sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

UM PASTOR CHAMADO CARNAVAL E SEUS VINTE E OITO CARNEIRINHOS, Francisco Vaz Brasil



UM PASTOR CHAMADO CARNAVAL E SEUS
VINTE E OITO CARNEIRINHOS
Francisco Vaz Brasil

era uma vez entre outras
um velho que com seu cajado
abria corações de concreto.
seu mastim era grande e calmo
como uma manhã deserta de multidões
- gerando seios
então, ele teve a ideia de cruzar
meridianos e paralelos do inferno
arcar a terra inteira
impregnar seu peito alado e melancólico
com todo o húmus de deuses e geografias
enquanto batia o cajado
seus vinte e oito carneirinhos
saltavam o latifúndio do espaço
como nas noites álgidas
o elétrico carro macabro
daí, os senhores foliões surgiram nos asfaltos
(tempos mais amenos)
com um frevo andróide tresloucado
embebedando as auroras
com serpentinas de sorrisos
e ânforas de mentira e alegria!
- vamos batuqueiros
machuquem bem forte os tamborins do ócio
que os esqueletos balançam seus corpos nus
ante um júri de fantasmas
- vamos pierrot – retrato frustrado
da indizível realidade,
tente o nexo da frágil columbina
- olhem o bloco de sujos
com a fantasia feita de sonho e miséria,
burguesmente fedendo a cachaça!
- olhem o rei momo
com sua barriga de féretros carnavais
tentando adentrar a quarta-feira!
- (look at here my girl
desnude a máscara, sorva de um só gole
seu amor de carnaval!
e vamos senhoras e senhores
que o poeta fotografa seus bailarinos atos
- o flácido asfalto
passo a passo vai parindo no samba
ventres crescidos
– foliões com signos de finados!
- e agora sambista do bloco do esquecimento?
- e agora mestre-sala
(resumindo a vida num só cálculo,
exprimindo tua esperança no ritmo de um só pé)?
- e agora brincantes dos sujos?
as parábolas se espalham na avenida
unidas apenas por um cordão
de palavrões bem ritmados por sorrisos!
como o senhor carnaval morreu
na quarta-feira
a esquálida porta-estandarte
caída numa poça de confetes chora
enrolada por uma bandeira de molambos
como um trapo esquecido num varal
do teatro de tristezas de antigos carnavais...

[publicado em Poemática, 3º caderno do jornal
O Liberal, em 3 de março de 1974, p.15]

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