OS COELHOS ALARANJADOS DE RAJNEESH
ELIAS RIBEIRO PINTO
"Os rajneeshes (como também eram chamados os
seguidores do Bhagwan) se multiplicavam feito coelhos alaranjados à minha
volta, como naquele filme, 'Os Invasores de Corpos'."
1 Passei
o domingo de Carnaval em Mosqueiro, ou melhor, no Paraíso, que é mas não é
Mosqueiro, se é que vocês me entendem – mas prefiro que não me entendam. Lá na
barraca do companheiro Paulo, no Porto do Fogo, assistíamos à passagem, quase
bucólica (lá ainda se respira um clima bucólico), dos bloquinhos carnavalescos.
Foi quando um amigo, do nada (talvez inspirado pelas fantasias carnavalescas),
lembrou o tempo em que os seguidores de Rajneesh alaranjaram a universidade.
2 Não
lembro exatamente o ano dessa conversão em massa, mas foi ali pelo início da
década de 1980. De um dia para o outro, a beira do rio no campus do Guamá, da
UFPA, começou a se tingir em tons de vermelho. Não, ainda não era a onda
petista. Também não estou me referindo à “lupa”, aos olhos dos frequentadores
da beira famosa pela aura anos 60 e pela densa e constante nuvem que esses
habitués sopravam sobre as cabeças. Refiro-me à uniformização dos trajes de
parte da trupe que adorava contemplar o pôr do sol.
3 Sim,
era ali pelo início da década de 80. Além das roupas, que iam do rosa ao
vermelho vivo, passando pelo laranja, num ton sur ton místico, os neoconversos
carregavam uma espécie de medalhão. E mais: diziam que o nome pelo qual eram
conhecidos até a véspera, e que carregavam desde o batismo, já não valia. Agora
se chamavam Puva, Veettrag, Rohit, Anand, Krishna Deva, Satori ou coisa
parecida, e não mais Cláudio, Vanderlei, Elaine e Carmen. Eram os sanyases.
4 Mas a
quem ou o quê cultuavam? A resposta estava dentro do medalhão, ou mala, segundo
o patoá da seita. O mala trazia a foto de um homem de turbante, barbudo, com um
sorriso típico dos charlatões religiosos. Seu nome: Bhagwan Shree (que
significa “Senhor Deus” em sânscrito) Rajneesh.
5 Os
rajneeshes (como também eram chamados os seguidores do Bhagwan) se
multiplicavam feito coelhos alaranjados à minha volta, como naquele filme, Os
Invasores de Corpos. A cada dia um amigo se convertia ao éden transcendental
pregado pelo guru indiano. Eu, que em nenhum momento cedi sequer à Santíssima
Trindade, não iria me submeter ao exército da laranja mística, que parecia
mesmo ter um pé na caserna, ou comunidade, como eles definiam seus
ajuntamentos.
6 Bem a
propósito, em 1981, o Bhagwan pagou (em valores, lógico, da época) 5,75 milhões
de dólares por um remoto rancho de 64 mil acres, situado no condado de Wasco,
no Oregon, Estados Unidos. O plano era construir um “campo de Buda”, uma
comunidade agrícola na qual pudessem celebrar a crença na beleza, no amor e no
sexo sem culpa pregado por seu “mestre iluminado”. Os críticos diziam que fora
o sexo, e não a meditação, que atraíra milhares de seguidores, muitos dos quais
ocidentais abastados, primeiro a Poona, na Índia, a origem da comunidade, e
depois ao Oregon.
7 O grupo
saíra de Poona debaixo de uma crescente pressão suscitada por relatórios onde
se afirmava que o dinheiro dos seus dirigentes não provinha apenas dos
seguidores, mas também do tráfico de drogas e outras atividades ilícitas.
Sempre suspeitei que aquilo tudo não passava de uma picaretagem, que se
aproveitava do crédito do misticismo oriental legado pelos anos 60 da cultura
do paz e amor. Só não entendia como é que meus amigos embarcavam nessa arapuca
hindu. Carências espirituais. Enquanto o Bhagwan pregava o desprendimento de
bens materiais, ele próprio cultuava uma coleção de relógios cravejados de
diamantes e vários carros da marca Rolls-royce.
8 Será
que ainda hoje, em Belém, tem gente que mantém o nome de guerra rajneesh? Sei
do saudoso Antar Rohit, que já nos deixou, mas ficou conhecido, artisticamente,
pelo nome rajneesh que adotou (por sinal, tentei lembrar o nome de batismo dele
mas não consegui).
P.S.:
Aliás, meu obrigado ao shopping Castanheira pelo delicado brinde que recebi,
com tigelas inspiradas nas belas gravuras do Rohit. A sensibilidade do cronista
agradece.
JORNAL DIÁRIO DO PARÁ, COLUNA +VOCÊ, QUINTA (13/3/2014)
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