agora, ou no
futuro previsível, no caminho rumo ao socialismo.
Inclusive Debs, com a sua fórmula geral
que ignorou o ponto principal – a questão ardente da constante discriminação
contra os negros em todos os aspectos – era muito superior nesta questão, tal
como em todas as outras, a Victor Berger, que era um racista declarado.2
O seguinte é um pronunciamento de um editorial de Berger no seu jornal na
cidade de Milwaukee, o Social Democratic Herald: "Não há dúvida de
que os negros e mulatos constituem uma raça inferior". Esta foi a colocação
do "socialismo de Milwaukee" sobre a questão negra, como foi
expressada por seu ignorante e insolente líder e chefe. Um negro perseguido e
atacado jamais conseguiria digerir tal posição com uma simples cerveja de
Milwaukee, inclusive se tivesse cinco centavos e pudesse encontrar uma cantina
dos brancos onde pudesse beber um copo de cerveja, na parte dos fundos do
bar.
O chauvinismo declarado de Berger nunca
foi a posição oficial do Partido Socialista. Havia outros socialistas, tais
como William English Walling, que foi partidário da igualdade de direitos para
os negros e um dos fundadores da National Association for the Advancement of
Colored People (NAACP – Associação Nacional pelo Avanço das Pessoas de Cor) em
1909. Mas tais indivíduos foram uma pequena minoria entre os socialistas e
radicais antes da Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa.
A insuficiência da política socialista
tradicional sobre a questão do negro tem sido amplamente documentada pelos
historiadores do movimento, Ira Kipnis e David Shannon. Shannon resume a
atitude geral que prevalecia no Partido Socialista sobre os negros da seguinte
forma:
"Não eram importantes no partido, o
partido não fazia nenhum esforço especial para atrair militantes negros, e se o
partido não era realmente hostil ao esforço dos negros para melhorar sua
posição dentro da sociedade capitalista norte-americana, este esforço
geralmente não lhe interessava." E mais adiante: "O partido mantinha
que a única salvação do negro era a mesma que a única salvação do branco: 'o
socialismo'."
Esta foi a posição tradicional que o
Partido Comunista dos primeiros anos herdou do movimento socialista anterior,
do qual havia surgido. A política e a prática do movimento sindical era ainda
pior. A organização IWW (Industrial Workers of the World – Trabalhadores
Industriais do Mundo) não excluia ninguém da militância pela sua "raça,
cor nem credo". Mas os sindicatos predominantes da AFL (American
Federation of Labor – Federação Norte-Americana do Trabalho), com só umas
poucas exceções, eram compostos exclusivamente pelos brancos da aristocracia
operária. Estes também não tinham nada especial que oferecer aos negros; na
realidade, não tinham absolutamente nada que oferecer-lhes.
A diferença – e foi uma diferença profunda
– entre o Partido Comunista dos anos 20 e os seus antecessores socialistas e
radicais, foi mostrada pela sua ruptura com esta tradição. Os comunistas
norte-americanos dos primeiros anos, sob a influência e pressão dos russos na
Comintern, estavam aprendendo lenta e dolorosamente a mudar sua atitude;
a assimilar a nova teoria da questão negra como uma questão especial de
gente duplamente explorada e posta na situação de cidadãos de segunda classe, o
que requeria um programa de reivindicações especiais como parte do programa
geral – e a começar a fazer algo sobre esta questão.
A verdadeira importância desta mudança
profunda, em todas suas dimensões, não pode ser medida adequadamente pelos
resultados que ocorreram nos anos 20. É necessário considerar os primeiros dez
anos principalmente como o período preliminar de reconsideração e discussão, e
de mudança na atitude e política sobre a questão dos negros – como preparação
para a atividade futura neste terreno.
Os efeitos desta mudança e esta preparação
nos anos 20, produzidos pela intervenção russa, manifestaram-se explosivamente
na década posterior. As condições muito favoráveis para a agitação e
organização entre os negros, produzidas pela Grande Depressão, encontraram o
Partido Comunista preparado para atuar neste terreno como nenhuma outra
organização radical havia feito neste país.
Tudo de novo e progressista sobre a
questão do negro veio de Moscou depois da revolução de 1917, e como resultado
da revolução – não só para os comunistas norte-americanos, que responderam
diretamente, mas também para todos os que se interessavam na questão.
