Revisitando
Pasolini
Kenneth Maxwell
Folha de São Paulo
Pier Paolo Pasolini, cineasta, poeta e escritor
italiano, foi assassinado em 2 de novembro de 1975. As circunstâncias de sua
morte continuam incertas. Giuseppe Pelosi, prostituto de 17 anos, foi preso,
acusado e confessou o homicídio.
O corpo de Pasolini foi encontrado com fraturas. Seus
testículos haviam sido esmagados. O cadáver foi parcialmente incinerado com
gasolina. O caso tinha muita semelhança com um homicídio por vingança ao estilo
da máfia.
Em 7 de maio de 2005, Pelosi retirou sua confissão, em
entrevista na TV. Ele disse que três pessoas haviam cometido o homicídio. Elas
gritavam insultos contra Pasolini, chamando-o de "bicha" e de
"comunista sujo".
Também surgiu a informação de que Pasolini estava
tentando recuperar rolos de filme roubados de "Saló ou os 120 Dias de
Sodoma", um trabalho cuja rodagem ele havia concluído pouco antes, baseado
no compêndio de excessos sexuais escrito pelo Marquês de Sade. Mas o juiz
concluiu que não havia provas suficientes para levar adiante o inquérito.
Pasolini havia sido comunista e apreciava a companhia
de homens mais jovens. O filme se passava na República de Saló, a porção da
Itália ocupada pelos fascistas em 1944-1945, e acompanhava quatro fascistas
ricos, corruptos e libertinos depois da queda de Mussolini.
Eles sequestravam meninos e meninas e, com a assistência
de quatro rapazes e quatro jovens soldados, selecionados pelo tamanho imenso de
seus pênis, e de quatro prostitutas, sujeitavam os cativos a abusos sexuais,
perversões e estupros.
Pasolini havia abandonado o comunismo no começo dos
anos 70 e era inimigo fervoroso do consumismo. Ele via essa última tendência
como "a forma última do fascismo". Denunciou os democratas cristãos
por sua sujeição aos interesses da máfia. Atacava o papel da televisão e previu
boa parte da corrupção que corroeria a democracia italiana na era Berlusconi.
Também se opôs aos estudantes radicais de 1968.
Vi "Saló" em 1975, em Lisboa, pouco depois
do lançamento e antes do assassinato de Pasolini. Era uma versão sem cortes e
censura (o filme foi proibido ou severamente censurado em muitos países).
Naquele período, o fervor revolucionário estava no ápice, em Portugal. O
"fascismo português" havia sido derrubado pouco tempo antes.
O cinema estava lotado de camponesas do Alentejo, a
área mais radical do Portugal rural, onde elas se haviam sublevado, expulsado
os proprietários de terras e tomado o controle dos grandes latifúndios. Jamais
esquecerei a reação delas ao filme de Pasolini. Não se chocaram em nada.
Aplaudiram. Riram. Amaram cada momento.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Kenneth
Maxwell
É historiador britânico graduado em Cambridge (Reino Unido) com
doutorado em Princeton (EUA). É referência na historiografia sobre o período
colonial brasileiro. Escreve às quintas.
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/kennethmaxwell/2015/04/1614147-revisitando-pasolini.shtml
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