Cubano Virgilio Piñera terá obra reeditada no Brasil
Dirce Waltrick do Amarante*
- Especial para o
Estado
Estadão - 28 Março
2015
A vida como sucessão de golpes terríveis é tema
central do livro
A lista de escritores e artistas cubanos
reconhecidos internacionalmente por seus trabalhos é grande e vai desde
escritores como José Lezama Lima, Guillermo Cabrera Infante, Severo Sarduy,
etc., até performers ousadas como Ana Mendieta e Tania Bruguera. Com a retomada
das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, imagina-se que outros
artistas de grande importância, mas que foram de certa forma obscurecidos pelo
regime castrista, virão à tona.
Esse, parece-me, será o caso do romancista,
dramaturgo e poeta Virgilio Piñera (1912 -1979), um dos escritores mais
originais de Cuba, segundo a crítica, que teria se antecipado, no teatro, ao
absurdo de Eugène Ionesco e de Samuel Beckett e, na visão de mundo, ao
existencialismo de Jean-Paul Sartre.
A propósito de sua possível ligação com essas
correntes europeias, Piñera afirmava não se considerar de todo existencialista
nem absurdista: “Digo isso porque escrevi Electra (Electra
Garrigó) antes que As Moscas, de Sartre, aparecesse em livro, e
escrevi Alarme Falso antes que Ionesco publicasse e encenasse a sua
A Cantora Careca”. Segundo o escritor cubano, todas essas tendências
literárias estavam no ar. “Mesmo que eu vivesse em uma ilha desligada do
continente cultural, ainda assim era filho de minha época, a quem os problemas
da tal época não podiam passar despercebidos”. Além disso, para ele, Cuba,
antes da revolução, era “existencialista por falta e absurda por excesso”. E
lembra de uma anedota: “Ionesco estava se aproximando das costas cubanas e, só
de vê-las, disse: Aqui, não tenho nada que fazer, esta gente é mais absurda que
o meu teatro ”.
O autor.
"Meu medo é meu próprio ser e nenhum golpe de sorte adversa poderia
derrubá-lo."
Nesse sentindo, Piñera podia até se considerar um
existencialista e um absurdista, “mas à moda cubana”, como frisava.
Virgilio Piñera foi um apoiador do processo
revolucionário cubano, tendo, inclusive, trabalhado no jornal Revolución.
Em 1961, contudo, alguns acontecimentos abalaram sua fé no novo governo do
país, sob o comando de Fidel Castro. Nesse ano, o escritor foi detido por
motivos “político-moralizantes” e nunca soube exatamente o porquê dessa
detenção nem quem a decretou. Um outro fato político dessa época, segundo o
estudioso Luis F. González-Cruz, “não só determinou seu futuro, como também o
de todos os escritores cubanos. Em suas conhecidas Palavras aos Intelectuais,
Castro advertiu aos escritores e artistas: ‘Dentro da Revolução, tudo; contra a
Revolução, nada’”. E com essas palavras alijava toda literatura que
supostamente se voltasse contra as ideias da Revolução. Depois da fala de
Castro e de um silêncio geral, conta-se que Piñera teria se levantado e dito:
“Eu tenho medo. Tenho muito medo”.
A partir de 1967, o escritor teve muitas obras
censuradas e nos anos seguintes não voltou mais a publicar. Morreu extremamente
pobre em 1979.
Piñera dizia que para ele a literatura servia de
escudo contra o medo, medo de “perder a vida, o emprego, o ente querido ou a
sorte, se a tiver”. “Meu medo é meu próprio ser e nenhuma revolução, nenhum
golpe de sorte adversa poderia derrubá-lo”.
O tema central de sua obra, bastante coerente, é o
da vida encarada com uma sucessão de golpes terríveis, que levam o ser humano a
uma existência de miséria e de dor. Convém lembrar que o humor negro está quase
sempre presente em seus escritos e cria certo distanciamento próprio dos textos
absurdos.
Apesar de ter sido admirado e lido por grandes
escritores como, por exemplo, o argentino Jorge Luis Borges, depois da
revolução Piñera sofreu com o isolamento de Cuba e com a hostilização do regime
castrista. O escritor passou os últimos anos no ostracismo, e com um medo a
mais, o de estar sendo vigiado 24 horas por dia pelo governo.
O resgate póstumo de sua obra tem sido lento e
trabalhoso. Há que se lembrar ainda que parte de seus escritos inéditos teve
destino incerto. Logo após a sua morte, autoridades cubanas entraram no seu
apartamento e especula-se que textos possam ter sido apreendidos e jamais
publicados.
No Brasil, a Editora Iluminuras publicou, em 1989,
um dos seus livros mais importantes, Contos Frios, e agora prepara uma
reedição dessa obra.
*DIRCE WALTRICK DO AMARANTE É PROFESSORA DO CURSO
DE ARTES CÊNICAS DA UFSC. AUTORA, ENTRE OUTROS, DE CENAS DO TEATRO MODERNO E CONTEMPORÂNEO (ILUMINURAS, 2015)
http://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,cubano-virgilio-pinera-tera-obra-reeditada-no-brasil,1659395
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