Sozinhos, os comunistas norte-americanos
nunca inventaram nada novo ou diferente da posição tradicional do radicalismo
norte-americano sobre a questão negra. Essa posição, como mostram as citações
anteriores das histórias de Kipnis e Shannon, foi bastante fraca na teoria e
ainda mais fraca na prática. A fórmula simplista de que a questão dos negros
era meramente econômica, uma parte da questão do capital contra o trabalho,
jamais inspirou os negros, que sabiam que não era assim, mesmo se não o
dissessem abertamente; eles tinham que viver com a discriminação brutal, cada
hora de cada dia.
Esta discriminação não era sutil nem dissimulada.
Todo mundo sabia que ao negro se dava o pior em todo momento, mas quase ninguém
estava interessado ou queria fazer algo para procurar moderar ou mudar esta
situação. A maioria branca da sociedade norte-americana, que constituia [nesse
período] 90% da população, incluindo seu setor operário, no Norte como no Sul,
estava saturada com preconceitos contra o negro; e o movimento socialista
refletia bastante este preconceito – embora, para não contradizer o ideal da
irmandade humana, esta atitude dos socialistas era oculta e tomava a forma de
evasiva. A velha teoria do radicalismo norte-americano mostrou na prática ser
uma fórmula para a falta de ação sobre a questão dos negros e, incidentalmente,
uma cobertura conveniente para os latentes preconceitos raciais dos radicais
brancos.
A intervenção russa transformou tudo isto,
drasticamente e num sentido benéfico. Ainda antes da Primeira Guerra Mundial e
da Revolução Russa, Lenin e os bolcheviques se distinguiam de todas as outras
tendências no movimento socialista e operário internacional por sua preocupação
com os problemas das nações e minorias nacionais oprimidas, e seu apoio
positivo às lutas destas pela liberdade, a independência e o direito da
autodeterminação. Os bolcheviques davam este apoio a toda a "gente sem
igualdade de direitos", de uma forma sincera e honesta, mas não havia nada
"filantrópico" nesta posição. Reconheciam também o grande potencial
revolucionário na situação dos povos e nações oprimidos, e os viam como aliados
importantes da classe operária internacional na luta revolucionária contra o
capitalismo.
Depois de novembro de 1917, esta nova
doutrina, com ênfase especial nos negros, começou a ser transmitida ao
movimento comunista norte-americano com a autoridade da Revolução Russa. Os
russos na Comintern começaram a enfrentar os comunistas norte-americanos com a
exigência brusca e insistente de que abandonassem seus próprios preconceitos
não declarados, que dessem atenção aos problemas e queixas especiais dos negros
norte-americanos, que trabalhassem entre eles e que se convertessem em campeões
de sua causa dentro da população branca.
Para os norte-americanos, que tinham sido
educados numa tradição diferente, levou tempo para assimilar a nova doutrina
leninista. Mas os russos seguiam, ano após ano, montando os argumentos e
aumentando a pressão sobre os comunistas norte-americanos até que estes
finalmente aprenderam, mudaram e começaram a trabalhar a sério. E a mudança na
atitude dos comunistas norte-americanos, que se efetuou gradualmente nos anos
20, exerceria uma influência profunda em círculos muito mais amplos
durante os anos posteriores.
A ruptura do Partido Comunista com a
posição tradicional do radicalismo norte-americano sobre a questão negra
coincidiu com mudanças profundas que estavam ocorrendo entre a população negra.
A migração em grande escala das regiões agrícolas do Sul dos Estados Unidos
para os centros industriais do Norte se acelerou muito durante a Primeira
Guerra Mundial, e continuou nos anos posteriores. Isto produziu algumas
melhorias em suas condições de vida em comparação com o que haviam conhecido no
Sul ("Deep South"),3 mas não foram
suficientes para compensar o desencanto de encontrar-se relegados aos guetos e
submetidos ainda à discriminação por todos os lados.
O movimento negro, tal como era então,
apoiou patrioticamente a Primeira Guerra Mundial "para tornar o mundo
seguro para a democracia"; e 400.000 negros serviram nas forças armadas.
Quando regressaram aos Estados Unidos, buscaram um pouquinho de democracia para
eles mesmos, mas não puderam encontrar muito em nenhum lado. O seu novo
espírito de reclamar algo para si mesmos foi contestado com cada vez mais
linchamentos e uma série de distúrbios raciais em todo o país, tanto no Norte
como no Sul.
