PARA TUDO
ACABAR NA QUARTA-FEIRA
Elias Ribeiro Pinto
COLUNA DESTA QUINTA (11/9/14) NO JORNAL DIÁRIO DO PARÁ
O
Garrafão foi contemporâneo da Maloca, do Biriba, do Porão, do Papa Jimi, da
Tonga, do Corujão
1 Uns três
domingos atrás, na Serzedelo Corrêa, tomei umas cervejas com os órfãos do
Garrafão. Desde que o lendário bar e restaurante fechou, há uma legião que,
desabitada de seu cais boêmio, jamais encontrou nova atracação no centro.
2 O
Garrafão, que fechou no dia 5 de dezembro de 2001, ficava exatamente do outro
lado da rua onde bebíamos, os órfãos. E do lado de lá, onde hoje funciona um
restaurante que também serve café da manhã, ainda posso ouvir o chamado, não do
além, mas da boemia, me suplicando o regresso, minha nova inscrição. Do
mausoléu do Garrafão, escorado ao Manoel Pinto da Silva, 40 séculos, digo, 40
anos de boemia me contemplavam.
3 O
Garrafão era um dos últimos moicanos. Em seus 39 anos de vida, foi
contemporâneo da Maloca, do Biriba, do Porão, do Papa Jimi, da Tonga, do
Corujão e do Primavera, bares que, instalados na área central da cidade,
fizeram história nas últimas décadas.
4 Naquela
quarta-feira de quase 13 anos atrás, no 5 de dezembro de 2001, seus 15
derradeiros fregueses, já sem esperança da saideira perpétua (era o bar que
saía de cena), testemunharam as portas do Garrafão descerem definitivamente.
Alguns deixaram a cena do crime levando um souvenir qualquer, uma lembrança do
ente querido, nem que fosse o isopor térmico de cervejas ou o “galeto” (uma das
especialidades da casa) escrito em acrílico, alojado na tabela de preços na
parede.
Numa crônica antológica, “Os bares morrem numa quarta-feira”, publicada em 1977, Paulo Mendes Campos remonta o ciclo de apogeu e morte dos bares que marcaram época no Rio de Janeiro. Segundo o escritor mineiro, “os bares nascem, parecem eternos a um determinado momento, e morrem”. E mais adiante: “O obituário dessas casas fica registrado nos livros de memórias. Recordá-los, os bares mortos, é contar a história de uma cidade. Melhor, é fazer o levantamento das cidades que passaram por dentro de uma única cidade”.
Numa crônica antológica, “Os bares morrem numa quarta-feira”, publicada em 1977, Paulo Mendes Campos remonta o ciclo de apogeu e morte dos bares que marcaram época no Rio de Janeiro. Segundo o escritor mineiro, “os bares nascem, parecem eternos a um determinado momento, e morrem”. E mais adiante: “O obituário dessas casas fica registrado nos livros de memórias. Recordá-los, os bares mortos, é contar a história de uma cidade. Melhor, é fazer o levantamento das cidades que passaram por dentro de uma única cidade”.
5 Ainda
tenho (ou as traças já devoraram?) na gaveta a camiseta comemorativa do último
réveillon do Garrafão, o de antes de sua morte, numa quarta-feira, a exemplo
das melhores famílias de bares cariocas. Nem parecia o último, ou talvez por
isso mesmo, por antecipar a morte anunciada. Foi o mais animado de todos, com
direito a banda puxada pelo cantor Eloy Iglesias.
6 Eu estava
lá, naquela fúnebre quarta-feira, a tempo de escrever uma reportagem de página
dupla aqui para o DIÁRIO. Contribuímos para a história ao fazer o registro do
último brinde no Garrafão.
7 Ao baixar
de vez sua porta, o Garrafão deixou a vida para entrar na história da boemia
belenense. Como lembrou Paulo Mendes Campos na crônica citada, depois que se
vai, perdoa-se, no bar-defunto, a bebida morna, o banheiro sujo, o eventual mau
humor do garçom, as desavenças. A saudade a tudo perdoa e só guarda os momentos
amenos e a acolhida do bar preferido.
8 “O
curioso é que os bares do presente, por seus serviços e por sua frequência,
podem merecer até o nosso entusiasmo, mas não recebem jamais o nosso amor. O
bom freguês só ama o bar que se foi. Só na lembrança os bares perdem suas
arestas e se sublimam”, sublima o cronista.
9 Restaram,
para o lendário, alguns episódios. Uma vez, durante a lei seca, proibida a
venda de bebida alcóolica no dia de votação, policiais entraram no bar e
queriam levar preso o Bené, gerente do Garrafão. O problema é que, na outra
ponta do balcão, delegados, desembargadores e juízes se confraternizavam.
Chegou-se a um consenso. Bené seria deixado em paz. Em troca, as portas seriam
baixadas, com os ilustres bebedores do lado de dentro.
10 Para
tudo acabar na quarta-feira.
https://www.facebook.com/elias.ribeiropinto/posts/10202782775632121
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