CASTELINHO E A MULHER BELENENSE,
ELIAS RIBEIRO PINTO
Antes
de se tornar o mais importante comentarista político do país, o ainda jovem
jornalista Carlos Castello Branco (1920-1993) esteve pela primeira vez em
Belém, em 1947. Entre suas impressões, constatou que “as mulheres têm perna
fina, seios enormes e poucas são as que têm bunda digna de nota”. Quase 70 anos
depois, a mulher belenense ainda cabe nesta descrição?
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Lançada no ano passado, “Todo Aquele Imenso Mar de Liberdade” é a biografia de
Carlos Castello Branco (1920-1993), que durante anos assinou a mais importante
coluna política do país, a “Coluna do Castello”, publicada no “Jornal do
Brasil”, já extinto.
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De autoria do jornalista Carlos Marchi, a certa altura a biografia informa que
um ainda jovem Castelinho (como Castello era conhecido) fez, no começo de 1947,
“sua mais longa viagem até então, considerando a distância percorrida, e não o
tempo gasto”. Piauiense, Castelinho fez seus estudos em Belo Horizonte, de onde
se transferiu para a imprensa da então capital do país, o Rio de Janeiro.
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Diz Marchi que seu biografado, em 1947, aos 27 anos incompletos, veio “a Belém
para fazer alguma cobertura especial que os registros não legaram à
posteridade”. Maravilhado pela experiência “exótica”, narrou em carta ao amigo
Otto Lara Resende suas descobertas na terra desconhecida.
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“Aqui chove estupidamente, como se não fosse necessário fazer outra coisa. O
passo é lento, os homens trabalham lentamente. As mulheres têm perna fina,
seios enormes e poucas são as que têm bunda digna de nota. É uma distração
brincar com os seios das putas, geralmente com acentuados traços indígenas.
Recebem qualquer dinheiro e pedem discos de presente. Gostam muito de vitrola.
Tem a cidade velha, velhíssima, e a cidade nova, também velha. A luz é quase
uma ficção, ou melhor, um anseio. Mas talvez seja melhor assim porque
medievaliza as ruas quase coloniais.”
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O biógrafo flagra, no texto, um “imperdoável preconceito”, embora,
contemporiza, “compreensível à época”. O que vocês acham da descrição das
paraenses por Castelinho, de que possuem “perna fina, seios enormes e poucas
são as que têm bunda digna de nota”?
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Nas décadas de 1940/50, o verão carioca ainda não tinha a força e o apelo
atuais. A comparação se impõe diante do que Castelinho observaria no Rio, uma
vez que seu Piauí natal, nem a BH que adotou por um tempo, estampariam bundas
mais vistosas.
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A propósito, a temporada do verão carioca, imposta pela mídia, traz, a
tiracolo, ou à retaguarda, a maciça divulgação dos produtos que descem à praia
junto com o veranista. Sob a estação dos torós amazônicos, a TV e as
prateleiras nos impõem anúncios de cerveja e bronzeadores. Menos mal que, cá ao
Norte, mesmo nessa época, sempre sobra uma insolação entre as chuvas.
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Com as praias cariocas em alta, o horizonte é dominado por essa instituição
nacional, ao menos do ponto de vista masculino (mas que as mulheres sabem
ressaltar): a bunda. Como? (E por favor, aqui não vai nenhuma interrogação,
hum, digamos, culinária.) Você considera bunda um termo grosseiro? Nádegas
seria melhor? Ou então o familiar e infantilizado bumbum?
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Esteja à vontade. Alternativas não vão lhe faltar. O jornalista Sérgio Augusto,
em apropriado artigo escrito para a finada revista Bundas (que, sem fundos,
fechou deixando abundante dívida), listou 211sinônimos para a palavra bunda,
muito mais do que os americanos foram capazes de criar para o seu fetiche
anatômico feminino, os seios.
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Mas é verdade: as mulheres indígenas não se faziam notar por nádegas
protuberantes, por bundas salientemente grandes. E, ao contrário do que você
imagina, Pindorama não era exatamente o éden sexual. Talvez por tudo estar a
descoberto, nossos nobres guerreiros não tinham o apetite carnal muito
acentuado (canibalismo noves fora).
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Foram as mulheres de origem afro-negra, a partir do século XVI, que deram
voluptuosidade ao tema em questão. Gilberto Freyre flagrou isso como ninguém em
“Casa-grande & Senzala”.
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E, justiça seja feita, não vamos esquecer, em favor da aludida protuberância, a
decisiva contribuição das mulheres ibéricas, inclusive portuguesas, presentes
na colonização do Brasil: chegavam a rivalizar, com as negras, na curva do
violão. Disso tudo, dessa miscigenação, composição, avultou o tipo brasileiro.
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De graduação em graduação chegamos a esta cadência de bundas ondulantes,
expressão mais bem acabada dessa miscigenação nacional. Que Castelinho não
notou entre nós. Passados 70 anos, essa “realidade” mudou?
https://www.facebook.com/elias.ribeiropinto/posts/10205652597575876
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