Tudo isto – as esperanças e as decepções,
o novo espírito de decisão e as represálias bestiais – contribuiu para o
surgimento de um novo movimento negro. Rompendo decididamente com a tradição de
Booker T. Washington4 de acomodação a uma posição de inferioridade no mundo do
homem branco, uma nova geração de negros começou a impulsar suas exigências de
igualdade.
O que o novo movimento emergente dos
negros norte-americanos – uma minoria de 10% da população dos Estados Unidos –
mais necessitava, e que carecia quase por completo, era de apoio efetivo dentro
da comunidade branca em geral e, em particular, dentro do movimento operário,
seu aliado necessário. O Partido Comunista, defendendo vigorosamente a causa
dos negros e propondo uma aliança do povo negro e o movimento operário
combativo, entrou na nova situação como um agente catalizador no momento
preciso.
Foi o Partido Comunista, e nenhum outro,
que converteu os casos de Herndon e Scottsboro5
em questões conhecidas nacional e internacionalmente, e que pôs os grupos de
linchamento legal dos "Dixiecratas" (políticos racistas sulistas do
Partido Democrata) na defensiva pela primeira vez desde a derrubada da
Reconstrução.6 Os militantes do partido dirigiram as lutas e as manifestações
para conseguir consideração justa para os negros desempregados nos postos de
ajuda, e para colocar novamente nos seus apartamentos os móveis dos negros
jogados na rua pelos donos das casas. Foi o Partido Comunista que de forma
demonstrativa apresentou um negro como candidato a vice-presidente em 1932 –
algo que nenhum outro partido radical ou socialista jamais havia
contemplado.
Por meio deste tipo de ação e agitação nos
anos 30, o partido sacudiu todos os círculos mais ou menos liberais e
progressistas da maioria branca, e começou a produzir uma mudança radical na
atitude sobre a questão negra. Ao mesmo tempo, o partido se coverteu num
verdadeiro fator entre os negros, que avançaram em seu status e sua confiança
em si mesmos – em parte como resultado da vigorosa agitação do Partido
Comunista sobre a questão.
Não se pode descartar esta realidade
dizendo que "os comunistas atuaram assim porque tinham um interesse por
trás disto". Toda agitação a favor dos direitos dos negros favorece o
movimento negro; e a agitação dos comunistas foi muito mais enérgica e eficaz
que qualquer outra naquele período.
Estes novos acontecimentos parecem conter
um aspecto contraditório, e este, que conheço, jamais tem sido confrontado ou
explicado. A expansão da influência comunista dentro do movimento negro durante
os anos 30 ocorreu apesar do fato de que uma das novas palavras-de-ordem
impostas ao partido pela Comintern nunca pareceu adequar-se à situação real.
Esta foi a palavra-de-ordem da "autodeterminação", sobre a qual se
fez o maior alvoroço e se escreveu o maior número de teses e resoluções, sendo
inclusive apregoada como a palavra-de-ordem principal.7
A palavra-de-ordem da "autodeterminação" teve pouca ou nenhuma
aceitação na comunidade negra. Depois do colapso do movimento separatista
dirigido por Garvey,8 a tendência dos negros foi principalmente em direção
à integração racial, com igualdade de direitos.
Na prática o PC passou por cima
desta contradição. Quando o partido adotou a palavra-de-ordem da
"autodeterminação", não abandonou sua vigorosa agitação a favor da
igualdade e os direitos dos negros em todas as frentes. Ao contrário,
intensificou e estendeu esta agitação. Isto era o que os negros desejavam
ouvir, e isso é o que fez a diferença. A agitação e ação do PC sobre esta
última palavra-de-ordem foi o que produziu resultados, sem a ajuda e
provavelmente apesar da impopular palavra-de-ordem da
"autodeterminação" e todas as teses escritas para justificá-la.
Durante o "Terceiro Período" de
ultra-radicalismo [da Comintern], os comunistas convertidos em stalinistas
realizaram sua atividade entre os negros com toda a desonesta demagogia, os
exageros e distorsões que lhes são próprias e das quais eles são inseparáveis. Apesar
disto, a reivindicação principal em torno da igualdade de direitos foi ouvida e
encontrou eco na comunidade negra. Pela primeira vez desde a época dos
abolicionistas,9 os negros viram um grupo enérgico, dinâmico e combativo de
gente branca que defendia sua causa. Desta vez não foram uns quantos
filantropos e liberais tímidos, mas sim os pertinazes stalinistas dos anos 30,
que estavam à frente de um movimento radical de grande alcance que, gerado pela
depressão, estava em
ascensão. Havia uma energia em seus esforços naqueles anos e
esta foi sentida em muitas esferas da vida norte-americana.
