Quem tem
medo da mortadela?
Mário
Prata
Crônica publicada no jornal O Estado de São Paulo, em 5 de Janeiro de 1994.
Quem tem medo da mortadela?
Modismo é conosco mesmo. O brasileiro adora inventar moda. E todo
mundo vai atrás dela. A última do brasileiro é "primeiro mundo". Os
publicitários nativos inventaram a expressão e agora tudo que nós queremos tem
que ser coisa do "primeiro mundo".
O carro é do primeiro mundo, a bebida é do primeiro mundo, a mulher é do primeiro mundo. Cineastas querem fazer filme de primeiro mundo, diretores de teatro trazem a moda lá da Europa. E os preços, evidentemente, também são de primeiro mundo.
O carro é do primeiro mundo, a bebida é do primeiro mundo, a mulher é do primeiro mundo. Cineastas querem fazer filme de primeiro mundo, diretores de teatro trazem a moda lá da Europa. E os preços, evidentemente, também são de primeiro mundo.
Será que não nos bastam os exemplos de Portugal, Espanha, Irlanda
e Grécia, que se debruçaram na mamata da CEE e agora enfrentam uma séria
recessão e desemprego?
Por que essa mania, de repente, de querer virar primeiro mundo? De terceiro para primeiro? Não seria o caso de fazer um estágio, antes, no segundo mundo?
Por que essa mania, de repente, de querer virar primeiro mundo? De terceiro para primeiro? Não seria o caso de fazer um estágio, antes, no segundo mundo?
Os do primeiro mundo adoram as coisas aqui do terceiro. Por
exemplo, a caipirinha. Alemães, ingleses, americanos, suecos, caem trôpegos
pelas calçadas de Copacabana. Quer coisa mais brasileira, mais
terceiromundista, mais caipira e mais barata? Mas já estão avacalhando com ela.
Agora já tem caipirinha de vodca e, pasmem, de rum. Caipirinha sempre foi e
sempre será cachaça. Coisa de caipira mesmo. E é esta bebida que os europeus
vêm procurar aqui. Mas já meteram a vodca e o rum nela para ficar com cara de
primeiro mundo. Vamos deixar a caipirinha caipira, brasileiros!
Toda essa introdução para chegar à mortadela. Ou mortandela, como
preferem garçons e padeiros. Quer coisa mais brasileira que a mortadela? Claro
que ela veio lá da Itália. Mas tornou-se, talvez pelo baixo preço, o petisco do
brasileiro. O nome vem de murta, uma plantinha italiana que lhe valeu o
nome. Infelizmente o brasileiro acha que mortadela é coisa de pobre, de
faminto. E o que somos nós, cara-pálidas?
A cachaça e a mortadela são produtos do Brasil, do nosso querido
terceiro mundo. Mas acontece que há um preconceito dos patrícios contra a
cachaça e a mortadela. Contra a mortadela o caso é mais grave. Se você oferecer
mortadela numa festa, vão te olhar feio. Você deve estar perto da falência.
Neste Natal e no Reveillon freqüentei várias mesas, e em nenhuma havia
mortadela. Queijos de primeiro mundo, vinho de primeiro mundo, perfumes de
primeiro mundo, até um peru argentino eu comi. Mas mortadela que é bom, nada.
Nem uma fatiazinha.
Quando o brasileiro irá assumir que a mortadela é a melhor entrada
do mundo? Quando você for para a Europa, não adianta pedir dead her que
não vai encontrar. Nem muerta dela.
Mas nem tudo está perdido. No dia 1º do ano almocei com o casal Annette e Tenório de Oliveira Lima, e lá estava a mortadela, fresquinha no prato rósea. Um limãozinho em cima, um pedacinho de pão e viva o terceiro mundo, visto lá de cima do apartamento do Morumbi.
No mesmo dia, de noite, fui ao peemedebista Bar Nabuco, debaixo de frondosas sibipirunas da Praça Vilaboim e estava lá, no cardápio, toda sem-vergonha, a mortadela brasileira. Achei que estava começando bem o ano. Vai ser um Ano Bom, como se dizia antigamente. Se os novos-ricos do PMDB estão comendo mortadela, nem tudo está perdido. No Gargalhada Bar mais para PT, há um excelente sanduíche de mortadela.
Mas nem tudo está perdido. No dia 1º do ano almocei com o casal Annette e Tenório de Oliveira Lima, e lá estava a mortadela, fresquinha no prato rósea. Um limãozinho em cima, um pedacinho de pão e viva o terceiro mundo, visto lá de cima do apartamento do Morumbi.
No mesmo dia, de noite, fui ao peemedebista Bar Nabuco, debaixo de frondosas sibipirunas da Praça Vilaboim e estava lá, no cardápio, toda sem-vergonha, a mortadela brasileira. Achei que estava começando bem o ano. Vai ser um Ano Bom, como se dizia antigamente. Se os novos-ricos do PMDB estão comendo mortadela, nem tudo está perdido. No Gargalhada Bar mais para PT, há um excelente sanduíche de mortadela.
E, nas boas padarias do ramo você ainda encontra a verdadeira
mortadela, aquela que chega no balcão, feita na chapa, sem queimar muito,
servida em pãezinhos saídos do forno.
Vamos deixar o primeiro mundo para lá. Vamos, este ano, tomar cachaça e comer mortadela. É muito mais barato ser pobre. Deixemos que o primeiro mundo exploda entre eles, mesmo tomando uísque escocês e comendo queijo fedido.
Vamos deixar o primeiro mundo para lá. Vamos, este ano, tomar cachaça e comer mortadela. É muito mais barato ser pobre. Deixemos que o primeiro mundo exploda entre eles, mesmo tomando uísque escocês e comendo queijo fedido.
Por favor senhores brasileiros primeiro-mundistas, vamos deixar de
frescura. Mortadela é o que há. É um barato.
Feliz
94 para todos vocês. Muita cachaça e muita mortadela. Apesar de tudo, o
primeiro mundo é triste e melancólico. Continuemos felizes e alegres com a
nossa cachaça e o nossa gostosa mortadela.
E que os candidatos à presidência deste nosso país do terceiro mundo não se esqueçam que o Jânio sempre se elegeu comendo "mortadela" e não caviar do primeiro mundo.
E que os candidatos à presidência deste nosso país do terceiro mundo não se esqueçam que o Jânio sempre se elegeu comendo "mortadela" e não caviar do primeiro mundo.
Mário
Prata
Biografia
Mário Alberto Campos de Morais Prata nasceu
em Uberaba (MG) em 1946.
Trabalhou em importantes jornais , escreveu editoriais, reportagens e artigos.
Dentre seus livros pode-se citar: O Morto que morreu de rir; Preto no Branco e 100 Crônicas.
Além de livros escreveu novelas, roteiros e peças para teatro e através desse vasto trabalho recebeu prêmios internacionais e nacionais.
Mário Prata escreve semanalmente no jornal O Estado de São Paulo.
Trabalhou em importantes jornais , escreveu editoriais, reportagens e artigos.
Dentre seus livros pode-se citar: O Morto que morreu de rir; Preto no Branco e 100 Crônicas.
Além de livros escreveu novelas, roteiros e peças para teatro e através desse vasto trabalho recebeu prêmios internacionais e nacionais.
Mário Prata escreve semanalmente no jornal O Estado de São Paulo.
Texto extraído do livro:
Filho é bom, mas dura muito. Mário Prata. Editora Maltese. São Paulo. 1995. p. 157-159
Filho é bom, mas dura muito. Mário Prata. Editora Maltese. São Paulo. 1995. p. 157-159
www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/index.htm