SAFRA DE BIZARRICES
Elias Ribeiro Pinto
O exorcismo virou arroz de festa nas igrejas
evangélicas. Por mais bororó que seja o culto, demônios são arrancados aos
safanões da pele dos endemoninhados de plantão.
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Temos vagas.” Quem passar pela porta do inferno, certamente vai encontrar essa
placa na entrada, como na construção civil. E com garantia de carteira
assinada. Ao contrário de outros setores (quase todos), o Reino das Trevas vive
um período de intensa atividade. Todos os seus escalões, do alto ao baixo
clero, estão sobrecarregados. Corre o boato, nos círculos infernais, que o
Chifrudo (é assim que ele, o Grande Chefe, é tratado pelos assessores mais
íntimos) vai partir para a terceirização.
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Não é para menos. O exorcismo virou arroz de festa nas igrejas evangélicas. Por
mais bororó que seja o culto – e você pode acompanhar pela tevê –, demônios são
arrancados aos safanões da pele dos endemoninhados de plantão. É como numa
consulta ao médico do sistema público de saúde. Não demora mais que três, vá
lá, cinco minutos, que a fila de endiabrados, digo, doentes, dobra a esquina.
Daí a procura maior que a oferta, a demanda incessante pela linhagem de
capetas.
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Os cultos evangélicos estão mais povoados de demônios que a obra do grande
escritor judeu Isaac Bashevis-Singer, que adquiriu fama internacional com suas
histórias sobre a vida judaica do Leste europeu, congestionadas de espíritos
com chifres, pés-de-cabra e rabos peludos, que piscam com malícia para a
honrada alma ortodoxa. Tanto que o homem levou o Nobel de Literatura.
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Depois de promover a medievalização das periferias, o evangelismo de resultados
implantou cabeças de ponte nas áreas nobres das grandes cidades brasileiras,
trazendo seu circo de exorcismos e sua legião de capirotos, safra de
bizarrices.
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Quando falo em medievalização, é porque o consenso estabelece que foi na Idade
Média que o inferno, seus habitantes e seus combatentes mais monopolizaram a
imaginação dos homens. Não é bem assim. Foi na emergência da modernidade que se
deu a difusão demoníaca e o medo do diabo, por conta da coerência e do relevo
que se emprestou à sua representação. Certamente que a Renascença herdou
conceitos e imagens demoníacos que se haviam definido e multiplicado no decorrer
da Idade Média.
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No entanto, a atual vulgarização de Lúcifer e sua corte endiabrada nos joga
para um tempo anterior ao de Padre Vieira e ao do bom Padre Manuel Bernardes,
que se tinha a pena menos combativa que aquele, a tinha em estilo que até hoje
nos encanta. Naqueles idos, uma luzinha que acendesse no escuro, eram os olhos
em brasa do Que-Diga. Como na época do Dr. Martinho Lutero, que reconhecia o
diabo em cada obstáculo com que topava.
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Mas não pensem que é só a periferia que se deixa ofuscar pelo diabo onipresente
e daí seguir a palavra dos falsos profetas. Aliás, Jesus já chamara Satã de
“príncipe deste mundo”, deste aqui, o nosso. São Paulo foi ainda mais longe,
chamando-o de “o deus deste mundo”. Mas voltando. O “reencantamento” do mundo
chega às coberturas e abre seu book: mapa astral eletrônico, pirâmides de
cristal e platina, numerologia, duendes, astrólogos e videntes a bordo de alta
tecnologia, Paulo Coelho et caterva, e por aí segue a travessia esotérica.
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Na verdade, o exorcismo mambembe encenado nessas igrejas, em vez de aumentar o
medo do diabo, como na Alemanha protestante de Lutero, dá-nos uma imagem
ridícula, até mesmo divertida, de Satã e suas legiões (que já tiveram
combatentes mais sábios), e aí sim, estamos em pleno século 11, século 12. De
qualquer maneira, a fonte parece inesgotável. No século 16 uma obra informava a
existência de mais de 7 milhões de demônios distribuídos entre 72 príncipes,
todos obedientes a Satã. Também já se disse que cada homem, ao nascer, vem
acompanhado de um demônio especialmente encarregado de tentá-lo durante toda a
sua vida. Daí a necessidade de um anjo da guarda pessoal.
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Prefiro ficar com o Guimarães Rosa do início de “Grande Sertão: Veredas”: “Do
Demo? Não gloso”. Aliás, com o Rosa do fim do “Grande Sertão”: “O diabo não há!
É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia”.
https://www.facebook.com/elias.ribeiropinto/posts/10202779567351916
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