A resposta inicial de muitos negros foi
favorável, e a reputação do partido como uma organização revolucionária
identificada com a União Soviética provavelmente era mais ajuda que obstáculo.
A camada superior dos negros, buscando respeitabilidade, tendia a distanciar-se
de todo o radical; porém as bases, os mais pobres entre os pobres que não
tinham nada que perder, não tinham medo. O partido incorporou milhares de militantes
negros nos anos 30 e se converteu, por um tempo, em uma força real dentro da
comunidade negra. A causa principal disto era sua política sobre a questão da
igualdade de direitos, sua atitude geral – a qual havia aprendido dos
russos – e sua atividade em torno da nova linha.
Nos anos 30, a influência e a ação do
Partido Comunista não se restringia à questão dos "direitos civis" em geral. Também atuava
poderosamente para dar nova forma ao movimento operário e auxiliar os operários
negros a conseguir neste movimento o lugar que anteriormente lhes havia sido
negado. Os mesmos operários negros, que haviam contribuido nas grandes lutas
para criar os novos sindicatos, pressionavam a favor de suas próprias
reivindicações mais vigorosamente que em nenhum período anterior.10
Mas necessitavam de ajuda, necessitavam de aliados.
Os militantes do Partido Comunista
começaram a desempenhar este papel no momento crítico dos dias formativos dos
novos sindicatos. A política e a agitação do Partido Comunista neste período
fizeram mais, dez vezes mais, que qualquer outra força para ajudar os operários
negros a assumir um novo status de, pelo menos, semi-cidadania dentro do novo
movimento sindical criado nos anos 30 sob a bandeira do CIO.
É freqüente atribuir o progresso do
movimento negro, e a mudança da opinião pública a favor de suas reivindicações,
às mudanças produzidas pela Primeira Guerra Mundial. Mas o resultado mais
importante da Primeira Guerra Mundial, o acontecimento que mudou tudo, incluindo
as perspectivas para os negros norte-americanos, foi a Revolução Russa. A
influência de Lenin e da Revolução Russa – apesar de ser degradada e distorcida
como foi posteriormente por Stalin, e depois filtrada através das atividades do
Partido Comunista dos Estados Unidos – contribuiu, mais que qualquer outra
influência, de qualquer fonte, para o reconhecimento, e a aceitação mais ou
menos geral, da questão negra como um problema especial da sociedade
norte-americana; um problema que não pode ser colocado simplesmente sob o
cabeçalho do conflito entre capital e trabalho, como fazia o movimento radical
pré-comunista.
Se acrescenta algo, mas não muito, ao
dizer que o Partido Socialista, os liberais e os dirigentes sindicais mais ou
menos progressistas aceitaram a nova definição e outorgaram algum apoio às
reivindicações dos negros. Isso é exatamente o que fizeram: aceitaram. Não
tinham nenhuma teoria nem política independente desenvolvidas por eles mesmos.
De onde iam tirá-las? De suas próprias cabeças? De nenhuma maneira. Todos iam
atrás o PC sobre esta questão nos anos 30.
Os trotskistas e outros grupos radicais
dissidentes – que também tinham aprendido dos russos – contribuiram com o que
puderam para a luta pelos direitos dos negros; mas os stalinistas, dominando o
movimento radical, dominavam também os novos acontecimentos no terreno da
questão negra.
Tudo o que havia de novo sobre a questão
negra veio de Moscou, depois que começava a ressoar em todo o mundo a exigência
da Revolução Russa pela liberdade e a igualdade para todos os povos subjugados
e todas as raças, para todos os desprezados e rechaçados do mundo. O estrondo
continua ressoando, mais forte que nunca, como atestam as manchetes diárias dos
jornais.
Os comunistas norte-americanos responderam
primeiro, e mais enfaticamente, à nova doutrina que veio da Rússia. Mas o
povo negro, e setores significativos da sociedade branca norte-americana,
responderam indiretamente, e seguem respondendo, mesmo não reconhecendo
isto.
