Escritores
de ouvido
Por Fernanda Pompeu
Em maio de 1500 Pero Vaz de Caminha,
nosso primeiro cronista, escreveu ao rei de Portugal: "Nesta terra se
plantando tudo dá." Hoje sabemos que não é bem assim. Apesar dos esforços
de muitos é difícil vicejar jabuticabas do Bem Público, amoras da Igualdade,
orquídeas da Não Violência.
Mas temos outras abundâncias. O ritmo
que parece brotar em caixinhas de fósforo, a risada rasgada do povo, a piada
que já nasce pronta. E a crônica. Para o pessoal que vai prestar o Enem segue a
dica: crônica é um gênero da escrita que mora na fronteira entre a literatura e
o jornalismo.
Este texto que estou escrevendo
é uma crônica. Não é jornalismo, porque não estou relatando fatos. Nem
literatura, pois não há personagens e falta novelo. O que a crônica tem?
Conversa ao pé do ouvido da leitora e do leitor. Fuxico tecido com palavras.
Rubem Braga (1913-1990) -
cronista de caneta cheia, autor da magnífica Ai
de ti, Copacabana - disse que escrevia
de ouvido. Perfeita definição para os profissionais da crônica.
Lembrando que tem gente que toca
de ouvido e há até quem viva
de ouvido. Traduzindo: sem ler a partitura.
Com as honrosas exceções, o pessoal da
Academia e das editoras torce o nariz para a crônica. Supõem que ela é ligeira
e desimportante. Café pequeno. Imaginam que o cronista é um romancista ou um
poeta frustrado. Ou que a crônica é entradinha antes do prato principal. Custam
a acreditar que um escritor pode escolher ser
cronista e ponto.
Ligeira a crônica é. Nenhum
cronista pretende perscrutar a alma humana, ou escrever um épico. No máximo, a
gente consegue flagrar um momento da alma, ou uma manhã da nossa época.
Desimportante ela não é, pois faz frases instantâneas de situações do
cotidiano. E tira a máscara dos costumes, o que não é pouco. É muito.
Quando escritas com ouvido
caprichado, as crônicas alegram. São humildes, e talvez por isso, se aproximam
de quem as lê. Não sei se chegam no cérebro, mas no cangote com certeza. É
isto, a crônica é um cafuné feito de palavras.
Imagem: Régine Ferrandis.
http://br.noticias.yahoo.com/blogs/mente-aberta/escritores-ouvido-103457123.html
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