IVAN
JUNQUEIRA
Fabio de Sousa Coutinho
Ivan Junqueira já foi chamado, com inteira justiça, de
“o poeta do pensamento”. Carioca, nascido em 3 de novembro de 1934, Ivan
Nóbrega Junqueira é também um premiado ensaísta (O encantador de serpentes, 1987; O signo e a sibila, 1993; O Fio de Dédalo, 1998), crítico
literário de incomum dignidade humanística e tradutor de T.S.Eliot, Marguerite
Yourcenar, Marcel Proust, Dylan Thomas e Charles Baudelaire, de quem verteu
para nosso idioma o inigualável poema As
Flores do Mal.
Sua extensa obra poética (de Os Mortos, 1964, a Poemas Reunidos, 1999), preocupada
com questões políticas e metafísicas, abriu-lhe as portas da Academia
Brasileira de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 37, patroneada pelo poeta
inconfidente Tomás Antônio Gonzaga, e de que foi Presidente no biênio
2003-05.
Quatro Poemas de Ivan Junqueira
Tristeza
Esta noite eu durmo de
tristeza.
(O sono que eu tinha morreu
ontem
queimado pelo fogo de meu
bem.)
O que há em mim é só tristeza,
uma tristeza úmida, que se
infiltra
pelas paredes de meu corpo
e depois fica pingando devagar
como lágrima de olho
escondido.
(Ali, no canto apagado da
sala,
meu sorriso é apenas um
brinquedo
que a mãozinha da criança
quebrou.)
E o resto é mesmo tristeza.
(de Os Mortos)
Elegia Íntima
Minha mãe chorando no fundo da noite
rachou o silêncio do quarto adormecido.
Meu pai olhava o escuro e não dizia nada,
Um relógio preto gotejava barulho.
Lá fora o vento lambia as espáduas do céu.
Minha mãe chorando no fundo da noite
Apunhalou o sono de Deus.
(de Os Mortos)
Madrigal
Azul e pontual,
o céu acordou:
cada aurora
em seu horizonte.
Mas a pergunta,
Como um gládio
em riste, cravou
seu aço no vazio
— e lá, imóvel, ficou
esperando a resposta
que não raiou.
(de Os Mortos)
Hoje
A sensação oca de que tudo acabou
o pânico impresso na face dos nervos
o solitário inverno da carne
a lágrima, a doce lágrima impossível...
e a chuva soluçando devagar
sobre o esqueleto tortuoso das árvores
(de
Os Mortos)
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