Os
atuais líderes oficiais do movimento pelos "direitos civis" dos
negros norte-americanos, mais que um pouco surpreendidos frente à crescente
combatividade do movimento e o apoio que está conseguindo na população branca
do país, pouco suspeitam o quanto o ascendente movimento deve à Revolução Russa
que todos eles patrioticamente rechaçam.
O Reverendo Martin Luther King afirmou, ao
tempo da batalha do boicote em Montgomery, que o seu movimento fazia parte da
luta mundial dos povos de cor pela independência e a igualdade.11
Deveria haver acrescentado que as revoluções coloniais, que efetivamente são um
poderoso aliado do movimento negro nos Estados Unidos, conseguiram seu impulso
inicial da Revolução Russa – e são estimuladas e fortalecidas dia a dia pela
contínua existência desta revolução na forma da União Soviética e da nova
China, que o imperialismo branco subitamente "perdeu".
Indiretamente, mas de uma forma
ainda mais convincente, os mais raivosos anti-soviéticos, entre eles os
políticos liberais e os dirigentes sindicais oficiais, testemunham isto quando
dizem: O escândalo de Little Rock e coisas do mesmo tipo não devem acontecer
porque favorecem a propaganda comunista entre os povos coloniais não-brancos.12
Seu temor à "propaganda comunista", tal como o temor de outras
pessoas a Deus, lhes faz virtuosas.
Agora tornou-se convencional, para os
líderes sindicais e os libe-rais do Norte, simpatizar com a luta dos negros por
alguns poucos direitos elementares como seres humanos. É "O Que Se Deve
Fazer", um símbolo da inteligência civilizada. Até os ex-radicais
convertidos em uma espécie de "liberais" anti-comunistas – uma
espécie muito fraca – são agora orgulhosamente "corretos" em seu
apoio formal aos "direitos civis" e em sua oposição à segregação dos
negros e outras formas de discriminação. Mas como chegaram a isso?
Os liberais de hoje jamais perguntam-se
por quê – salvo algumas notáveis exceções – nunca ocorreu a seus similares de
uma geração anterior esta nova e mais esclarecida atitude sobre os negros antes
que Lenin e a Revolução Russa puseram de pernas pro ar à velha, bem
estabelecida e complacentemente aceitada doutrina de que as raças deviam ser
"separadas e desiguais".13 Os liberais e
líderes sindicais anti-comunistas norte-americanos não sabem, mas algo da
influência russa que odeiam e temem tanto lhes contagiou.
Como todo mundo sabe, finalmente os
stalinistas atrapalharam a questão negra, assim como atrapalharam todas as
demais questões. Traíram a luta pelos direitos dos negros durante a Segunda
Guerra Mundial, em serviço à política exterior de Stalin – do mesmo modo, e
pelo mesmo motivo fundamental, que trairam os operários grevistas
norte-americanos e aplaudiram os representantes do governo quando pela primeira
vez se utilizou a Lei Smith, no julgamento contra os trotskistas em Minneapolis
em 1941.14
Agora todo mundo o sabe. Ao final se
colheu o que se semeou, e os stalinistas mesmos têm-se visto obrigados a
confessar publicamente algumas de suas traições e ações vergonhosas. Mas nem o
suposto arrependimento por crimes que não podem ser ocultados nem os alardes
sobre virtudes passadas que outros estão pouco dispostos a recordar, parecem
servir-lhes de nada. O Partido Comunista, ou melhor, o que fica disso, é tão
desprestigiado e desprezado que hoje se reconhece pouco ou nada de seu trabalho
na questão dos negros durante aqueles anos anteriores, quando teve
conseqüências extensas que em sua maior parte foram progressistas.
Não é meu dever nem meu propósito prestar
ajuda aos stalinistas. O único objetivo desta descrição resumida é esclarecer
alguns fatos acerca da primeira época do movimento comunista norte-americano
para o benefício dos estudiosos de uma nova geração, que desejam conhecer toda
a verdade, sem temor nem favor, e aprender algo dela.
A nova política sobre a questão negra,
aprendida dos russos durante os primeiros dez anos do comunismo
norte-americano, deu ao Partido Comunista a capacidade de avançar a causa do
povo negro nos anos 30; e de estender sua própria influência entre os negros em
uma escala da qual nenhum movimento radical tinha-se aproximado até então.
