QUADRILHA (1)
João amava Teresa que amava
Raimundo
que amava Maria que amava
Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados
Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili
casou com J. Pinto Fernandes
Que não tinha entrado na
história.
CAMPO DE FLORES
(2)
Deus me deu um amor no tempo
de madureza,
quando os frutos ou não são
colhidos ou sabem a verme
Deus – ou foi talvez o Diabo –
deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois
que tenho um amor.
Pois que tenho um amor, volto aos mitos
pretéritos
e
outros acrescento aos que amor já criou.
Eis
que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e
talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.
Mas sou cada vez mais, eu que
não me sabia
e cansado de mim julgava que
era o mundo
um vácuo atormentado, um
sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas
manhãs
que não vivi jamais, pois
jamais me sorriram.
Mas me sorriam sempre atrás de
tua sombra
imensa e contraída como letra no
muro
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o
mereci.
De tantos que já tive ou
tiveram de mim,
o sumo se espremeu para fazer
vinho
ou foi sangue, talvez, que se
armou um coágulo.
E o tempo que levou uma rosa indecisa
a
tirar sua cor dessas chamas extintas
Era
o tempo mais justo. Era tempo de terra.
Onde
não há jardim, as flores nascem de um
Secreto
investimento em formas improváveis.
Hoje tenho um amor e me faço
espaçoso
para arrecadar as alfaias de
muitos
amantes desgovernados, no
mundo, ou triunfantes,
e ao vê-los amorosos e
transidos em torno,
o sagrado terror converto em
jubilação.
Seu grão de angústia amor já me oferece
na
mão esquerda. Enquanto a outra acaricia.
os
cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o
mistério que além faz os seres preciosos
a
visão extasiada.
Mas, porque me tocou um amor
crepuscular,
Há que amar diferente. De uma
grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E
talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor
doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto
meus despojos
e estou vivo na luz que baixa
e me confunde.
(1) (2) Carlos
Drummond de Andrade,
in: Poesia Completa e Prosa
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