sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Várias noites com... DANTE, RILKE E COMPANHIA, por Geraldo Carneiro



Várias noites com... DANTE, RILKE E COMPANHIA
''Queria mesmo era colher o grito pleno/ da tua alma cheia de tormentos.'' Os personagens da minissérie ''O Astro'' dirão coisas assim. Será alucinação?
por Geraldo Carneiro



REVISTA BRAVO - Edição 166 - Julho 2011

Quando Alcides Nogueira e eu recebemos da Rede Globo a incumbência de recriar O Astro, novela de Janete Clair exibida entre 1977 e 78, ficamos animadíssimos, mas com muitas pulgas atrás da orelha. Para quem não se lembra ou não teve a alegria e o terror de viver aqueles áureos tempos negros, faço um retrospecto: O Astro conta a história de Herculano Quintanilha, ilusionista e bruxo, à época interpretado por Francisco Cuoco, cuja trajetória é inspirada num assessor político da presidente Isabelita Perón, um Rasputin à moda argentina. Não é difícil imaginar um bruxo com esse perfil infiltrado num grande grupo econômico de hoje ou até no governo de certo país pitoresco e extravagante, cujo nome começa com a letra b, de bye-bye.
Por isso, nosso principal problema para adequar a trama à atualidade estava menos no enredo e mais na seguinte questão: como expressar o amor rasgado dos personagens, os arroubos e diálogos extremamente românticos da versão original, sem fazer com que o texto parecesse uma rapsódia de canções do Wando? Convertida em minissérie, O Astro vai estrear no dia 12/7, por volta das 22h30, sob a direção geral de Mauro Mendonça Filho e direção de núcleo de Roberto Talma. O ator Rodrigo Lombardi assumirá o papel de Herculano.

Depois de muito pensar, resolvemos enfrentar o problema com uma arma poderosíssima: os grandes poetas da literatura ocidental, de Dante Alighieri, Francesco Petrarca, Fernando Pessoa e Luís de Camões a Charles Baudelaire, Rainer Maria Rilke e John Donne. De quebra, também decidimos pedir ajuda a alguns poetas do samba, como Cartola, Lupicínio Rodrigues, Guilherme de Brito e Luiz Carlos da Vila. Nossa estratégia: misturar versos daqueles gênios à fala coloquial dos personagens de Janete.

Quando o herói se deparar com sua amada, por exemplo, seu pensamento se expressará com palavras de Baudelaire: "Queria mesmo era colher o grito pleno/ da tua alma cheia de tormentos". Quando sua amada lhe sugerir uma viagem idílica pelos mares, o herói recorrerá a Jorge de Lima: "Há sempre um copo de mar/ para um homem navegar". Já se a situação não for propícia a versos alheios, serei obrigado a baixar o nível e fabricar inéditos ou citar algumas estrofes de meus próprios livros. Assim, caso a hora seja de paixão, posso levar o personagem a dizer: "Só quero te conhecer nesta encarnação/ antes que minha alma improvável/ se arremesse na província do nada/ a morada dos seres sem amor". Ou, caso o momento seja de dor: "Os deuses tecem mantos de tristeza/ para que não nos falte o que cantar".

Mas não é só na fala da paixão que contrabandearemos a alta-costura literária para o folhetim. Na primeira versão de O Astro, o diretor Daniel Filho havia sugerido a Janete Clair que baseasse o vilão Samir Hayalla, originalmente vivido por Rubens de Falco e agora por Marco Ricca, num personagem de William Shakespeare: Cláudio, que usurpa o trono do irmão no reino da Dinamarca e desperta a ira do sobrinho, o príncipe Hamlet. Faremos igual. Só que esse tio, em vez de ser um canalha desqualificado, será uma nova versão de outro personagem shakespeariano, Ricardo 3º, um dos maiores reis-bandidos do teatro e da história da Inglaterra. Nosso vilão-mor será um cafajeste muito parecido com o Ricardão (o apelido de Richard aqui, em casa), que gosta de contar vantagens por suas conquistas amorosas e não tem a menor dó de se livrar de todos os que atravessam seu caminho. Será capaz, inclusive, de propagar as mesmas lorotas do Ricardão, jactando-se de suas façanhas: "Me diz se alguma mulher já foi cortejada assim?"

Também em seus momentos românticos, Ricardão lançará mão da poesia de Shakespeare: "Te comparar com um dia de verão? Tu és mais temperada e adorável./ Vento balança em maio a flor-botão/ E o império do verão não é durável./ Mas teu verão nunca se apagará/ Perdendo a posse da beleza tua,/ Nem a morte rirá por te ofuscar/ Se em versos imortais te perpetuas".

