‘Minha família é rica. Estou aqui porque quero’
Raquel
Brandão
De olhos maquiados, Juliana (nome fictício) acha
importante continuar bonita. Veio morar na rua porque queria liberdade e tinha
medo de magoar a família. " No começo, eu tinha uma cabeça muito
pequena e desprezava essas pessoas, só que quem tá na rua é quem mais me ajudou."
Juliana*
- O Estado de
S. Paulo - 13 Junho 2015
Aos 26 anos, Juliana saiu de casa para não magoar a família; na rua, acha que encontrou a liberdade que sonhava.
“Faz de
três a quatro meses que estou na rua. Nasci em Jundiaí e agora tô aqui na Praça
da República. Vim pra rua porque minha cabeça era diferente da cabeça da minha
família. Então, pra não fazer eles sofrer, eu vim pra rua. Eu nasci diferente,
eu gosto desse ritmo e eles sofriam muito devido à minha escolha.
Todo dia
eu tô maquiada, sempre fui vaidosa. Eu tinha dinheiro, só usava roupa de marca.
Acho importante continuar bonita. As pessoas ficam de queixo caído: ‘Ah,
mentira que você mora na rua mesmo’. Minha família é bem de vida. Eu tinha vida
de rainha, tô aqui porque eu quero. Estava morando numa invasão e conheci uma
pessoa que eu gosto muito. Ele não gostava de onde eu estava, daí viemos pra
rua. Larguei até um lugar que eu consegui sozinha.
Todos a quem
você perguntar vão te falar que eles têm alimentação todo dia, doação. Só passa
frio quem não vai atrás. São Paulo é muito rico de doação, é a madrugada toda.
Eu moro numa barraca de acampamento, onde todos moram, ali no Anhangabau.
Ninguém passa ‘veneno’ nenhum na rua, só quem fica acomodado. Às 14h é hora da
marmita. É ‘A’ marmita. Todo mundo compra e a gente ganha. É fácil!
Foi na
rua que eu quebrei minha cara. No começo, eu tinha uma cabeça muito pequena e
desprezava essas pessoas, só que quem tá na rua é quem mais me ajudou. Tem
muito pilantra, muita maldade, e já passei por várias situações de morrer, mas
conheci pessoas que tiram do corpo delas pra te dar. Isso daí é pra aprender,
porque eu sempre tive vida boa.
Eu achava
que era um bicho de sete cabeças viver na rua. Mas não é. É uma liberdade única
que você tem. A maioria tá aqui porque decepcionou a família e saiu de casa
para não fazer sofrer, mas as pessoas mal sabem e acham que é safadeza. A
distância machuca, mas se você está perto e não pode fazer feliz, é melhor se
afastar. Isso é o amor.
Minha
única dor é meu filho, do resto eu não tenho saudade. Eu tenho dois filhos, mas
tem um que toca meu coração, o Cauã. Não que eu não ame o outro, mas esse é
quem faz todas as minhas noites serem terríveis. Queria voltar a ver meu filho.
Mas eu não posso porque ele está com o pai dele. Ele tá melhor lá, não posso
tirar ele da segurança pra trazer pra rua, tenho que ter um lugar fixo. Meu
sonho é que meu filho esteja bem, o resto eu corro atrás.”
*Nome
fictício, a pedido da entrevistada.
http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,minha-familia-e-rica-estou-aqui-porque-quero,1705508
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