A CABANA - WILLIAM P. YOUNG
com a colaboração de Wayne
Jacobsen e Brad Cummings
A
cabana / William P.
Young [tradução de Alves Calado].
– Rio de Janeiro: Sextante, 2008.
Prefácio
Quem não duvidaria
ao ouvir um homem afirmar que passou um fim de semana inteiro com Deus e, ainda
mais, em uma cabana?
Principalmente naquela
cabana.
Conheço Mack há
pouco mais de 20 anos, desde o dia em que nós dois fomos à casa de um vizinho
para ajudá-lo a embalar feno para suas poucas vacas. A partir de então a gente
se encontra compartilhando um café – ou, para mim, um chá tailandês
superquente, com soja. Nossas conversas nos dão um prazer profundo e são sempre
salpicadas de muito riso e de vez em quando de uma ou duas lágrimas.
Francamente, quanto mais velhos ficamos, mais a gente se dá bem, se é que você me
entende.
O nome completo dele é Mackenzie Allen Phillips,
mas a maioria das pessoas o chama de Allen. É uma tradição de família: todos os
homens têm o primeiro nome igual, mas são conhecidos pelo nome do meio, provavelmente
para evitar a ostentação do I, II e III ou Júnior e Sênior.
Assim, ele, o avô, o pai e agora o filho mais velho têm o nome
de Mackenzie, mas só Nan, a mulher dele, e os amigos íntimos o chamam de Mack.
Ele nasceu em uma fazenda do Meio-Oeste, numa família
irlandesaamericana de mãos calejadas e regras rigorosas. Ainda que
aparentemente religioso e exageradamente rígido, seu pai bebia muito, sobretudo
quando a chuva não vinha ou quando vinha cedo demais, e quase sempre entre uma
coisa e outra. Mack nunca fala muito sobre o pai, mas quando o menciona a
emoção abandona seu rosto, como se fosse uma maré vazante, deixando seus olhos
sombrios e sem vida. Pelo pouco que Mack me contou, sei que seu pai não era o
tipo de alcoólatra que cai num sono rápido e feliz, e sim um bêbado perverso
que batia na mulher e depois pedia perdão a Deus.
A coisa chegou a tal ponto que, aos 13 anos e com certa
relutância, Mack abriu o coração para um líder da igreja durante um encontro de
jovens. Dominado pelo clima do momento,Mack confessou chorando que nunca fizera
nada para ajudar a mãe nas várias vezes em que testemunhara o pai bêbado lhe
dar uma surra até deixá-la inconsciente. O que Mack não pensou foi que seu
confessor freqüentava a mesma igreja que seu pai. Quando chegou em casa, o pai
o esperava na varanda e a mãe e as irmãs não estavam.Mais tarde,Mack ficou
sabendo que elas tinham sido mandadas à casa da tia May para que o pai pudesse
ter liberdade para dar ao filho rebelde uma lição inesquecível.Durante quase dois
dias, amarrado ao grande carvalho nos fundos da casa, ele foi castigado com um
cinto e com versículos da Bíblia todas as vezes que o pai acordava de sua
bebedeira e largava a garrafa.
Duas semanas depois, quando enfim conseguiu ficar em pé, Mack simplesmente
se levantou e foi embora de casa. Mas antes de partir colocou veneno de rato em
cada garrafa de bebida que conseguiu encontrar na fazenda. Depois desenterrou
de perto da latrina externa a pequena lata onde guardava todos os seus tesouros:
uma foto da família em que o pai estava meio afastado, uma figurinha de
beisebol do Luke Easter de 1950, uma garrafinha com mais ou menos 30ml de Ma
Griffe (o único perfume que sua mãe havia usado), um carretel de linha e duas
agulhas, um pequeno jato F-86 da Força Aérea americana em metal fundido e todas
as economias de sua vida: 15 dólares e 13 centavos.
Esgueirou-se pela sala e enfiou um bilhete debaixo do
travesseiro da mãe, enquanto o pai roncava, curtindo mais um porre. O bilhete dizia
simplesmente: “Um dia espero que você possa me perdoar.” Jurou que nunca mais
olharia para trás e não olhou – durante um longo tempo.
Treze anos é muito pouco, porém Mack não tinha muitas opções e
se adaptou rapidamente. Ele não fala muito sobre os anos seguintes. A maior
parte foi passada fora do país, trabalhando pelo mundo, mandando dinheiro para
os avós, que o repassavam à mãe. Acho que num desses países distantes chegou a
pegar em armas e participar de algum conflito terrível; desde que o conheço,
ele odeia a guerra com um fervor sinistro. Seja lá o que for que tenha
acontecido, aos 20 e poucos anos foi parar num seminário na Austrália. Quando
Mack se fartou de teologia e filosofia, retornou aos Estados Unidos, fez as
pazes com a mãe e as irmãs e se mudou para o Oregon, onde conheceu Nannete A. Samuelson
e se casou com ela.