Estes são os fatos históricos, não somente da história do comunismo
norte-americano, mas também da história da luta pela emancipação dos
negros.
Para aqueles que olham para o futuro
estes fatos são importantes, uma antecipação das coisas por vir. Através de sua
atividade combativa durantes os anos anteriores, os stalinistas deram um grande
ímpeto ao novo movimento negro. Posteriormente, sua traição à causa dos negros
durante a Segunda Guerra Mundial preparou o caminho para os gradualistas que
têm sido os dirigentes incontestados do movimento desde esse período.
A política do gradualismo, de prometer
liberdade ao negro dentro do marco do sistema social que o subordina e degrada,
não está dando resultado. Não vai à raíz do problema. Grandes são as aspirações
do povo negro e grandes também as energias e emoções em sua luta. Porém as
conquistas concretas de sua luta até agora são lastimosamente escassas. Têm
avançado alguns milímetros, mas a meta da verdadeira igualdade se encontra a
muitos, muitos quilômetros de distância.
O direito de ocupar um banco vazio em um
ônibus; a integração de um punhado de meninos negros em algumas escolas
públicas; algumas vagas abertas para indivíduos negros na administração pública
e algumas profissões; direitos de emprego iguais no papel, mas não na prática;
o direito à igualdade, formal e legalmente reconhecido mas negado na prática a
cada momento: este é o estado de coisas na atualidade, 96 anos depois da
Proclamação da Emancipação.
Tem havido uma grande mudança na
perspectiva e nas reivindicações dos negros desde a época de Booker T.
Washington, mas nenhuma mudança fundamental em sua situação real. O crescimento
desta contradição está levando a uma nova explosão e uma nova mudança de
política e liderança. Na próxima etapa do seu desenvolvimento, o movimento
negro norte-americano se verá obrigado a orientar-se a uma política mais
combativa que a do gradualismo e buscar aliados mais confiáveis que os
políticos capitalistas do Norte, que estão vinculados com os
"dixiecratas" do Sul. Os negros, mais que ninguém neste país, têm
motivo – e direito – para ser revolucionários.
Um
partido operário honesto da nova geração reconhecerá este potencial
revolucionário da luta dos negros e proporá uma aliança combativa do povo negro
e o movimento operário em uma luta revolucionária comum contra o sistema social
existente.
As reformas e as concessões, muito mais
importantes e significativas que as obtidas até agora, serão subprodutos desta
aliança revolucionária. Em cada fase da luta se lutará a seu favor e elas serão
conseguidas. Porém o novo movimento não se deterá com reformas, não será satisfeito com
concessões. O movimento do povo negro e o movimento operário combativo,
unificados e coordenados por um partido revolucionário, resolverão a questão
dos negros da única maneira em que pode ser resolvida: mediante uma revolucão
social.
Os primeiros esforços do Partido Comunista
nesta questão, durante a geração passada, serão reconhecidas e assimiladas. Nem
sequer a experiência da traição stalinista será desperdiçada. A lembrança desta
traição será uma das razões porque os stalinistas não serão os dirigentes na
próxima vez.
Los Angeles
8 de maio de 1959
8 de maio de 1959
Notas dos tradutores:
(1) Eugene V.
Debs (1855-1926) foi dirigente de uma importante greve dos ferroviários e
depois do Partido Socialista dos Estados Unidos. Foi encarcerado por sua
oposição à Primeira Guerra Mundial. Embora tenha declarado sua simpatia pela
Revolução Bolchevique, não uniu-se ao Partido Comunista
(2) Victor Berger: um dirigente da ala direita
do Partido Socialista.
(3) Nos Estados
Unidos, a região do Sudeste que foi o coração da confederação escravocrata
durante a Guerra Civil (1860-65) é conhecida como o "Deep South".
(4) Booker T.
Washington (1856-1915) foi um dirigente negro que colocou a
"auto-melhoria" da população negra e se opôs às lutas diretas contra
a opressão.
(5) Angelo
Herndon foi um jovem comunista negro perseguido por um embuste da polícia em
Atlanta, Georgia em 1932 e acusado de "incitar à insurreição". Os
acusados de Scottsboro, Alabama foram oito jovens negros vítimas de um embuste
racista nos anos 30. Foram condenados à morte mas logo foram perdoados como
resultado da campanha em sua defesa.
