Menor Perverso, Olavo Bilac
Crônica publicada
no jornal Gazeta de Notícias.*
É este o título, com que aparece em todos
os jornais a notícia de um caso triste, - uma criança de três anos assassinada
por outra de dez, em condições que ainda não foram bem tiradas a limpo. Diz-se
que o "menor perverso" ensopou em espírito de vinho as roupas da
vítima e ateou-lhes fogo. Propositalmente? parece impossível... Mas nada é
impossível na vida.
O fato é que, consumado o seu ato de
perversidade (ou de imprudência?) o pequeno fugiu, e andou vagando pelas ruas,
até que, já tarde, exausto, banhado em lágrimas, foi encontrado na praça da
República e conduzido para uma delegacia policial. E os jornais, terminando a
narração do caso triste, pedem quase todos, em quase unânime acordo de idéia e
de expressão, que "se castigue esse precoce facínora, cujos instintos
precisam ser refreados".
Que se castigue, como? Metendo-o na
Correção? mandando-o para o Acre? fuzilando-o?
A ocasião é oportuna para mais uma
vez se verificar quanto estamos mal aparelhados para atender às múltiplas
necessidades da assistência social. Um criminoso de dez anos não é
positivamente um criminoso... Se é verdade que esse menino conscientemente
praticou a maldade de que é acusado, o nosso dever não é castigá-lo: é salvá-lo
de si mesmo, dos seus maus instintos, das suas tendências para o exercício do
mal. Como? naturalmente, dando-lhe uma educação especial, uma certa disciplina
de espírito. Mas onde? É aqui que surge a dificuldade, e é aqui que somos
forçados a reconhecer que, se estamos muito adiantados em matéria de
politicagem e parolagem, ainda estamos atrasadíssimos em matéria de verdadeira
civilização...
Já sei que há por aí uma Escola
Correcional. Mas, ainda há pouco tempo, o que se soube da vida íntima dessa
escola serviu apenas para mostrar que, lá dentro, os pequenos maus, pelo vício
da organização do estabelecimento, estão arriscados a ficar cada vez piores.
Tudo quanto se refere à assistência pública ainda está por fazer no Brasil:
asilos, escolas correcionais, penitenciárias, presídios, não têm fiscalização
efetiva. Só pensamos nessas casas de beneficência ou de correção, quando um
escândalo, dos que há dentro delas, faz explosão cá fora, comovendo-nos ou
indignando-nos. Então, há uma grita convulsa, um grande espalhafato, um grande
dispêndio de artigos pelas folhas e de atividade pela polícia; mas, logo
depois, tudo volta ao mesmo estado... à espera de novo escândalo.
Tive muita pena da pobre criança de
três anos, morta no meio de horríveis torturas. Mas tenho também muita pena
dessa outra criança, que uma brincadeira funesta (ou uma inconsciente moléstia
moral, perfeitamente curável) levou à prática de um ato tão cruel. Nesse
pequeno infeliz, que os jornais consideram um grande criminoso, há um homem que
se vai perder, por nossa culpa, - porque não lhe podemos dar o tratamento que a
sua enfermidade requer...
Olavo Bilac
Biografia
Olavo Braz
Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918) é dos fundadores da Academia Brasileira
de Letras e o autor de nosso Hino à Bandeira. Foi jornalista e poeta. Fundou
diversos jornais que duraram pouco tempo. Sempre esteve muito envolvido com
política, chegando a ser perseguido e preso. É um dos principais representantes
do Parnasianismo brasileiro, merecendo destaque poesias como Via-Láctea, Profissão de Fé e O caçador de esmeraldas.
Bilac
escreveu, também, diversas crônicas. Precisou, entretanto, simplificar bastante
a linguagem rebuscada que costumava usar em seus poemas e textos em prosa. Essa
maleabilidade de Bilac é um bom exemplo da adaptação que os escritores tinham
(e ainda têm) de fazer na hora de escrever crônicas a fim de tornar o texto
mais descontraído e simples.
Texto extraído do livro:
Obra reunida. Olavo Bilac. Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1997. p. 737-738.
* No início do livro Ironia e piedade, que
integra Obra reunida, Olavo Bilac escreve:
"Quase todas estas páginas foram publicadas na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro. (...)" (Obra reunida, p. 715)
"Quase todas estas páginas foram publicadas na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro. (...)" (Obra reunida, p. 715)
www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/index.htm
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