A presença de tantos fragmentos poéticos na minissérie talvez suscite a impressão de que vemos um filme da década de 1960, em que as palavras se soltam da narrativa e ganham certa autonomia. Uma mistura de O Conde de Monte Cristo, célebre romance folhetinesco de Alexandre Dumas, com O Demônio das Onze Horas, o clássico do cineasta Jean-Luc Godard. (Janete Clair fazendo parceria com Godard?! Se você achar que tal casamento é implausível, caro leitor, considere este parágrafo uma alucinação.)

Em suma: na hipótese de os deuses conspirarem a favor, nosso folhetim virá à luz protegido pelos orixás da poesia, desde Safo e Arquíloco a Cartola e Orestes Barbosa. Tomara que lá, no provável céu dos dramaturgos, dona Janete dê a sua aprovação. Ou que, se não gostar, nos perdoe com a indulgência e o tédio daqueles que conhecem a imperfeição da natureza humana.

Geraldo Carneiro é poeta, letrista, tradutor e roteirista, autor dos livros Piquenique em Xanadu e Balada do Impostor, entre outros.

http://bravonline.abril.com.br/materia/varias-noites-com-dante-rilke-e-companhia

O Médico e o Monstro por Vladimir Nabokov



O Médico e o Monstro
por Vladimir Nabokov



Mais do que uma trama policial ou de mistério, “O Estranho Caso de Dr. Jekylle Mr. Hyde” é uma fábula que flerta com o poético. A Cosac Naify está reeditandoo romance de Robert Louis Stevenson como parte da coletânea “O Clubedo Suicídio”, que reúne seis histórias do autor escocês.
por Vladimir Nabokov