Neste mundo de faladores, Mack é pensador e fazedor. Não diz muita
coisa, a não ser que alguém pergunte, o que pouca gente faz.
Quando fala, dá a impressão de ser uma espécie de alienígena
que vê a paisagem das idéias e experiências humanas de modo diferente de todas
as outras pessoas.
O que acontece é que as coisas que ele diz causam um certo
desconforto
em um mundo onde a maioria das pessoas prefere escutar o que
está acostumada a ouvir, o que freqüentemente não é grande
coisa. Os
que o conhecem geralmente gostam muito de Mack, desde que ele
mantenha guardados seus pensamentos. Porque as coisas que Mack
diz nem sempre deixam as pessoas muito satisfeitas com elas mesmas.
Uma vez Mack me contou que quando era jovem costumava se abrir
com mais liberdade, mas admitiu que a maior parte dessas conversas era um
mecanismo de sobrevivência para encobrir suas feridas.
Freqüentemente acabava derramando a dor sobre quem estivesse
por perto. Disse que tinha prazer em apontar as falhas das pessoas e
humilhá-las para manter seu sentimento de falso poder e controle. Nada muito
elogiável.
Enquanto escrevo estas palavras, reflito sobre o Mack que
sempre conheci: um sujeito bastante comum e certamente sem nada de especial, a
não ser para os que o conhecem de verdade. Vai fazer 56 anos e não chama a
atenção, está ligeiramente acima do peso, é meio careca, baixo e branco – uma
descrição que serve para muitos homens dessas redondezas. Você provavelmente
não o notaria numa multidão nem se sentiria incomodado sentado ao seu lado
enquanto ele cochila no trem que o leva à cidade para a reunião semanal de
vendas. Faz a maior parte de seu trabalho num pequeno escritório em sua casa na
Wildcat Road.Vende alguma engenhoca de alta tecnologia que eu não pretendo entender:
trecos eletrônicos que de algum modo fazem tudo andar mais depressa, como se a
vida já não fosse rápida demais.
Você só percebe como Mack é inteligente quando, por acaso,
escuta um diálogo dele com um especialista. Já vivi algumas situações dessas quando
a língua falada mal parecia com a nossa e eu me via lutando para captar os
conceitos que jorravam como um rio de jóias despencando de uma cachoeira. Ele
consegue falar com inteligência sobre quase tudo e, apesar da força de suas
convicções, Mack tem um modo gentil e respeitoso que deixa você manter as suas.
Seus assuntos prediletos são Deus, a Criação e por que as
pessoas acreditam em determinadas coisas. Seus olhos se iluminam e seu sorriso repuxa
os cantos dos lábios para cima. De repente, como se fosse um garotinho, o
cansaço se dissolve e ele rejuvenesce, praticamente incapaz de se conter. Mas,
ao mesmo tempo, Mack não é muito religioso.
Parece ter uma relação de amor e ódio com a religião e talvez
até com Deus, que ele imagina como um ser mal-humorado, distante e altivo.
Pequenas gotas de sarcasmo escorrem às vezes pelas rachaduras de seu
reservatório, como dardos cortantes cheios de veneno. Embora algumas vezes nós
dois vamos juntos à mesma igreja, dá para ver que ele não se sente muito à
vontade lá. Mack está casado com Nan há pouco mais de 33 anos – na maior parte
do tempo, eles são felizes. Diz que ela salvou sua vida e pagou um preço alto
por isso. Por algum motivo que não dá para compreender, Nan parece amá-lo agora
mais do que nunca, apesar de eu ter a sensação de que ele a magoou de algum
modo terrível nos primeiros anos.
Acho que, assim como a maior parte das nossas feridas tem
origem em nossos relacionamentos, o mesmo acontece com as curas, e sei que quem
olha de fora não percebe essa bênção.
De qualquer modo, Mack se casou. Nan é a argamassa que mantém juntos
os ladrilhos de sua família. Enquanto Mack lutou num mundo com muitos tons de
cinza, o dela é principalmente preto e branco.
O bom senso é tão natural para Nan que ela nem consegue
perceber o dom que isso representa. Ter uma família a impediu de realizar seu sonho
de ser médica, mas ela se destacou como enfermeira e obteve um reconhecimento
considerável em seu trabalho com pacientes terminais com câncer. Enquanto o
relacionamento de Mack com Deus é amplo, o de Nan é profundo.
Esse casal contraditório teve cinco filhos de beleza incomum.
