Rock Hudson e o compadrio
Luis Fernando Verissimo
O
Estado de São Paulo
26 Março 2015
Sou de uma geração que nunca se recuperou da
revelação de que o Rock Hudson era gay. Entende? Nada contra ser gay, declarado
ou disfarçado. Cada um use seu corpo e siga suas preferências sexuais como
quiser, ninguém tem nada com isso. Mas é que o Rock Hudson representava, na sua
época, um ideal de masculinidade inquestionável. Até o seu nome inventado –
Rock – transmitia uma ideia de macheza esculpida em pedra, para sempre. E, de
repente, descobrimos que até as coisas mais evidentes podem não ser o que
parecem. Se o Rock Hudson era gay, todas as nossas certezas estavam ameaçadas.
(Abro parênteses para sugerir que eu talvez seja uma das últimas pessoas do
mundo que sabem quem foi o Rock Hudson. Ator americano. Trabalhou em alguns
filmes com a atriz e cantora Doris Day, de quem o Groucho Marx disse, certa
vez, que a conhecera antes de ela ser virgem, outra desilusão.) Enfim, dizia eu
quando me interrompi tão rudemente, nunca mais acreditamos inquestionavelmente
em mais nada.
Com uma exceção. Entre as poucas certezas que
sobreviveram ao choque de saber que o Rock não era tão rock assim estava a da
inviolabilidade das contas numeradas na Suíça. Podia-se especular sobre quem
tinha ou não tinha conta numerada num banco suíço, mas jamais esperar que se
descobrisse quem. Agora ruiu mais este mito. Os nomes estão saindo nos jornais.
Temos o direito de nos sentirmos um pouco como aquele irmão Karamazov do
romance do Dostoievski que, no meio de uma bebedeira, proclama: “Se Deus não
existe, tudo é permitido!”. Anos mais tarde, o Nelson Rodrigues se apropriou da
frase e escreveu: “Se Vinicius de Moraes existe, tudo é permitido!”.
Podemos
propor uma terceira versão: se não se pode mais confiar nem na discrição
fiduciária dos suíços, nada é sagrado!
No Brasil, há mitos ruindo por todos os lados,
incluindo alguns que o PT criou sobre si mesmo. O mito neoliberal da competição
como tônico de um mercado livre a autorregulável só sobrevive porque seus
pregadores desdenham do óbvio. O que estamos vendo nessa meleca toda,
empreiteiras formando cartéis para participar de licitações combinadas e
comprando favores e contratos de corruptos com propinas milionárias, se não uma
espécie de apoteose feérica do capitalismo de compadres em ação? O compadrio
odeia a competição. Talvez, na próxima passeata, uma das faixas possa aludir a
isso.
http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,rock-hudson-e-o-compadrio,1658196
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