segunda-feira, 30 de março de 2015

o pássaro azul, CHARLES BUKOWSKI (Tradução: Pedro Gonzaga)



o pássaro azul

CHARLES BUKOWSKI

(Tradução: Pedro Gonzaga)




há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei que ninguém o veja.
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.
há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo,
fique aí,
quer acabar comigo?
(…) há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
eu digo: sei que você está aí,
então não fique triste.
depois, o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
como nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar,
mas eu não choro,
e você ?

Caricaturando, Francisco Vaz Brasil



Caricaturando
Francisco Vaz Brasil



quisera ter um traço
y pincelar
a forma/o gesto
o gosto/o agir

y recriar
um outro rosto/cabeça
um outro corpo/decência
para quem tem
por um fio
os nossos destinos

quisera por no compasso
o passo a passo
do aposentado
na gestação do sonho
de seu provento aumentado

quisera dar um abraço
no corpo molhado e nu
descamisado/suado
que há tempos imemoriais
não troca de roupa

quisera por no espaço
de cada prato
o esboço da beleza
de um osso

quisera desenhar
uma outra geografia
onde todos pudessem
ter as mesmas oportunidades

mas é difícil (?)
mover estas pedras

ou

nada feito será
será feito nada
nada será feito.

¿Hasta cuando?

[Publicado no jornal O Liberal, de Belém, Pará,
em 6 de abril de 1992]

Roma, Dalton Trevisan



Roma
Dalton Trevisan



De Roma eu lembro da sede e dos degraus na rua. Inútil falar de qualquer monumento. Só da sede que me resseca a língua, andando nas ruas com escadas.

Soube pela primeira vez do sol em Roma ao ver as pessoas em fuga rente às fachadas brancas. Nas ruas todos seguem de cabeça baixa no lado da sombra. Atravessar uma praça é salto mortal de olho fechado na piscina ofuscante de luz.

Pela manhã ao erguer a cabeça do travesseiro você deixa a tua face molhada no lenço de Verônica.

Posso lavar o rosto com o próprio suor do rosto. Um fósforo aceso não apaga, queima até o fim.

Do vento em junho aqui não há notícia. Esses nichos nas fachadas, com a imagem de santos em santos louça, as únicas manhas negras nos paredões de luz.

Na próxima esquina eu mergulho a cabeça debaixo da fonte. Na seguinte, morrendo de sede, bebo na concha da mão a água cuspida por feias carrancas de pedra.

Os museus são corredores frescos, por onde passeio com sono e sede. Lá fora, as ruínas no meio da cidade --- da história antiga ou da última guerra?

É a estação do sol, do prato fundo de macarrão com garfo e colher, do vinho e, muito mais, da água. Ao refrigério das fontes luminosas me acolho para sentir no rosto os pingos do repuxo.

Paisagem menos de palácio, museu, estátua que das poderosas romanas. Nutrientes fatias de polenta na chapa. Nalgas fornidas, a pé ou de vespa, os longos cabelos esvoaçantes ao vento, num bando de anjos barulhentos.

Suas prendas têm mais cores que as madonas dos museus. Elas, sim, as próprias madonas vivas.

A carne, o osso --- ah, esses braços nus roubados da Vitória de Samotrácia!

Como entender a estátua se não viu a moça, vera loba romana? Ode a uma urna de água fresca do Tibre na epifania do amor.

Ó jarra de vinho generoso para matar a tua sede!


http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=557

O Anjo, Dalton Trevisan



O Anjo
Dalton Trevisan


É um anjo, não há dúvida: apalpo, um tantinho gordo e cheiro, um pouco suado. Tem uns apóstolos-suspeitos, que inventam cada milagre! Um anjo, para falar a verdade, decaído, sujo, asa esquerda rasgada. Ao que se soube, dera um salto duplo (tentativa sacrílega de suicídio?) do terceiro vitral na igreja do Bom Jesus.

Feliz da vida, agora se diverte atirando batatinha frita na cabeça das damas da noite que às três da matina tomam sopa de cebola no Bar do Luís. Saúda pelo nome quem chega, sabe os segredos íntimos de todo mundo, cafifas, bofes e coronéis.

De repente a confusão: acusa um guarda-noturno de ter-lhe surrupiado o relógio de pulso (anjo, é sabido, odeia relógio). O guarda exige sua carteira de identidade, ele declara a condição de anjo --- epa! leva um murro no olho.

O anjo numa cuspidela muda-o em botelha de rum da Jamaica, que bebemos todos, o anjo a piscar o olhinho roxo.

Senta uma dama alegre no colo e quer por força um ósculo (linguagem de anjo, ósculo!). Ela se nega, a boca é para beijar o filhinho. O anjo a arrasta pelos cabelos para baixo da mesa onde, entre ossos de frango e espuma de cerveja, dorme por sete dias (na versão de jornais sensacionalistas).

Invocado, o anjo estranha a costeleta do leiteiro que chega manhã cedinho. Xinga-o de quanto nome feio, o leiteiro saca uma navalha, epa! risca em cruz o nariz do anjo. Esse não pode ver sangue e cai durinho de costas.

Pronto levanta, sacode o pó da asa em frangalhos, cadê o leiteiro? Se escafedeu, longe na carrocinha a galope. Tempo de afastar a atenção geral. Pudera, um anjo baderneiro!

Estala os dedos: encarna as moscas sobre a mesa em bombons de licor, que oferece às musas dos inferninhos. E os garçons em aves do paraíso que se penduram nos globos de luz.

Nessa hora, para ver o anjo, há barricadas nas portas e feros combates na cozinha.

O fim do anjo é triste: surge do meio do nada o maestro Remo de Pérsis e, abraçados, rompem em dó de peito a protofonia do Guarani.

Fatal: antes que puxe do braço uma terceira asa de reserva... Ai, não, linchado pela multidão em fúria. Aos berros de Morte ao tarado!

Mortinho, ninguém mais duvida. É anjo de verdade, na roupinha nova de marinheiro.

Ainda não vi outro anjo.


Dalton Trevisan é autor dos livros O vampiro de Curitiba, A polaquinha e O maníaco do olho verde, entre outros títulos. Sua obra foi traduzida para diversos idiomas, como o inglês, o espanhol e o italiano. Em 2012, Trevisan ganhou o prêmio Camões de literatura. O autor vive em Curitiba (PR).

http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=556

sábado, 28 de março de 2015

Chiquín na festa, Francisco Vaz Brasil



Chiquín na festa
     Francisco Vaz Brasil




Chiquín queria sair,
viajar, dançar, ir à praia.
Na sexta, ele foi à festa
E, então, caiu na gandaia

Logo, uma correria geral,
Animou então toda a laia,
- Uma gata fenomenal
Na rua, tirando a saia

E no meio daquela praça,
Com pinga e carne na grelha
Chiquín não contou desgraça
E o braço passou n’uma velha

A noite foi e amanheceu
Chiquín porre de dar dó
Tanto fez que se esqueceu,
Da confusão que aprontou
- Foi dormir no xilindró!