CURITIBA, SÃO LUÍS, BELÉM E O INFERNO DE DANTE
Elias Ribeiro Pinto
Retornei a Belém mais pessimista do
que saí – no que diz respeito ao nosso descompasso em relação a cidades às
quais podemos nos equiparar
DIÁRIO DO PARA, 14/5/2014
1
Recentemente andei por Curitiba e São Luís. E delas retornei revendo Belém de
ângulos não muito favoráveis. A comparação é inevitável. A primeira é exemplo,
já há um bom tempo, de cidade progressista, dotada de um sistema de transporte
modelar. No entanto, hospedado no centro da capital paranaense (viajei, em
março, a convite da organização do tradicional Festival de Teatro de Curitiba,
um dos melhores do país), a minha primeira impressão não foi das mais satisfatórias.
2
Não pela organização do trânsito – pelo contrário. No trajeto de chegada do
aeroporto até o hotel fui surpreendido pela presença, em esquinas sucessivas,
de guardas de trânsito, que cumpriam a mais elementar de suas funções –
orientavam o tráfego, os motoristas. E o transporte público, se já não
apresenta a eficiência de anos anteriores, pareceu-me funcionar a contento,
inclusive com ônibus elétricos, relegando a versão perebenta do nosso BRT à
quadratura da jumentice – com o devido respeito aos bons serviços prestados
pelo jumento.
3
O que me chamou a atenção em Curitiba foi uma certa indigência arquitetônica de
seu centro, incluindo o patrimônio histórico. Não há uma identidade que a
caracterize, a singularize – suas ruas e avenidas e o conjunto de prédios
poderiam ser os de uma cidade de grande porte do interior paulista.
4
Pensar que em Belém dispomos de um conjunto arquitetônico tão marcante e belo
quanto maltratado, deteriorado. Isso a partir do que nos restou, descartando o
que foi consumido pela idiotice do avanço imobiliário movida pela ambição
desmedida, não raro acobertada pela cumplicidade administrativa dos governos.
Ainda assim, temos um conjunto arquitetônico histórico que lega a Belém uma
identidade capaz de ressaltá-la entre as demais cidades brasileiras.
5
Mas aqui, na totalidade desse legado de prédios seculares, somos suplantados
por São Luís, de onde regressei na segunda-feira. Na capital maranhense, ao
visitante se abre a possibilidade de bater perna pelas ruelas e ladeiras estreitas
que se enxameiam à beira dos sobradões coloniais com fachadas de azulejos
portugueses e franceses e sacadas de ferro. Esse casario antigo, se também
carece de cuidados, reformas, tem a seu favor o fato de vários deles serem
benfazejamente ocupados por instituições do estado, do município, estimulando
suas visitações ao léu, ao sabor das andanças. Em Belém, o turista não caminha
pelo centro histórico, como em São Luís; restringe-se a visitas a alguns
núcleos turísticos, como o que emoldura a praça Frei Caetano Brandão.
6
Em Curitiba, se o centro não me fez boa figura, os parques distribuídos pela
cidade encantam pela amplidão, pela arborização, convite irresistível a
passeios, caminhadas, exercícios. Já nos bairros chiques da cidade, localizados
em seus topos, a imponência das residências (e algumas não abdicam de uma
singeleza doméstica acolhedora) não deixa de surpreender, revelando-nos que
estamos na capital de um estado que detém alguns dos melhores índices de
qualidade de vida do país.
7
Essa vitalidade econômica pode também ser observada nos bairros que seguem em
direção às praias de São Luís, como Renascença, Ponta D’Areia, Calhau, Araçagy.
Ao longo, vimos prédios residenciais novos, arrojados, condomínios de belas
casas. Mas em nenhum momento, pelo contraste verificado, deixamos de perceber
que estamos na capital de um estado que detém alguns dos piores índices de
qualidade de vida do país. A visão (pairando como uma sombra inquietante) de 25
(contei) navios de grande calado, ao largo da praia do Calhau, aguardando a
hora de embarcar, no porto da Ponta da Madeira, em São Luís, o melhor minério
de ferro do planeta extraído da mina de Carajás, no Pará, certamente traduz
essa vitalidade econômica ludovicense. E, por contraste, a pobreza (incluindo a
nossa, paraense). Mais adiante, comentarei, comparando, outros aspectos dessas
visitas.
8
Posso antecipar que retornei a Belém mais pessimista do que saí – no que diz
respeito ao nosso descompasso em relação a cidades às quais podemos nos
equiparar –, mas sem perder, apesar da realidade, a esperança em dias melhores,
esperança que teimo em não perder, ao contrário do recomendado a Virgílio ao
ultrapassar os umbrais do inferno dantesco.
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