Mack gosta de dizer que todos pegaram a beleza dele, “... porque Nan ainda conserva
a dela”. Dois dos três meninos já saíram de casa: Jon, casado há pouco,
trabalha como vendedor de uma empresa local, e Tyler, recém-formado na
faculdade, está fazendo mestrado. Josh e uma das duas garotas, Katherine
(Kate), cursaram a escola comunitária local. E a que chegou por último é
Melissa – ou Missy, como gostávamos de chamá-la. Ela... bem, você vai conhecer
melhor alguns dos filhos de Mack ao longo deste livro.
Os últimos anos foram... como é que posso dizer... notavelmente
peculiares. Mack mudou: agora está ainda mais diferente e especial.
Durante todos os nossos anos de convívio ele sempre foi
bastante gentil e amável, mas desde a estada no hospital há três anos ficou...
bem, melhor ainda. Tornou-se uma daquelas raras pessoas que estão totalmente à
vontade dentro da própria pele. E eu também me sinto mais à vontade perto dele
do que de qualquer outra pessoa. Cada vez que nos separamos, tenho a sensação
de ter tido a melhor conversa da minha vida, mesmo que eu tenha falado mais. E,
a respeito de Deus,Mack não é mais simplesmente amplo. Ficou muito profundo.
Mas o mergulho custou caro. Os dias de hoje são muito diferentes de há sete ou
oito anos, quando a Grande Tristeza entrou em sua vida e ele quase parou de falar.Mais ou menos
nessa época, e por quase dois anos, nossos encontros foram interrompidos, como
se por um acordo mútuo não verbalizado. Eu só via Mack de vez em quando na
mercearia ou, mais raramente ainda, na igreja. E, embora em geral trocássemos
um abraço educado, não falávamos de muita coisa importante. Para ele era até
difícil me encarar. Talvez não quisesse entrar numa conversa capaz de arrancar
a casca de seu coração ferido.
Porém tudo isso mudou depois de um acidente feio com... Mas lá vou
eu outra vez botando o carro na frente dos bois.Vamos chegar lá no devido tempo.
Basta dizer que estes últimos anos parecem ter devolvido a vida de Mack e
tirado o fardo da Grande Tristeza. O que aconteceu há três anos mudou totalmente a melodia de
sua vida e é uma canção que mal posso esperar para tocar.
Apesar de se comunicar bastante bem verbalmente,Mack não se
sente seguro sobre sua capacidade de escrever – algo que ele sabe que me apaixona.
Por isso, perguntou se eu escreveria esta história, a história dele “para as
crianças e para a Nan”. Queria uma narrativa que o ajudasse a expressar para
eles a profundidade de seu amor e que os ajudasse a entender o que havia se
passado em seu mundo interior.
Você conhece o lugar: é onde você está sozinho – e talvez com
Deus, se acredita Nele. É claro que Deus pode estar lá, mesmo que você não acredite. Isso seria bem o jeito de Deus.
Não é à toa que ele é chamado de O Grande Intrometido.
A história que você vai ler é resultado de uma luta minha e do
Mack para, durante muitos meses, colocar em palavras o que ele viveu. Tem um
lado um pouco... digamos,muito fantástico. Não vou julgar se algumas partes são verdadeiras ou
não. Prefiro dizer que,mesmo que algumas coisas não possam ser cientificamente
provadas, talvez sejam verdadeiras. Mas preciso afirmar honestamente que fazer
parte desta história me afetou de modo profundo, desvendando detalhes meus que
eu desconhecia.
Confesso que desejo desesperadamente que tudo o que Mack me
contou seja verdade. Na maioria das vezes eu me sinto próximo dele, mas em
outras – quando o mundo visível de concreto e computadores parece ser o real – perco o contato e tenho dúvidas.
Algumas observações finais.Mack gostaria que eu lhe
transmitisse o seguinte recado: “Se você odiar esta história, desculpe, ela não
foi escrita para você.” Mas eu quero acrescentar: afinal, talvez tenha sido. O
que você vai ler é o máximo que Mack consegue recordar daquilo que aconteceu.
Esta é a história dele, não a minha. Por isso, nas poucas vezes em que apareço, vou
me referir a mim mesmo na terceira pessoa – e do ponto de vista de Mack.
Às vezes a memória pode ser uma companheira enganosa, em
especial com relação ao acidente, e eu não ficarei surpreso se, apesar de nosso
esforço conjunto para contar a história com exatidão, alguns fatos e lembranças
aparecerem distorcidos nestas páginas. Não é intencional.
Garanto que as conversas e eventos foram registrados do modo
mais fiel possível, de acordo com as lembranças de Mack. Portanto, por favor,
tente não se aborrecer com ele. Como você verá, essas coisas não são fáceis de
contar.
– WILLIE
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