Uma imagem
de prazer
Clarice
Lispector
Conheço em mim uma imagem muito boa, e
cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a
visão de uma floresta, e na floresta vejo a clareira verde, meio escura,
rodeada de alturas, e no meio desse bom escuro estão muitas borboletas, um leão
amarelo sentado, e eu sentada no chão tricotando. As horas passam como muitos
anos, e os anos se passam realmente, as borboletas cheias de grandes asas e o
leão amarelo com manchas - mas as manchas são apenas para que se veja que ele é
amarelo, pelas manchas se vê como ele seria se não fosse amarelo. O bom dessa
imagem é a penumbra, que não exige mais do que a capacidade de meus olhos e não
ultrapassa minha visão. E ali estou eu, com borboleta, com leão. Minha clareira
tem uns minérios, que são as cores. Só existe uma ameaça: é saber com apreensão
que fora dali estou perdida, porque nem sequer será floresta (a floresta eu
conheço de antemão, por amor), será um campo vazio (e este eu conheço de
antemão através do medo) - tão vazio que tanto me fará ir para um lado como
para outro, um descampado tão sem tampa e sem cor de chão que nele eu nem
sequer encontraria um bicho para mim. Ponho apreensão de lado, suspiro para me
refazer e fico toda gostando de minha intimidade com o leão e as borboletas;
nenhum de nós pensa, a gente só gosta. Também eu não sou em preto e branco; sem
que eu me veja, sei que para eles eu sou colorida, embora sem ultrapassar a
capacidade de visão deles (nós não somos inquietantes). Sou com manchas azuis e
verdes só para estas mostrarem que não sou azul nem verde - olha só o que eu
não sou. A penumbra é de um verde escuro e úmido, eu sei que já disse isso mas
repito por gosto de felicidade; quero a mesma coisa de novo e de novo. De modo
que, como eu ia sentindo e dizendo, lá estamos. E estamos muito bem. Para falar
a verdade, nunca estive tão bem. Por quê? Não quero saber por quê. Cada um de
nós está no seu lugar, eu me submeto bem ao meu lugar. Vou até repetir um pouco
mais porque está ficando cada vez melhor: o leão amarelo e as borboletas
caladas, eu sentada no chão tricotando, e nós assim cheios de gosto pela
clareira verde. Nós somos contentes.
Clarice
Lispector
Biografia
Clarice Lispector
(1920-1977), nasceu na Ucrânia e chegou ao Brasil com seus pais em 1921.
Trabalhou como colunista, redatora e cronista de jornais.
Publicou grandes obras como: Perto do Coração Selvagem, O Lustre e Laços de Família.
No final dos anos 60 Clarice passou a escrever crônicas para O Jornal do Brasil.
Trabalhou como colunista, redatora e cronista de jornais.
Publicou grandes obras como: Perto do Coração Selvagem, O Lustre e Laços de Família.
No final dos anos 60 Clarice passou a escrever crônicas para O Jornal do Brasil.
Texto extraído do
livro:
Para não esquecer. Clarice Lispector. Editora Rocco. Rio de Janeiro. 1999. p. 36 - 37.
Para não esquecer. Clarice Lispector. Editora Rocco. Rio de Janeiro. 1999. p. 36 - 37.
www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/index.htm
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