A HORA E
VEZ DE ANTÔNIO MARIA
ELIAS RIBEIRO
PINTO
"Quando irei consertar minhas finanças?
Acho que nunca. Se morresse hoje não tinha como pagar nem um enterro de
terceira.”
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Quase cinquenta anos depois de sua morte, a Companhia das Letras lança esta
semana “O Homem ao Lado”, de Sérgio Porto, que ficou conhecido nacionalmente
pelo pseudônimo Stanislaw Ponte Preta. Nascido no Rio de Janeiro em 1923, ele
morreu na mesma cidade em 1968. Foi cronista, radialista, homem de teatro e TV,
compositor.
2
Publicadas em jornais como “Diário Carioca” e revistas como “Manchete”, as
crônicas reunidas neste livro – que conta com curadoria do jornalista Sérgio
Augusto e traz textos de Paulo Mendes Campos e Millôr Fernandes saudando o
autor – poderiam ter sido escritas hoje mesmo. Mas sobre este livro de Sérgio
Porto – e seu retorno às livrarias – comento mais adiante.
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Quem efetivamente completa 50 anos de morto neste outubro é outro saudoso
cronista. Antônio Maria Araújo de Morais nasceu no Recife em 17 de março de
1921 e morreu no Rio em 15 de outubro de 1964. Morreu cedo, aos 43 anos (Sérgio
Porto também morreu cedo, aos 45 anos), de infarto do miocárdio, e daqueles
fulminantes, às três horas da madrugada, na calçada de uma rua de Copacabana
(em frente ao Rond Point, seu restaurante de cabeceira), cena de centenas de
suas crônicas.
4
Uma de suas músicas de fossa, expressão da época, leva o título de “Madrugada 3
e 15”. Disse, ao voltar ao jornalismo depois de dois meses sem escrever,
boiando em depressões: “Com vocês, por mais incrível que pareça, Antônio Maria,
brasileiro, cansado, 43 anos, cardisplicente (isto é: homem que desdenha do
próprio coração). Profissão: Esperança”.
-Antonio Maria-
5
E desdenhava mesmo. Vivia numa maratona de madrugadas, farreando, até o
amanhecer, com Vinicius de Moraes ou Ivan Lessa, e ainda jogava pôquer, quase
todas as noites, com Moacyr Werneck de Castro, Millôr Fernandes, Danuza Leão
(que foi sua mulher), Samuel Wainer (dono da “Última Hora”, patrão de Maria e
ex de Danuza, que o largou para ficar com Maria) e outros.
6
Grande para cima e para os lados (em torno de 120 quilos), matava a fome,
nessas noites sem fim, com montanhas de feijão, que engolia gelado mesmo. “Hoje
dormi bem, das 8h da manhã às 4h da tarde. Não sonhei. Acordei faminto e comi
uma quantidade enorme de carne com feijão. Engordo. Tenho uma íntima e
incontrolável necessidade de ser gordo. Preciso perder no mínimo 30 quilos”,
relatou.
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A fome incontrolável convivia com os gastos excessivos. “Minhas dívidas começam
a inquietar-me. Hoje deveria ter pago, no mínimo, 50 mil cruzeiros. Não paguei
nenhum tostão sequer. Isto me dá uma depressão tremenda. Quando irei consertar
minhas finanças? Acho que nunca. Se morresse hoje não tinha como pagar nem um
enterro de terceira.”
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Além de cronista, foi, entre outras atividades (para fazer frente às despesas),
compositor de alguns clássicos da MPB. “Ninguém me Ama” é dele. Paulo Francis
(que prefaciou, junto com Vinicius, “O Jornal de Antônio Maria”, publicação
póstuma, de 1968), conta que, numa noite, quando um cantor chato, para
agradá-lo, começou a cantar o samba-canção, Maria saiu-se com esta: “Ninguém me
ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire”.
9
Antônio Maria já tem lugar garantido entre os clássicos da grande geração de cronistas
cariocas. Curiosamente, essa era uma gente quase toda “estrangeira”. Capixabas
eram Rubem Braga e José Carlos de Oliveira e, mineiros, Fernando Sabino e Paulo
Mendes Campos. Maria era pernambucano. Só Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte
Preta, era carioca da gema.
10
O cronista Paulo Mendes Campos vem sendo reeditado com as honras devidas. O
mesmo passa a ocorrer com Sérgio Porto (ambos pela Companhia das Letras, com
curadoria de Sérgio Augusto). Antônio Maria também está merecendo embalagem à
altura – de seu talento e corpanzil. Às vésperas do cinquentenário de sua
morte, até agora nada foi anunciado.
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