(6) A Reconstrução (1865-77) foi o
período depois da derrota da Confederação escravocrata na Guerra Civil
norte-americana, quando, sob a proteção de tropas do Norte, foram concedidos
direitos de cidadania aos antigos escravos e se desmantelou uma parte do poder
dos latifundiários (antigos escravistas) do Sul. Em várias partes do Sul foram
eleitos governos locais compostos em grande parte de negros, junto com radicais
brancos do Norte. A Reconstrução foi traída pela burguesia do Norte no seu Compromisso
de 1877 com os políticos racistas do Sul; as tropas federais foram retiradas e
o terror racista esmagou os direitos básicos dos negros.
(7) A palavra-de-ordem da
autodeterminação dos negros na "faixa negra" formada por várias áreas
do Sul dos Estados Unidos foi promulgada pelo Sexto Congresso da Internacional Comunista (1928). Já então essa "faixa
negra" era semi-fictícia, devido à migração de grande parte da população
negra às cidades industriais do Norte e centro do país, Califórnia, e outras
áreas. Na realidade, o povo negro (que entre outras coisas não tinha um
território em comum) não era uma nação mas sim uma "casta de cor e
raça", integrada na economia capitalista mas segregada nos níveis
inferiores da mesma. A palavra-de-ordem da autodeterminação encontrou
resistência da maioria dos dirigentes negros do PC dos Estados Unidos. Porém, a
Comintern stalinizada insistiu e se começou a propagar a
palavra-de-ordem mais energicamente em 1930.
(8) Marcus
Garvey (1887-1940) dirigiu o movimento pelo "retorno à África". (retornar ao
texto)
(9) Os
abolicionistas foram os que agitaram a favor da abolição da escravidão nos
Estados Unidos antes da emancipação dos escravos em 1863, proclamada por
Abraham Lincoln durante a Guerra Civil.
(10) Com o
impulso das três greves gerais de 1934 (as de Minneapolis, dirigida pelos
trotskistas; Toledo, dirigida pelo American Workers Party, que pouco depois se
unificou com os trotskistas; e São Francisco, dirigida pelos stalinistas), em
1935 se formou uma nova agrupação sindical: o Congress of Industrial
Organizations (CIO – Congresso de Organizações Industriais). O CIO rompeu com a velha e conservadora confederação, a American
Federation of Labor (AFL – Federação Norte-Americana do Trabalho),
cujos sindicatos, organizados por profissões, geralmente haviam agrupado
somente os operários mais qualificados. Os novos sindicatos do CIO foram "industriais", quer dizer, baseados na
organização de todos os trabalhadores de uma indústria em um só sindicato. Em
1953 a AFL e o CIO se fundiram para formar a AFL-CIO, que na atualidade é a única confederação sindical nos
Estados Unidos
(11) Em 1955,
o movimento pelos direitos civis chegou à atenção nacional nos Estados Unidos
quando a população negra de Montgomery, Alabama, realizou, durante todo um ano,
um boicote dos ônibus municipais, que eram racialmente segregados.
(12) Em Little Rock, Arkansas, em
setembro de 1957, racistas brancos atacaram estudantes negros que, sob um
mandado judicial contra a segregação racial, freqüentaram pela primeira vez uma
escola secundária que anteriormente havia sido reservada para os brancos.
Quando a população negra mobilizou-se para defender-se, o presidente Eisenhower enviou tropas para ocupar a cidade e impedir este
esforço de auto-defesa dos negros.
(13)
"Separadas e desiguais": referência irönica à doutrina da primeira
metade do século XX de que os negros iam ser "separados" (quer dizer,
segregados) dos brancos, mas "iguais" aos mesmos. Esta doutrina havia
sido avalizada também por alguns "líderes" negros.
(14) Pregando a "união
anti-fascista" com o presidente Roosevelt na Segunda Guerra Mundial, o Partido Comunista
stalinizado se opôs raivosamente tanto às greves como aos protestos contra a
segregação racial. A Lei Smith contra a "subversão" foi usada para
encarcerar 18 trotskistas, entre eles Cannon e dirigentes do sindicato dos
caminhoneiros de Minneapolis, devido a sua oposição revolucionária à Segunda
Guerra Mundial imperialista. Logo, sob o macartismo, a mesma lei foi usada para
encarcerar muitos dirigentes do Partido Comunista.
http://www.marxists.org/portugues/cannon/1959/05/08.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário