sexta-feira, 3 de outubro de 2014

As mãos negativas, MARGUERITE DURAS



As mãos negativas
MARGUERITE DURAS



em tradução de Érica Zíngano e Marcela Vieira

Chamam-se “mãos negativas” as pinturas de mãos encontradas nas grutas magdalenienses da Europa Sul-Atlântica. O contorno dessas mãos – espalmadas sobre a pedra – era recoberto de cor. O mais frequente de azul, de preto. Às vezes, de vermelho. Nenhuma explicação foi encontrada para esta prática.

Diante do oceano
sob a falésia
sobre a parede de granito

essas mãos


abertas

Azuis
E pretas

Do azul da água
Do preto da noite

O homem veio sozinho na gruta
de frente para o oceano
Todas as mãos têm o mesmo tamanho
ele estava sozinho

O homem sozinho na gruta olhou
no barulho
no barulho do mar
a imensidão das coisas

E ele gritou

Tu que tens um nome e uma identidade eu
te amo

Essas mãos
do azul da água
do preto do céu

Planas

Colocadas divididas sobre o granito cinza

Para que alguém as visse

Eu sou aquele que chama
Eu sou aquele que chamava que gritava há trinta
mil anos

Eu te amo

Eu grito que eu quero te amar, eu te amo

Eu amarei quem quer que escute o meu grito

Sobre a terra vazia ficarão essas mãos sobre a parede de
granito de frente para o fragor do oceano

Insustentável

Ninguém escutará mais

Ninguém verá

Trinta mil anos
Estas mãos, pretas

A refração da luz sobre o mar faz tremer
a parede da pedra

Eu sou alguém eu sou aquele que chamava que
gritava nessa luz branca

O desejo

a palavra ainda não foi inventada

Ele olhou a imensidão das coisas no fragor
das ondas, a imensidão de sua força

e depois gritou

Acima dele as florestas da Europa,
sem fim

Ele se segurou no centro da pedra
dos corredores
das vias de pedra
de todas as partes

Tu que tens um nome e uma identidade eu
te amo com um amor indefinido

Seria necessário descer a falésia
vencer o medo
O vento sopra do continente ele empurra
o oceano
As ondas lutam contra o vento
Elas avançam
abrandadas por sua força
e pacientemente alcançam
a parede

Tudo se esmaga

Eu te amo mais longe do que tu
Eu amarei quem quer que escutará que eu grito que eu
te amo

Trinta mil anos

Eu chamo

Eu chamo aquele que me responder

Eu quero te amar eu te amo

Há trinta mil anos eu grito em frente ao mar o
espectro branco

Eu sou aquele que gritava que te amava, tu


(tradução de Érica Zíngano e Marcela Vieira)


http://revistamododeusar.blogspot.com.br/2012/02/marguerite-duras-1914-1996.html

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