REVISTA BRAVO - Edição 166 - Julho 2011

O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde foi escrito na cama em 1885, em Bournemouth, no canal da Mancha [Inglaterra], entre uma e outra hemoptise, sendo publicado em janeiro de 1886. Dr. Jekyll é um médico gordo e bonachão, não isento de fraquezas humanas, que vez por outra, usando uma poção, se projeta (ou se concentra, se precipita) num indivíduo malévolo e brutal chamado Hyde, sob cuja personalidade comete uma série de crimes. Durante algum tempo, é capaz de retomar a personalidade original de Jekyll – há uma droga para ir e outra para voltar –, porém gradualmente a parte melhor de sua natureza se enfraquece até que, por fim, a poção que lhe permite voltar a ser Jekyll falha e ele se envenena quando está prestes a ser desmascarado. Essa é a essência da trama.
E eis aqui minha principal recomendação: por favor, trate completamente de esquecer, deslembrar, apagar, desaprender, jogar no lixo qualquer noção que você possa ter de que Jekyll e Hyde seja uma espécie de história ou filme de mistério ou de detetive. Não há a menor dúvida de que o pequeno romance de Stevenson é um dos ancestrais das modernas histórias de mistério. Mas essas narrativas modernas são a própria negação do estilo, constituindo, na melhor das hipóteses, exemplos de literatura convencional. A história de Stevenson – Deus guarde sua alma pura – é defeituosa como história de detetive. Nem é uma parábola ou alegoria, pois seria de mau gosto como uma ou outra. Ela tem, contudo, um encanto próprio se a considerarmos como um fenômeno estilístico. Não é apenas uma boa “história de terror”, como Stevenson exclamou ao despertar de um sonho em que a visualizara (...). É também, e com maior importância, “uma fábula que está mais próxima da poesia do que da prosa comum” [segundo o biógrafo irlandês Stephen Gwynn], pertencendo assim à mesma categoria artística, por exemplo, dos romances Madame Bovary ou Almas Mortas.
Lê-se esse livro como quem bebe um bom vinho; na verdade, ao longo da história se bebe um volume notável de vinho de boa qualidade (...). Cintilante e reconfortante, esse líquido é muito diferente do reagente mágico que Jekyll prepara em seu poeirento laboratório e que, ao provocar o efeito camaleônico, causa pontadas gélidas de dor. Tudo é relatado de modo muito apetitoso. Gabriel John Utterson [um dos personagens da trama], que mora na Gaunt Street, pronuncia as frases de forma voluptuosa; há um toque gostoso no friozinho matinal de Londres e certa riqueza de tons na descrição das horríveis sensações que Jekyll sofre durante o processo de metamorfose. Stevenson dependeu muito de seu poder estilístico para executar o truque que lhe permitiu superar as duas dificuldades principais com que se defrontava: 1. Fazer da poção mágica uma droga plausível com base em ingredientes usados por qualquer químico; e 2. Dar credibilidade ao lado mau de Jekyll antes e depois das “hydeizações”. (...)
Os nomes Jekyll e Hyde são de origem escandinava, e suspeito que Stevenson os extraiu da mesma página de um velho livro sobre nomes de família onde também fui procurá-los. Hyde vem do anglo-saxão hyd, que corresponde ao dinamarquês hide, ou haven em inglês [algo como “refúgio” em português]. Jekyll vem do nome dinamarquês Jökulle, que significa “pingente de gelo”. Desconhecendo tais derivações simples, seria natural encontrar todo tipo de significados simbólicos nesses sobrenomes, especialmente em Hyde, sendo o mais óbvio o de que se trataria de um local onde o Dr. Jekyll se escondia, no qual o alegre médico e o assassino se combinavam.
Como o livro é pouco lido, três pontos importantes costumam se perder completamente quando a história é lembrada, a saber:
1. Jekyll é bom? Não, ele é um ser composto, uma mescla do bem e do mal, um preparado com 99% de “jekyllita” e 1% de “hydita” (ou “hidátide”, do grego “água”, que em zoologia significa um quisto no corpo de um homem e outros animais contendo um fluido límpido com larvas de vermes – um arranjo delicioso, ao menos para os vermes. Assim, Mr. Hyde é de certo modo um parasita do Dr. Jekyll, porém devo deixar claro que Stevenson não sabia disso ao escolher o nome). A postura moral de Jekyll é sofrível quando julgada pelos padrões vitorianos. Trata-se de um hipócrita, que oculta cuidadosamente seus pecadilhos. É vingativo (...). É imprudente. Hyde está misturado a ele, está dentro dele. Nessa mistura de bem e de mal que existe no Dr. Jekyll, o mal pode ser separado sob a forma de Hyde, que é um precipitado de maldade pura, precipitado no sentido químico, uma vez que algo do Jekyll composto permanece presente ao se horrorizar com as ações de Hyde.
2. Jekyll realmente não se transforma em Hyde, e sim projeta um concentrado de maldade pura que se torna Hyde – mais baixo do que Jekyll, um homem grandalhão, para indicar o maior volume de bem que Jekyll possui.
3. Na verdade, existem três personalidades: Jekyll, Hyde e uma terceira, o resíduo de Jekyll quando Hyde assume o controle. (...)
Gostaria de dizer, ainda, algumas palavras sobre os últimos momentos de Stevenson. (...) Há algo na morte do autor, em 1894, que de forma curiosa imita os temas do vinho e da transformação presentes em sua fantasia. Ele acabara de apanhar no porão e abrir na cozinha uma garrafa de seu Borgonha predileto quando de repente gritou para sua mulher: “O que que há comigo? Que coisa estranha é essa? Meu rosto mudou?” E caiu no chão. Uma veia estourara em seu cérebro, tudo terminou em poucas horas.
Vladimir Nabokov (1899-1977), ficcionista norte-americano de origem russa, escreveu os romances Lolita e Fogo Pálido, entre outros. Traduzido por Jorio Dauster, o ensaio publicado nesta edição é parte de uma aula que Nabokov ministrou na Universidade Cornell, em Ithaca (Estados Unidos). O texto completo encontra-se na coletânea O Clube do Suicídio.
http://bravonline.abril.com.br/materia/classico-do-mes-o-medico-e-o-monstro

I, Too, Sing America by Langston Hughes


I, Too, Sing America
 
By Langston Hughes




I, too, sing America.

I am the darker brother.
They send me to eat in the kitchen
When company comes,
But I laugh,
And eat well,
And grow strong.

Tomorrow,
I'll be at the table
When company comes.
Nobody'll dare
Say to me,
"Eat in the kitchen,"
Then.

Besides,
They'll see how beautiful I am
And be ashamed—

I, too, am America.



From The Collected Poems of Langston Hughes, published by Knopf and Vintage Books. Copyright © 1994 by the Estate of Langston Hughes. All rights reserved.
Used by permission of Harold Ober Associates Incorporated.

http://www.poets.org/viewmedia.php/prmMID/15615

Dream Variations By Langston Hughes


Dream Variations
 
By Langston Hughes


To fling my arms wide
In some place of the sun,
To whirl and to dance
Till the white day is done.
Then rest at cool evening
Beneath a tall tree
While night comes on gently,
    Dark like me—
That is my dream!

To fling my arms wide
In the face of the sun,
Dance!  Whirl!  Whirl!
Till the quick day is done.
Rest at pale evening . . .
A tall, slim tree . . .
Night coming tenderly
    Black like me.





Fro The Collected Poems of Langston Hughes, published by Alfred A. Knopf, Inc. Copyright © 1994 the Estate of Langston Hughes. Used with permission.

http://www.poets.org/viewmedia.php/prmMID/15610