Livro faz
análise atenta da carreira literária de Philip Roth
Guilherme
Sobota - O Estado de S. Paulo
26
Fevereiro 2015
Escritora americana Claudia Roth
Pierpont tem agora publicado no Brasil a biografia crítica 'Roth Libertado - O
Escritor e seus Livros'
“Ela estava tão profundamente entranhada em minha
consciência”, diz Alexander Portnoy, “que, no primeiro ano da escola, eu tinha
a impressão de que todas as professoras eram minha mãe disfarçada”. É assim que
começa O Complexo de Portnoy, romance que Philip Roth publicou em
fevereiro de 1969 - então seu quarto livro, as 200 páginas que o lançaram, para
sempre, ao coração de leitores, às listas de melhores autores do século, à boca
e à caneta dos críticos e às rodas de discussão mais apaixonadas quando o
assunto é religião, sexo e literatura.
É a história deste e dos outros 30 livros que
Roth publicou entre 1959 e 2010 que Claudia Roth Pierpont, escritora da revista
The New Yorker, conta em Roth Libertado - O Escritor e Seus Livros,
livro de 2013 que a Companhia das Letras lança por aqui.
Pierpont analisa com um misto de afeto e
distanciamento crítico cada obra desde Adeus, Columbus - que um jovem
Roth lançou aos 27 anos para ganhar o National Book Award - até Nêmesis,
comovente história sobre uma epidemia fictícia de pólio, em 2010, relacionando
a produção dos livros a aspectos da vida do autor, pinçando trechos das
principais críticas, citando outras obras e, especialmente, dando aspas do
escritor, retiradas de conversas e entrevistas com Roth que a autora fez para a
produção de Roth Libertado.
“Ele escreveu 31 livros, e uma das coisas que
considero extraordinárias é quantos deles são de primeira grandeza”, afirma
Pierpont ao Estado, por telefone, de Nova York. “Um grande
escritor tem geralmente dois ou três livros que são maravilhosos, mas com
Philip Roth, você pergunta para seis ou sete pessoas qual seu livro favorito, e
as respostas são todas diferentes.”
Ela tem razão: além das investidas arrojadas de
um jovem escritor ainda em formação, como Adeus, Columbus e Portnoy,
a produção de Roth entre os anos 1980 e 2000 é um verdadeiro compilado de
“obras-primas”, nas palavras de Pierpont: O Avesso da Vida, Operação
Shylock, A Marca Humana, e muito especialmente, O Teatro de
Sabbath e Pastoral Americana.
Mas como um leitor reage, em 2015, a um livro
engraçado e pornográfico (docemente pornográfico), publicado há 46 anos, como O
Complexo de Portnoy? “É porque nós vivemos em culturas em que muitas
pessoas são outsiders, excluídas, isso cria empatia”, explica Pierpont,
comentando que boa parte da trama trata de um garoto de 14 anos descobrindo a
sexualidade, vetor universal. “Além disso, é tão divertido”, ri - o fato de ele
começar um dos capítulos de Portnoy chamado Melancolia Judaica com uma
frase como “Quando eu tinha 9 anos, um dos meus testículos se cansou de viver
dentro do escroto e resolveu migrar para o norte” pode dar uma ideia da
situação.
Apesar da amizade com Roth, Pierpont, professora
de jornalismo criativo em Columbia, Ph.D. em história da arte, critica
duramente livros que ela considera menores na carreira de Roth, como Casei
Com Um Comunista (“creio não haver outro livro de Roth em que as vozes
sejam mais tênues ou menos cativantes”) ou The Great American Novel
(“para muitos parece uma estonteante barafunda”).
Outros aspectos do livro merecem destaque: a
autora traça uma estreita relação entre a produção literária e a vida amorosa
do escritor (com Margaret Williams, que o enganou com um teste falso de
gravidez, e Claire Bloom, cujo livro de memórias é uma espécie de banquete para
as feministas críticas ao autor).
Um capítulo é dedicado ao período nos anos 1970
em que Roth empreende viagens a Europa, especialmente Praga, onde conhece
escritores como Milan Kundera e Ivan Klíma, que ele passa a admirar e publica
nos EUA em uma série chamada Escritores de Outra Europa. “Significou
muito para ele, foi logo após Portnoy, fase em que ele tentava afastar
uma estreiteza da sua obra - queria encontrar mais significado na vida, e foi
lá que ele encontrou”, explica Pierpont.
No último capítulo, a autora conta histórias
sobre o livro. Um dos trechos diz: “Roth tem sofrido muita dor nas costas nos
últimos anos e deve se submeter a uma grande cirurgia. (...) especulo que,
quando se recuperar, estiver livre de dor e retornar a Connecticut, talvez
ainda escreva mais um romance. Ele suspira e acrescenta: ‘Espero que não’”. O
resto do mundo espera que sim.
http://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,livro-faz-analise-atenta-da-carreira-literaria-de-philip-roth,1639648
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