quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Escritores de ouvido Por Fernanda Pompeu



Escritores de ouvido
Por Fernanda Pompeu



Em maio de 1500 Pero Vaz de Caminha, nosso primeiro cronista, escreveu ao rei de Portugal: "Nesta terra se plantando tudo dá." Hoje sabemos que não é bem assim. Apesar dos esforços de muitos é difícil vicejar jabuticabas do Bem Público, amoras da Igualdade, orquídeas da Não Violência.
Mas temos outras abundâncias. O ritmo que parece brotar em caixinhas de fósforo, a risada rasgada do povo, a piada que já nasce pronta. E a crônica. Para o pessoal que vai prestar o Enem segue a dica: crônica é um gênero da escrita que mora na fronteira entre a literatura e o jornalismo.
Este texto que estou escrevendo é uma crônica. Não é jornalismo, porque não estou relatando fatos. Nem literatura, pois não há personagens e falta novelo. O que a crônica tem? Conversa ao pé do ouvido da leitora e do leitor. Fuxico tecido com palavras.
Rubem Braga (1913-1990) - cronista de caneta cheia, autor da magnífica Ai de ti, Copacabana - disse que escrevia de ouvido. Perfeita definição para os profissionais da crônica. Lembrando que tem gente que toca de ouvido e há até quem viva de ouvido. Traduzindo: sem ler a partitura.
Com as honrosas exceções, o pessoal da Academia e das editoras torce o nariz para a crônica. Supõem que ela é ligeira e desimportante. Café pequeno. Imaginam que o cronista é um romancista ou um poeta frustrado. Ou que a crônica é entradinha antes do prato principal. Custam a acreditar que um escritor pode escolher ser cronista e ponto.
Ligeira a crônica é. Nenhum cronista pretende perscrutar a alma humana, ou escrever um épico. No máximo, a gente consegue flagrar um momento da alma, ou uma manhã da nossa época. Desimportante ela não é, pois faz frases instantâneas de situações do cotidiano. E tira a máscara dos costumes, o que não é pouco. É muito.
Quando escritas com ouvido caprichado, as crônicas alegram. São humildes, e talvez por isso, se aproximam de quem as lê. Não sei se chegam no cérebro, mas no cangote com certeza. É isto, a crônica é um cafuné feito de palavras.

Imagem: Régine Ferrandis.

http://br.noticias.yahoo.com/blogs/mente-aberta/escritores-ouvido-103457123.html

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