segunda-feira, 27 de julho de 2015

Poema para ler ao andar com cuidado, Antônio Moura






Poema para ler ao andar com cuidado
Antônio Moura



Você que agora caminha por este poema,
não está ouvindo, além do som das silabas,
o som de sinistros passos ecoando secos
em seu encalço, como que para encarcerá-lo,
como que para amordaçá-lo? Não está agora
pressentindo atrás de sua própria sombra
uma outra sombra, que, aos poucos, se agiganta
querendo, de forma réptil, cobrir tudo, todos,
com sua escura manta? Não está sentindo,
agora, fazer ninho eu seus ouvidos a gralha
a rasga-mortalha da histérica pregação,
que busca ensurdecê-lo com seu grasnado
para que ouça, unicamente, a voz intolerante,
a voz fanática e prepotente do deus demente?
Não está vendo uma venda que, lentamente,
cai sombria sobre seus olhos, sobre sua mente?
Você que agora caminha por este poema,
cuidado, aqui perto, no fim da Rua Extrema
a oficina do fascismo fabrica frias algemas.

Antônio Moura, julho, 2015

tercetus sunt, francisco vaz brasil



tercetus sunt
francisco vaz brasil

A VIDA  ADOIDADO  VIVENDO
ADOIDADO  VIVENDO  A VIDA
VIVENDO  A VIDA  ADOIDADO

nexus plexus sexus
sexus plexus nexus
plexus nexus sexus

mil sonhos contigo viver
contigo viver mil sonhos
viver mil sonhos contigo

me deixam louco teus beijos
louco teus beijos me deixam
teus beijos me deixam louco

Sua vida com amor viva
Com amor viva sua vida
Viva sua vida com amor

Todo seu sou
Seu sou todo
Sou todo seu
                     

Com você sou feliz
Feliz com você sou
Sou feliz, com você!

Com humildade, o sábio age
Age, com humildade, o sábio
O sábio age, com humildade

OITO "QUASE HAICAIS", Jamil Damous



OITO "QUASE HAICAIS"
Jamil Damous



BAGAGEM
Uma folha seca
guardada na mala.
Clandestino, o outono
de Nova York
viaja para o Brasil.

VERBOS
(as quatro conjugações)
luar
prazer
porvir
amor

CANÇÃO PRA SIDA
Já temos um passado,
meu amor.

ERRO DE REVISÃO
A vida, sempre deslocada.
Como o acento na palavra ávida.

ACHO QUE A CHUVA
O dia deu em chuvoso:
acordei fernando pessoas
& caetano veloso

FOTOGRAFIA
A morte em nós ainda não nascera.
Éramos eternos ali em frente ao mar.

ANTROPOCENTRISMO
Cada homem é o centro do mundo.
Para isso é que a Terra é redonda.

NOSTALGIA
No passado,
até o futuro
era melhor.

domingo, 26 de julho de 2015

ÉGLOGAS PARA UM SENHOR CHAMADO CARNAVAL, Francisco Vaz Brasil



ÉGLOGAS PARA UM SENHOR CHAMADO CARNAVAL
Francisco Vaz Brasil



toda gente se achegou
por necessidade
por sadismo
talhando pedra e barro
aos empurrões
e palavrões
à praça
perplexa e apática

os blocos
- palhaços mambembes
costelas viventes
de uma inflação muda:
punhal afiado
os blocos passando
- desfile macabro
corpos fantasiados
batucada fantasma
em desfile
na álgida metrópole

o Teatro –da Paz –
taciturno observa,
há tempos imemoriais
na espessura do gesso
na pauta sonora e fria
no espaço da moldura
nas vozes suplicantes
das noites da belle èpoque

no terraço dos edifícios
as pedras não entenderam e se calaram
em sua saliva de pó e calcário
nas escolas (de samba)
surgiram equações no gesto
e dúvidas no esquadro:
os passos seriam milimétricos;
os giros do compasso eram a agonia
da porta-estandarte e o mestre-sala tremia
como quem nasce (oh, carnaval)
em círculos de bronze
rodas de samba, brazões e tradições...

as evoluções do passista
no tapete vivo de carne e asfalto
são a esperança
e a voz do crooner , desafinada,
era talho e atalho no corpo
inerte e inerme
da platéia
(que se oferece dúbia,
nas curvas, como um rio
marmóreo, límpido, onírico)

a praça sozinha,
em meio à multidão, sorri
sua forma bem lavada
em barras de suor,
lágrimas felizes
e aço em combustão
mas o carnaval
nasce assim, maduro:
é o tempo
paridor de estrelas
cubos, alvoradas e cristais;

lágrimas congeladas,
sorrisos y sorridentes
- brincantes forjados em laboratório
é o carnaval
que da estrutura dos ritmos
criou a linha do viver
e o carnaval está nas gentes
incrustado como a ostra
à espera da semente perolar

está no tempo a descoberto
para o orvalho e o raio
sob a chuva e as margaridas
com prêmios de mil centavos

sim, e ele explode em nós
em glóbulos, nas artérias
e dele correm os homens tranqüilos
em rodas e pedais do esquecimento
para quem amou
nele está o segredo, ou no umbigo,
o silêncio antigo, o ruído das palavras
o atrito e a entrada da lâmina
no subterrâneo do prazer!

e o museu com o que se disse
e o que não se disse
e o passado em retângulos de mármore
vê o carnaval como paralelos
cravados sobre o chão

lá estão o moço e a moça
os seus estremecimentos
e a criança
- seu medo de ser aborto e natimorta

no bar do parque, aqui sim,
aqui gasta-se o níquel
e don Juan deseja o mulher do próximo

- aqui se ama, se amou, se amaram
o índio e a loira sob os lençóis do horizonte

a gênese do carnaval
líquido, alegre, sujo, loucoricida,
entrementes, é imensa e única:
- de um fio faz-se o tecido,
- por um fio faz-se a massa
estonteante da mulher amada
(margens calculadas para o amor)

e por um fio fez-se o poema e a roupa
por um fio faz-se um filho e um rio
por um fio faz-se encurtar distâncias
por um fio também jorra
o sangue dos que fazem o crime, a guerra

por um fio,
podemos salvar o nosso carnaval...


[Publicado no jornal Folha do Norte, de Belém,
Em 30 de janeiro a 5 de fevereiro de 1978]