HISTÓRIAS DO TURI
JAMIL DAMOUS
HISTÓRIAS
DO TURI (1)
“A Burra Elética”
A palavra faiscava suas sílabas na boca de cada turiense. Soava nova, moderna, quase sensual: elétrica. Ou “elética”, como muitos diziam.
Já era quase década de 60 e só então chegava ao Turi a mais luminosa forma de progresso.
Já era quase noite, o sol quase se pondo do outro lado do rio, quando Zé Preá terminou os preparativos da parte que lhe cabia na festa.
Logo mais, quando o sol tivesse afundado de vez por detrás da ilha, quando a escuridão tivesse coberto a lama do apicum e os primeiros grilos viessem anunciar a hora da festa, o povo turiense veria pela primeira vez o milagre da luz.
O discurso pronto no bolso do prefeito Hermenegildo. Os salgadinhos, a cerveja gelando nas geladeiras a querosene.
Zé Preá vestiu sua melhor roupa e aprisionou os pés no mais negro dos sapatos. Caboclo parrudo, fiel cumpridor dos seus deveres, homem sério e respeitador, ele era o braço direito do Coronel Raimundo Estrela, autoridade maior da cidade.
- Mas que camisa elética, Zé Preá!
Ele escutou a gozação da garotada no banco da praça em frente à igreja, mas não deu bola. Rumou para a velha estrebaria onde os fogos de artifício estavam guardados. Era sua parte na festa. Responsável pelos fogos que deveriam estourar na hora exata em que o prefeito pronunciasse a última a palavra do discurso, o momento maior do ato inaugurador. As luzes já acesas, os fogos brilhariam no céu turiense para fazer ainda maior a luz que chegava.
O discurso já ia alto, cheio de ênclises e mesóclises, quando deram por falta do Zé. Já era para ele estar a postos, com os fogos. Alguém gesticulou disfarçada e desesperadamente para o professor esticar o discurso. Nos bastidores do palanque, organizou-se uma comissão emergencial para ir-se em busca de Zé Preá. Chiquinho Preto, Fidélis e Caroço foram incumbidos da missão e não demoraram muito a decidir-se. Começariam pela estrebaria.
Fidélis foi à frente com uma lanterna. Chiquinho e Caroço resmungavam atrás que não era possível que ele estivesse lá. Responsável como era, Zé Preá não era homem de falhar com seus compromissos. Alguma coisa séria devia ter acontecido com ele.
Ouviram ao longe o relincho da burra que era o xodó de Zé Preá. Estavam se aproximando da estrebaria. E no meio do silêncio, entre um relincho e outro, ecoou na boca da noite turiense, a voz de Zé Preá, trêmula de gozo e júbilo:
- Ai, ai, ai. Ui, ui, ui. Uiiii! Ai, minha burra elética!
Jamil
Damous é jornalista, escritor, compositor e poeta. Tem fortes ligações familiares
com Turiaçu, município do Maranhão e com Belém do Pará. Reside atualmente no
Rio de Janeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário