quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O curioso caso de Benjamin Button de F. Scott Fitzgerald


O curioso caso de Benjamin Button de F. Scott Fitzgerald


I
Em 1860, era correto nascer em casa. Porém naquele ano, por isso estou lhes informando, os deuses médicos decretaram que o primeiro grito dos nenês deveria ser proferido após respirarem o puro ar de um hospital, de preferência um da moda. Então os jovens Sr. e Sra.Roger Button, sempre conectados às novidades de sua época, decidiram, em um dia de verão de 1860, que seu primeiro bebê deveria nascer em um hospital. Se este anacronismo teve qualquer incidência sobre a assombrosa história que estou prestes a lhes contar nunca será deveras conhecido.


Vou lhe dizer o que ocorreu, e deixar que você julgue por si mesmo.  Roger Button tinha uma posição invejável, tanto social como financeira, em Antebellum, Baltimore. Ela se relacionava bem com todas as famílias da cidade, que, conforme cada habitante do sul sabia, com sua enorme nobreza, queria aumentar a grande densidade populacional da confederação. 

Esta foi a sua primeira experiência com o antigo costume de ter bebês e o Senhor Button estava naturalmente nervoso. Ele esperava que fosse um menino para que ele pudesse enviar para Yale College, em Connecticut, instituição que o próprio Sr. Button frequentara e onde fora conhecido, por quatro anos, pelo apelido de "Manguito". 

Na manhã de setembro, consagrada ao enorme evento, ele se levantou nervosamente às seis horas, vestiu-se, ajustando sua bengala, e saiu apressado pelas ruas de Baltimore para o hospital, para determinar o que as trevas da noite tinham gerado de novo em seu peito.

Quando estava cerca do Hospital Privado de Maryland para Senhoras e Senhores, viu o doutor Keene, o médico da família, descendo as escadas, esfregando as mãos, - num gesto habitual a todos os médicos, numa regra não escrita dessa profissão. 

 O Sr. Roger Button, o presidente do Roger Button & Co. Atacado e ferramentas, começou a correr na direção ao Doutor Keene com muito menos dignidade do que era esperado de um cavalheiro do Sul naquele pitoresco período. 

-"Doutor Keene!" ele gritou. "Ah, doutor Keene!"

O clínico ouviu, olhou ao redor, e ficou à espera, com uma expressão dura na face, como descreveu o Sr. Button quando contou a história mais tarde.

-"O que aconteceu?" perguntou o Sr. Button, cuja respiração estava acentuada pelo esforço que fizera. "O que foi? Como é que ela está" Um menino? Que é? Que --- "
-"Fale claramente!" disse o Doutor Keene. Ele parecia um pouco irritado. 

-"E a criança, nasceu?" implorou o Sr. Button.

Doutor Keene respondeu de cara amarrada. 
-"Sim, eu suponho que sim." Novamente jogou um olhar intrigante sobre o Sr. Button. 

-"E a minha esposa, ela está bem?" 

- “Sim".

-"É um menino ou uma menina?" 

- “Vou pedir-lhe para ir e ver por si mesmo!" respondeu o Doutor Keene irritado. “Que escândalo! ---” Ele disse a última palavra em quase uma sílaba, e se afastou balbuciante:

-"Você calcula como um caso como este irá arruinar minha reputação profissional?” 

-"Qual é o problema?" respondeu o Sr. Button horrorizado."Trigêmeos?" 
-"Não, não!" responde o médico sarcasticamente. "Além do mais, você pode ir e ver por si mesmo. E arranje outro médico. Faço parto há muitos anos, meu jovem, e tenho sido o médico de sua família por mais de quarenta anos, mas agora estou até aqui com o senhor! Não quero mais vê-lo nem a qualquer um de seus parentes, nunca mais! Adeus!" 

Ele virou-se bruscamente, e sem outra palavra entrou em seu carro, que estava à sua espera no meio-fio, e foi-se embora. 
O Sr. Button ficou ali, sobre a calçada, estupefato, tremendo da cabeça aos pés. Que horrível acidente teria acontecido? Ele tinha perdido, de repente, todo o desejo de ir para o Hospital Privado de Maryland para Senhoras e Senhores – e foi com a maior dificuldade que, num momento posterior, obrigou-se a andar e entrar pela porta da frente. 

Uma enfermeira estava sentado atrás de um balcão, na escuridão da sala. Engolindo sua vergonha, o Sr. Button aproximou dela. 
-"Bom-dia", comentou ela, olhando para ele agradavelmente. 
-"Bom-dia. - Eu sou o Sr. Button."

Nisso um olhar de terror espalhou-se ao longo da cara da moça. Ela se pôs em pé e parecia prestes a voar a partir do hall de entrada, contendo-se porém com a maior dificuldade. 

-"Eu quero ver meu filho", disse o Sr. Button.

A enfermeira deu um pequeno grito. 
-"Ah - é claro!" Ela exclamou histericamente. "Lá em cima. À direita, em cima!" 

Ela apontou a direção, e o Sr. Button, banhado em suor, se virou hesitantemente, e começou a subir para o segundo piso. Na parte superior do salão ele abordou uma outra enfermeira que aproximou dele, com uma bacia na mão. 

-"Eu sou o Sr. Button", ele conseguiu articular. "Eu quero ver o meu---” 

Ban! A bacia caiu no chão fazendo um imenso barulho e rolou na direção das escadas. Ban! Ban fez a bacia, partilhando o grande terror que provocou a pergunta deste cavalheiro. 
-"Eu quero ver meu filho!" disse o Sr. Button quase gritando. Ele estava beira do colapso. 

Ban! A bacia atingiu o primeiro andar. A enfermeira recuperou o controle de si mesma, e jogou ao Sr. Button um olhar de desprezo. 
-"Tudo bem, Sr. Button", ela concordou com uma voz mais calma. "Muito bem! Mas se você soubesse em que estado todos nós ficamos nesta manhã! É absolutamente escandaloso! O hospital nunca se livrará do fantasma dessa reputação após ----” 

-"Depressa!" ele gritou com voz rouca. "Eu não posso suportar isso!" 

-"Venha, então, Sr. Button". 

Ele arrastou-se atrás dela. No final de um longo corredor atingiram uma sala a partir do qual partia uma variedade de uivos - na verdade, uma sala que, mais tarde teria sido conhecida como a "sala do choro." Eles entraram. 

-"Bem", disse o Sr. Button arfando", qual é meu?" 

-"Ali!" disse a enfermeira. 

Os olhos do Sr. Button seguiram a direção apontada pelo dedo, e é isso que ele viu. Envolto em um lençol branco volumoso, e parcialmente abarrotado num dos berços, um velho aparentemente com cerca de setenta anos de idade. Seu cabelo era branco e ralo, e do seu queixo saia uma longa barba cor de fumo, que absurdamente balançava para frente e para trás, mexendo-se com a brisa que vinha da janela. Ele olhou perplexo para o Sr. Button com olhos opacos. 

-"Sou eu um louco?" trovejou o Sr. Button, com seu terror transformado em raiva. "É esta alguma piada medonha deste hospital? 
-” Não se afigura como uma piada para nós", respondeu a enfermeira severamente. "E não sei se você está louco ou não - mas esse é certamente seu filho. “

Um suor frio escorreu pela testa do Sr. Button. Ele encerrou seus olhos e, em seguida, abrindo-os, olhou novamente. Não havia nenhum erro - ele estava vendo um homem de sessenta anos ou melhor um bebê de sessenta anos, um bebê cujos pés estavam dependurados ao longo dos lados do berço em que fora depositado. 

O velho homem olhou placidamente por um momento, e então falou com uma voz de taquara rachada. 
-”Você é meu pai?" Ele perguntou veementemente. ”Porque se você for", prosseguiu com o velho rabugentamente, "desejo que me tire logo deste lugar - ou, pelo menos, leve-me para uma cadeira de balanço mais confortável. "

-"Da onde, em nome de Deus, você veio? Quem é você?” explodiu o Sr. Button freneticamente. 

-”Eu não posso lhe dizer exatamente quem eu sou", responde o ranzinza lastimando-se, "porque eu só nasci há poucas horas, mas o meu último nome é certamente Button”.

-"É mentira! Você é um impostor!”

O velho virou-se cansadamente para o enfermeiro. 
-"Boa forma de saudar um recém-nascido”, queixou-se com uma voz fraca." Diga a ele que ele está errado, por favor!"

-"O senhor é que está errado, Sr. Button", disse a enfermeira severamente. "Esta é a sua criança, e você terá que fazer o melhor dela. Gostaríamos de pedir-lhe para levá-lo para casa, logo que possível.” 

-"Para casa"? repetiu o Senhor incrédulo Button. 

-"Sim, não podemos mantê-lo aqui. Nós realmente não podemos, certo?" 

- “Eu ficaria bem contente," lamentou-se o velho homem. "Este é um excelente lugar para manter um adolescente. Com toda essa gritaria e barulho, não tenho sido capaz de dormir nem tirar uma soneca. E quando eu pedi alguma coisa para comer "- aqui sua voz subiu para uma nota de protesto estridente -"eles me trouxeram uma garrafa de leite!” 

Sr. Button, despencou em cima de uma cadeira perto de seu filho e ocultou sua face em suas mãos. 

-"Meu Deus!" murmurou ele, em um êxtase de horror."O que dirão de mim? O que devo fazer?" 

-"Você vai ter que levá-lo para casa", insistiu a enfermeira - "imediatamente!" 
Uma imagem grotesca formou-se com clareza terrível ante os olhos do homem torturado - uma foto de si mesmo andando a pé pelas ruas apinhadas da cidade, com esta terrível aparição perseguindo-o ao seu lado. 

-"Eu não posso. Não posso," ele lamentou-se.

Pessoas iriam parar para falar com ele, e o que ele iria dizer? Ele teria de introduzir este - este septuagenário, dizendo: 
-"Este é meu filho, nascido esta manhã.”
E então o velho envolto em seu cobertor iria arrastar-se, passando pelas movimentadas lojas, pelo mercado de escravos - por um instante Sr. Button desejou ardentemente que seu filho fosse negro - pelas luxuosas velhas casas do distrito residencial, pelo velho lar da terceira idade .... 

-"Venham! Controlem-se", comandou o enfermeiro. 
-"Veja bem", anunciou o velho homem, de repente, "Se você acha que eu vou para casa neste cobertor, você está totalmente enganado." 
-"Os bebês sempre são enrolados em cobertores". 

Com um movimento malicioso, o velho mostrou seu vestuário branco de faixas. 
-"Olhem!" tremulou ele. "Isto é o que vocês tinham preparado para mim”. 
-"Os bebês sempre usam isso", disse a enfermeira com precisão. 
-"Bem", disse o velho”, este bebê, não vai estar vestido em cerca de dois minutos. Esse cobertor coça. Eles deveriam pelo menos ter me dado um lençol limpo." 

O Sr. Button então perguntou, virando-se para o enfermeiro. 
-"O que devo fazer?" 

-"Vá para baixo da cidade e compre algumas roupas para o seu filho." 

A voz do filho do Sr. Button seguiu-o pela a sala: 
-"E uma bengala, pai. Eu quero uma bengala!” 

Sr. Button bateu a porta de fora de forma selvagem. 


“Bom-dia," disse o Sr. Button nervosamente, ao balconista na Chesapeake Dry Goods Company. 
-"Eu quero comprar algumas roupas para a minha criança". 
-"Que idade tem o seu filho, senhor?" 

-"Cerca de seis horas", respondeu o Sr. Button, sem a devida convicção. 
-"O departamento de bebes fica nos fundos”.

-"Mas, pensando bem, não é bem isso o que eu quero. Ele é 
invulgarmente maior que as crianças da sua idade. Excepcionalmente – ah, grande.” 

-"Lá eles têm roupas para crianças de tamanho grande." 

-"Onde está o departamento de rapazes?" perguntou o Sr. Button, remexendo-se desesperadamente. Ele achou que o balconista devia, com certeza, ter sentido o perfume do seu vergonhoso segredo. 

-"Bem aqui." 

-"Bem ----" Ele hesitou. A idéia de vestir o seu filho com roupas de homens adultos era repugnante para ele. Se, digamos, talvez ele poderia torná-lo um menino, cortando a sua barba longa e terrível, pintar de castanho seu cabelo branco e, assim, conseguir esconder o pior, para manter algo de seu próprio auto-respeito - para não mencionar a sua posição na sociedade de Baltimore. 

Mas uma frenética inspeção no departamento dos meninos não revelou roupas para colocar no recém-nascido Button. Ele culpou a loja, obviamente --- em tais casos, é a melhor coisa a se fazer. 
-"Quantos anos você disse que o rapaz tem?" indagou o balconista curiosamente. 
-"Ele tem - dezesseis." 

-"Oh, eu peço perdão. Pensei que você disse seis horas. Você encontrará o departamento dos jovens no próximo corredor." 
Sr. Button foi lastimosamente para lá. No caminho ele parou, alegre, e apontou na direção de um manequim vestido. 

-"É isso!" ele exclamou. "Eu vou levar essa roupa, que está sobre o manequim." 
O balconista fitou-o estarrecido. 
-"Por que", protestou ele, "isso não é uma roupa de criança. Só se for uma fantasia. O senhor mesmo poderá usá-la!” 

-"Embale-a", insistiu o cliente nervosamente. "É isso o que eu quero." 
O empregado espantado obedeceu. Voltando ao hospital, o Sr. Button entrou no berçário e atirou o pacote a seu filho. 
-"Aqui está a sua roupa." 

O velho abriu o pacote e visualizou o conteúdo com um olhar zombeteiro. 
-"Ela parece engraçada", queixou-se, "Eu não quero parecer um macaco." 

-"Você já fez de mim um macaco!" replicou o Sr. Button ferozmente. "Você não imagina quão engraçado você se parece. Coloque-as - ou eu vou - ou vou espancar você. "Ele disse isso com dificuldade, com a sensação,  no entanto, que era uma boa coisa para se dizer.

-"Tudo bem, pai." – falou o velho com uma grotesca simulação de respeito filial "Você já viveu mais, sabe melhor. Vou fazer tal como o senhor diz."

O som da palavra "pai" dita por aquela pessoa causou repugnância ao Sr. Button. 

-"E rápido".

-"Estou correndo, pai". 

Quando o seu filho estava vestido Sr. Button olhou ele com depressão. O traje consistia de meias pontilhadas, calça rosa, uma blusa com um grande colarinho branco e um cinto. Sua barba ia quase até a cintura. A aparência não era boa. 

-"Espere!" 
Sr. Button pegou uma tesoura e com três cortes rápidos aparou grande parte da barba. Mas mesmo com esta melhoria o conjunto ficou longe da perfeição. O restante do confuso cabelo, os olhos opacos, os dentes amarelados, pareciam estranhamente fora de tom. O Sr. Button, no entanto, estava firme e estendeu sua mão. 
-"Venha!" disse com severidade. 

Seu filho pegou sua mão confiante. 
-"Que nome você vai me dar, papai? "Ele perguntou quando eles caminharam no jardim do hospital -" apenas baby até quando?" Até que você ache de um nome melhor? " 

Sr. Button rosnou. 
-"Não sei", respondeu duramente. "Eu acho que Matusalém lhe cairia bem." 

Mesmo após a nova mudança feita quando ele chegou em casa: de cortar seus cabelos e, em seguida, tingi-los desnaturalmente de preto; barbeá-lo, deixando-o com o rosto brilhante e vestindo-o como um menino pequeno, com roupas feitas sob encomenda por um alfaiate boquiaberto, foi impossível para os Buttons ignorar o fato de que seu filho era estranho. 
Apesar de sua idade, Benjamin Button - pois foi com esse nome ele deu-se, em vez do adequado mas desagradável Matusalém - tinha cinco pés e oito polegadas de altura (1.72m). Suas roupas não escondiam isso, nem o recorte e o tingimento das suas sobrancelhas disfarçava o fato dele ter os olhos desbotados e cansados. Na verdade, a enfermeira que tinha sido contratada com antecedência deixou a casa depois de vê-lo por uma vez, num estado de total indignação. 

Mas o Sr. Button persistiu firme no seu propósito. Benjamin era um bebê, e assim ele deveria permanecer. Primeiro o pai declarou que se Benjamin não gostasse de leite quente ele deveria ficar sem alimento nenhum, mas finalmente permitiu que fosse dado a seu filho, pão com manteiga e mingau de aveia. Um dia ele trouxe para casa um guizo e, dando-o a Benjamin, insistiu, em termos inequívocos, que ele deveria brincar com ele. O velho homem pegou o sininho com uma expressão cansada e pode-se ouvi-lo tinindo obedientemente em intervalos, durante todo o dia.

Não pode haver dúvida, porém, que o chocalho o entediou, e que ele encontrou outras diversões melhores quando era deixado sozinho. Para exemplo, o Sr. Button descobriu um dia que, durante a semana anterior, ele tinha fumado charutos - um fenômeno, que foi percebido alguns dias mais tarde, quando o pai entrou no quarto do menino inesperadamente, e encontrou a sala cheia de névoa azul. A expressão de Benjamin já o denunciava, sendo que ele tentava esconder a ponta de um escuro Havana.

Isto, naturalmente era grave e pedia uma palmada, mas o Sr. Button chegou à conclusão que não podia administrá-la. Ele apenas alertou o seu filho de que isso poderia "prejudicar seu crescimento." 

No entanto o pai continuava a ver seu filho como um menino. Ele trouxe para casa soldados de chumbo, trens de brinquedo, grandes e agradáveis animais feitos de algodão, e, para aprimorar a ilusão que ele era pequeno, ele apaixonadamente discutiu com o caixeiro na loja de brinquedos se "a pintura do pato rosa poderia ou não sair se o bebê o colocasse na boca." Apesar de todos os esforços do seu pai, Benjamin se recusou a se interessar pelos brinquedos. Um dia ele desceu as escadas e voltou ao seu quarto com um volume da Enciclopédia Britânica, sobre a qual se concentrou durante toda à tarde, enquanto as suas vacas de algodão e sua arca de Noé ficaram negligenciadas no chão. 

Contra tal teimosia, os esforços do Sr. Button foram de pouco proveito. A sensação em Baltimore, no início, foi prodigiosa. Que problema social isso poderia ter custado aos Buttons e aos seus parentes, mas isso não pode ser determinado, pois a eclosão da Guerra Civil, chamou a atenção para outras coisas. Algumas pessoas mais educadas procuraram incessantemente em seus cérebros algo gentil para dizer aos pais - e finalmente acharam algo: declarar que o bebê era parecido com seu avô, um fato que, devido ao estado normal de decaimento comuns a todos os homens de setenta, não podia ser negado. Sr. e Sra. Roger Button não gostaram do cumprimento, e o avô de Benjamin era então furiosamente insultado. 

Benjamin, uma vez que saiu do hospital, teve uma boa vida. Diversos pequenos meninos foram levados a vê-lo uma vez, e ele passou uma tarde brincando com piões e bolinhas de gude -, tendo ele mesmo, muito acidentalmente, quebrado a janela da cozinha com uma pedra a partir de um estilingue, uma proeza que secretamente encantou seu pai.

Posteriormente Benjamin planejou quebrar alguma coisa todos os dias, mas fez estas coisas só porque isso se esperava dele, e porque ele era, por natureza, muito cortês. 

Quando o antagonismo inicial de seu avô se dissipou, Benjamin e ele tiveram enorme prazer em estarem um com o outro. Se sentavam por horas, estes dois, tão distantes quanto à idade e experiência, e, como velhos amigos, discutiam com incansável monotonia os eventos do dia. Benjamin se sentia mais à vontade na presença do seu avô que do que do seu pai – que parecia sentir sempre medo dele, e que, apesar da autoridade ditatorial que exerciam sobre o recém-nascido, com freqüência abordavam-no por "Sr."

Benjamin ficou tão perplexo como qualquer outra pessoa sobre sua idade avançada e aparência no momento do nascimento que tentou ler sobre isso em revistas médicas, mas descobriu que nenhum caso havia sido estudado anteriormente. 
De tanto seu pai insistir, ele tentava honestamente brincar com outros meninos, e freqüentemente ingressava em jogos leves - futebol era duro demais para ele, pois temia que, no caso de uma fratura, seus antigos ossos se recusariam de se juntar novamente. 
Quando tinha cinco, foi enviado ao jardim de infância, onde iniciou-se na arte de colar tiras laranja sobre papeis verdes, de fazer tecelagem colorida e fabricar colares com miçangas. Ele estava inclinado a cochilar no meio a essas tarefas, um hábito que tanto irritou e assustou sua jovem professora. Para seu alívio ela se queixou a seus pais, e ele foi retirado da escola. Roger Button disse a seus amigos que a professora dissera que seu filho era demasiado jovem para freqüentar a escola. 

Quando fez doze anos, seus pais haviam se acostumado com ele e já não achavam que ele era diferente de qualquer outra criança - exceto quando alguma curiosa anomalia os lembrava da realidade. Poucas semanas após o seu décimo segundo aniversário, se olhando no espelho, Benjamin fez, ou pensou que fez, uma surpreendente descoberta. Será que seus olhos o enganavam, ou o cabelo virou na dúzia de anos de sua vida de cor branca a cinza-ferro, sob a sua dissimulação da tintura? E que a rede de rugas estava cada vez menos pronunciada? E que a sua pele parecia saudável e firme, com até mesmo um toque de cor avermelhada de inverno? Ele não podia dizer. Ele sabia que ele estava mais ereto, e que a sua condição física tinha melhorado desde seus primeiros dias de vida. 

-"Pode ser?" ele pensou para si próprio, ou seja, praticamente não se atreveu a pensar. Foi então ver seu pai e lhe disse. "Eu estou crescido", anunciou com determinação. "Eu desejo usar calças compridas." 

Seu pai hesitou. 
-"Bem", ele disse finalmente, "eu não sei. Quatorze é a idade certa para se começar a usar calças compridas - e você está com apenas doze." 

-"Mas você tem de admitir", protestou Benjamin, "que sou grande para a minha idade." 

Seu pai olhou para ele com ilusória especulação. "Oh, eu não tenho tanta certeza assim, "ele disse." Pois acho que eu era tão grande como você quando eu tinha doze." 

Isto não era verdade. Mas era parte de Roger Button acreditar que seu filho era normal. Finalmente foi alcançado um acordo. Benjamin continuaria a pintar o seu cabelo e tentaria mais uma vez brincar com os meninos de sua própria idade. Ele não estava mais usando óculos nem precisando usar a bengala quando ia andar na rua. 

Em troca destas concessões, foi permitido a ele ter suas primeiras calças compridas. 


Sobre a vida de Benjamin Button, entre o seu décimo segundo e vigésimo primeiro ano tenciono dizer pouco. Basta registrar que foram anos de descrescimento normal. Quando Benjamin fez dezoito, ele estava ereto como um homem de cinqüenta e tinha mais cabelo e sua cor era cinza escuro. Seu passo era firme, sua voz tinha perdido o tom requebrado e desceu para um saudável barítono. Então, seu pai lhe enviou a Connecticut para ele fazer os exames para ingresso no Yale College. Benjamin passou na prova e se tornou um calouro.

No terceiro dia após a sua matrícula, ele recebeu uma notificação do Sr. Hart, o secretário do colégio, para se reunir a ele ao seu escritório e organizar seu calendário. Benjamin se olhou no espelho e viu que seu cabelo precisava de uma nova aplicação da tintura marrom, mas após uma ansiosa inspeção na gaveta de seu armário ele percebeu que a garrafa não estava lá. Então ele se lembrou que tinha a esvaziado no dia anterior e jogado-a fora. 
Ele estava com um dilema. A entrevista com o secretário era em cinco minutos. 

Como não teve melhor idéia, resolveu ir como estava. 
-"Bom-dia", disse o secretário educadamente. "Você veio para indagar sobre seu filho." 

-"Bem, realmente, o meu nome é Button ----" começou Benjamin, mas o Sr. Hart não o deixou continuar e retrucou:

-"Estou muito feliz em conhecê-lo, Sr. Button. Estou esperando o seu filho aqui a qualquer minuto.” 

-"Ele sou eu!" falou Benjamin. "Eu sou o novato." 

-"O que?"

-"Sou o calouro." 

-"Certamente você está brincando."

-"De jeito nenhum."

O secretário olhou de relance para a ficha que tinha em sua frente. "Por que aqui diz que o Sr. Benjamin Button tem dezoito anos." 

-"Essa é a minha idade", afirmou Benjamin, ligeiramente ruborizado. 
O secretário olhou aborrecido para ele. 
-"Agora, certamente, Sr. Button, você não espera que eu acredite nisso." 
Benjamin sorriu abatido. 
-"Eu tenho dezoito anos", ele repetiu. 

O secretário apontou firmemente à porta. 
-"Saia daqui!", disse ele. "Saia do colégio e da cidade! Você é um louco perigoso!" 

-"Estou com dezoito". 
Sr. Hart abriu a porta. 
-"Que idéia!" gritou. "Um homem de sua idade tentando entrar aqui como um calouro. Dezoito anos? Bem,vou te dar dezoito minutos para sair da cidade!" 

Benjamin Button saiu da sala com dignidade, e meia dúzia estudantes, que estavam à espera no hall de entrada, o seguiram curiosamente com os seus olhos. Após ter se afastado um pouco, virou-se e, confrontou mais uma vez o furioso secretário, que ainda estava de pé na porta, e repetiu em uma voz firme: 
-"Tenho dezoito anos de idade." 

Benjamin ainda passou por um coro de risadas dado por um grupo de estudantes. Mas ele não estava fadado a escapar tão facilmente. Em sua melancolia, a pé, até estação ferroviária, foi seguido por um grupo, que parecia um enxame, e finalmente por uma densa massa de estudantes. O diz-que-diz-que de que um lunático havia passado os exames de Yale e tentara se passar por um jovem de dezoito anos se espalhou depressa. Uma forte emoção se espalhou na faculdade. Os homens correram sem chapéu para fora das salas de aulas. A equipe de futebol abandonou sua prática e aderiu à multidão. As esposas dos professores com gorros tortos vinham por trás do tumulto, gritando. Daquela estranha procissão ouvia-se uma sucessão contínua de observações que visavam ferir a sensibilidade de Benjamin Button. 

-” Ele deve ser o judeu errante!”

-” Ele devia ir para uma escola própria para sua idade!”

-” Olhe a criança prodígio!”

-"Vá até Harvard!" 

Benjamin aumentou a velocidade de sua marcha, e logo estava correndo. Ele iria mostrar-lhes! Ele poderia ir para Harvard e, em seguida, iria responder a estes imponderados insultos! 

Seguro a bordo do trem para Baltimore, colocou sua cabeça para fora da janela. "Vocês vão se arrepender!" gritou. 

-"Ha-ha!" os estudantes riram. "Ha-ha-ha!" Foi o maior erro que Yale College já fez.


Em 1880, Benjamin Button fez vinte anos, e marcou seu aniversário, indo trabalhar para seu pai em Roger Button & Co. Atacado de Ferramentas. Foi nesse mesmo ano que ele começou a "sair socialmente"- isto é, o pai insistiu em levá-lo a vários lugares da moda para dançar. Roger Button tinha agora cinquenta, e ele e seu filho ficaram mais parecidos - na verdade, uma vez que Benjamin tinha parado de passar tintura no cabelo (que ainda eram cinzentos) pareciam que tinham a mesma idade, e podiam passar por irmãos.

Uma noite em agosto, pegaram sua carruagem, vestiram-se elegantemente e foram a um baile na casa de campo dos Shevlins, situada nos arredores de Baltimore. Era uma linda noite. A lua cheia encharcava a estrada com uma cor branca platinada opaca, e o vento espalhava o aroma das flores. Viam-se nos campos, translúcidos como de dia, bastões luminosos de trigo em flor: era quase impossível não ser afetado pela beleza do ambiente. 

-"Há um grande futuro nos negócios com panos e aviamentos", disse Roger Button. Ele não era um homem espiritual e seu senso estético era rudimentar.

-"Velhos camaradas como eu não podem aprender novos truques", ele observou profundamente. "Você é jovem com energia e vitalidade, com um grande futuro à sua frente." 

Ao longe se via as luzes da casa dos Shevlins, e ouvia-se um tênue som que voava persistentemente até eles: poderia ter sido a queixa de violinos sussurrando ou o farfalhar do trigo cor de prata sob a lua. Eles pararam atrás de uma bela carruagem puxada por cavalos cujos passageiros já estavam desembarcando. Dela saíram uma senhora, um senhor idoso, e em seguida, uma moça, linda como pecado. Benjamin teve imediatamente uma alteração química que parecia dissolvê-lo por inteiro e que imediatamente recompôs todos os elementos do seu corpo. Sua severidade se anulou, o sangue subiu para as bochechas, e um zumbido tiniu em seus ouvidos. Foi amor à primeira vista. A menina era magra e frágil, com cabelo pálido sob a lua e cor de mel sob as luzes de gás da varanda. Ao longo do seu ombro havia uma mantilha espanhola com tons suaves de amarelo e negro e seus pés formavam brilhantes botões na orla do seu vestido. 

Roger Button inclinou-se para o seu filho e disse:
-"Essa", disse ele, "é a jovem Hildegarde Moncrief, filha do general Moncrief”. 

Benjamin inclinou a cabeça friamente. 
-"Ela é bonitinha", disse ele demonstrando indiferença.

Mas quando o menino negro levou a carruagem, acrescentou: 
-"Pai, você poderia me apresentar a ela.” 

Eles abordaram um grupo, do qual a Miss Moncrief era o centro. Criados na antiga tradição, ela abaixou a cabeça ante Benjamin. Sim, ela poderia lhe dar uma dança. Ele agradeceu-lhe e saiu comovido. 

O intervalo de tempo que ele teve de esperar até chegar sua vez foi infinito e longo. Ele ficou próximo da parede, silencioso, impenetrável, olhando com olhos assassinos os jovens de Baltimore, que se moviam em redemoinho em volta de Hildegarde Moncrief, com apaixonada admiração. Seus bigodes encaracolados marrons despertaram nele um sentimento equivalente à indigestão. Como insolentes eles pareciam a Benjamin e ela intoleravelmente auspiciosa! 

Mas quando a sua hora chegou, e eles começaram a dançar a última valsa de Paris, seu ressentimento e ansiedade derreteram-se como um manto de neve. Cego de encantamento, ele sentia que a vida estava apenas começando. 

-"Você e seu irmão chegaram aqui de carruagem, tal como nós fizemos, não é mesmo?" perguntou Hildegarde, olhando-se para ele com olhos que eram azuis, brilhantes como esmalte. Benjamin hesitou. Se ela chamava seu pai de seu irmão, não seria melhor esclarecê-la? Ele lembrou da sua experiência em Yale, e resolveu não fazê-lo. Seria indelicado contradizer uma senhora. Seria uma pena estragar esta ocasião requintada com a grotesca história da sua origem. Mais tarde, talvez. Então ele inclinou a cabeça, sorriu, ouviu, estava feliz. 

-"Eu gosto de homens de sua idade", disse ele Hildegarde. --"Os rapazes são tão idiotas. Contaram-me o quanto eles bebem champanhe na faculdade, e quanto dinheiro perdem jogando cartas. Os homens da sua idade sabem apreciar as mulheres." 

Benjamin sentiu-se à beira de pedir-lhe em casamento naquela hora, e foi com muito esforço que ele bloqueou esse o impulso. 
-"Você está na idade mais romântica que há", ela continuou - "cinqüenta. Vinte e cinco é demasiado pouco-sábio; com trinta o homem está apto a se matar de trabalhar, quarenta é a idade de longas histórias, que sempre são acompanhadas por um charuto; sessenta é - oh, é demasiado perto de sessenta, mas é cinquenta a melhor idade. Adoro cinqüenta." 

Cinqüenta parecia a Benjamin uma idade gloriosa. Ele desejava apaixonadamente ter cinqüenta.

-"Eu sempre digo isso." disse Hildegarde "Que eu prefiro me casar com um homem de cinquenta e ser cuidada por ele do que me casar com um homem de trinta e ter de cuidar dele.” 

Para Benjamin o resto da noite foi banhada em uma névoa cor de mel. Hildegarde deu-lhe mais duas danças, e eles descobriram que concordavam maravilhosamente bem sobre todas as questões do dia a dia. Ela iria se encontrar com ele novamente no próximo domingo, e eles poderiam discutir todas estas questões ainda mais. 
Indo para casa em sua carruagem antes da nascer do sol, quando se ouviam o barulho das abelhas zunindo e uma lua pálida brilhava no frio orvalho, Benjamin sabia vagamente que seu pai estava discutindo grandes vendas de ferramentas.

-".... E o que você acha que deve merecer a nossa maior atenção após martelos e pregos? " o ancião Button perguntou.

-"Amor", respondeu Benjamin com a mente vagando longe. 

-"Motor? " exclamou Roger Button, "Mas eu não entendo nada de mecânica."

Benjamin olhou deslumbrado para ele, assim como o céu no nascente subitamente se abriu em luz, e um pássaro assobiou de forma comovente no despertar das árvores. 


6
Quando, seis meses depois, o envolvimento da Miss Hildegarde Moncrief com o Sr. Benjamin Button foi conhecido (digo "dado conhecimento", pois o General Moncrief declarou que ele preferiria cair sobre a espada a ter que anunciá-lo), a excitação na sociedade de Baltimore foi imensa. A história do nascimento de Benjamin já quase esquecida foi relembrada e dita aos quatro ventos. Diziam que Benjamin era realmente pai de Roger Button, ou que ele era seu irmão que havia estado na prisão por quarenta anos. Que ele era John Wilkes Booth disfarçado - e, finalmente, que tinha dois pequenos chifres brotando de sua cabeça.

Os suplementos de domingo do jornal de New York mostravam esboços fascinantes que mostravam a cabeça de Benjamin Button anexada a um peixe, ou a uma cobra, e, finalmente, a um corpo de latão. Ele se tornou conhecido, através dos jornais, como o Misterioso homem de Maryland. Mas a verdadeira história, como é normalmente o caso, era dita por poucas pessoas.

Todos concordavam com o General Moncrief de que era "criminoso" para uma linda menina que poderia ter se casado com qualquer homem em Baltimore, se jogar nos braços de um que tinha seguramente cinqüenta anos.
Em vão o Sr. Roger Button publicou a certidão de nascimento do filho em grandes caracteres na Gazeta de Baltimore. Ninguém acreditava. Era só olhar para Benjamin e ver. 

Da parte das duas pessoas envolvidas no problema, não havia dúvidas. Assim como muitas das notícias sobre seu noivo eram falsas Hildegarde se recusava obstinadamente a acreditar até mesmo na verdade. Em vão o General Moncrief salientou a elevada taxa de mortalidade entre os homens de cinqüenta - ou, pelo menos, entre os homens que pareciam cinqüenta; em vão ele disse a ela sobre a instabilidade do grosso das empresas de ferramentas. Hildegarde tinham escolhido se casar com maturidade, e assim ela o fez.


Em um ponto, pelo menos, os amigos de Hildegarde Moncrief tinham se enganado. O negócio de ferramentas prosperou espantosamente. Após quinze anos do casamento de Benjamin Button, em 1880, na época da aposentadoria do pai em 1895, a família tinha duplicado sua fortuna - e isto foi devido, em grande parte, ao mais jovem membro da empresa. 

Não se pode deixar de dizer que, eventualmente, após esse fato, Baltimore recebeu o jovem em seu peito. Até mesmo o velho General Moncrief reconciliou-se com o seu genro Benjamin quando este lhe deu o dinheiro para publicar a sua História da Guerra Civil em vinte volumes, enciclopédia essa que tinha sido recusada por nove proeminentes editores.

Em quinze anos Benjamin também mudou muito. Parecia a ele que seu sangue fluía com novo vigor através de suas veias. Ele começou a sentir prazer em se levantar de manhã, de andar com passo ativo ao longo da rua movimentada e ensolarada, de trabalhar infatigavelmente com as expedições de carga de seus martelos e pregos. Foi em 1890 que ele obteve sua maior vitória nos negócio: ele propôs que todos os pregos a serem utilizados nas caixas de pregos, deveriam ser de propriedade da companhia que produzia os pregos, uma proposta que se tornou lei pois foi aprovada pelo Chefe do Tribunal da Justiça, e garantiu a Roger Button e Companhia, Atacado de Ferramentas, a venda de muitos pregos a cada ano. 
Além disso, Benjamin descobriu que ele estava se tornando mais e mais atraído pelo lado alegre da vida. Era típico seu crescente entusiasmo pelo prazer e ele foi o primeiro homem na cidade de Baltimore a possuir e a usar um automóvel. Encontrando-o na rua, seus contemporâneos invejosamente olhavam para ele esbanjando saúde e vitalidade. 

-"Ele parece estar a ficar cada ano mais jovem", eles observavam. E se o velho Roger Button, agora com sessenta e cinco anos de idade, não deu as melhores boas-vindas a seu filho quando ele nasceu, finalmente ele reparou o seu erro a prover sobre ele ascendente adulação. 

Chegamos agora a um assunto desagradável que vamos atravessar o mais rapidamente possível. Havia apenas uma coisa que deixava Benjamin Button preocupado. Sua mulher tinha deixado de atraí-lo.

Nessa altura Hildegarde era uma mulher de trinta e cinco, com um filho, Roscoe, de quatorze anos de idade. Nos primeiros anos de casamento, Benjamin tinha adoração a ela. Mas, à medida que os anos se passaram, seu belo cabelo cor de mel se tornou de um tom marrom calmo, o azul esmalte dos seus olhos assumiu um aspecto de louça barato. E por outro lado, e, acima de tudo, ela se tinha tornado muito calma, muito tranquila, muito anêmica na sua excitação, e muito sóbria no seu gosto. Enquanto noiva ela tinha sempre "arrastado" Benjamin para bailes e jantares. Agora a condição se inverteu. Ela saia socialmente com ele, mas sem entusiasmo, em plena inércia de viver e de permanecer junto até o fim.

O descontentamento de Benjamin porém encerou-se. Quando a Guerra Hispano-Americana estourou em 1898 sua casa não tinha mais qualquer interesse para que ele, e ele decidiu aderir ao exército. Com a influência de seu negócio ele obteve um cargo de capitão, e se provou tão adaptado ao trabalho que ele logo recebeu o título de major e, finalmente, de tenente-coronel a tempo de participar da célebre batalha do Monte de San Juan. Lá ele foi levemente ferido, e recebeu uma medalha.

Benjamin incorporou tão bem a atividade e a emoção da vida militar que lamentou ter que sair delas, mas o seu negócio exigia atenção, e ele se demitiu e voltou para casa. Foi recebido na estação por uma banda e escoltado até sua casa.


Hildegarde, recebeu-o na varanda acenando uma grande bandeira de seda. Mesmo que ele a tenha beijado, sentiu seu coração naufragar e viu que estes três anos tinham tido seu preço. Ela agora era uma mulher de quarenta, com uma fraca linha cinza na raiz dos cabelos. A visão o deprimiu.

No seu quarto, viu seu reflexo no espelho e analisou a sua própria face com ansiedade, comparando-a após um momento com uma fotografia de si próprio de uniforme, tomada imediatamente antes da guerra.

-"Bom Deus!" ele disse em voz alta. O processo continuava. Não havia dúvida de que ele agora se parecia com um homem de trinta. Em vez de lhe dar prazer, ele estava receoso pois estava ficando mais jovem. Ele esperava que, quando que chegasse à idade corporal equivalente à sua idade em anos, o fenômeno grotesco que tinha marcado o seu nascimento deixaria de funcionar. Ele estremeceu. Seu destino parecia-lhe terrível e incrível. 

Quando chegou lá embaixo Hildegarde estava esperando por ele. Ela aparecia irritada, e ele perguntava se ela tinha, finalmente, descoberto que havia algo errado com ele. Foi com esforço para aliviar a tensão entre eles que abordou o assunto durante o jantar no que ele considerava uma forma delicada.

-"Bem", ele comentou com ligeireza, "todo mundo diz que eu estou ficando cada vez mais jovem." 

Hildegarde olhou para ele com desprezo. Ela fungou e disse: 
-"Você acha que isso é uma coisa de que se pode orgulhar?" 
-"Eu não estou me vangloriando", ele afirmou desconfortavelmente. Ela fungou novamente. 
-"Que idéia “, disse ela, e depois de um momento:” Eu acho que você deveria ter suficiente amor próprio para parar com isso. "

-"Como?" Ele perguntou. 

-"Não vou discutir com você", ela retrucou. "Mas há um jeito certo e um jeito errado de fazer as coisas. Se você pos na sua cabeça que você vai ser diferente de todos os outros, eu não vou mudar isso, mas realmente acho que é algo nada educado." 

-"Mas, Hildegarde, não posso fazer nada quando a isso!" 

-"Você pode sim. Você é simplesmente teimoso. Acho que você não quer ser como qualquer outra pessoa. Você sempre foi assim, e sempre vai ser. Mas basta pensar na tragédia que seria se houvessem mais pessoas que pensassem como você." 

Como este foi um argumento irrespondível e fútil, Benjamin não lhe deu nenhuma resposta, e a partir desse momento, o abismo entre eles tornou-se grande demais. Ele se perguntava como foi possível que ela já tivesse exercido qualquer fascínio sobre ele.

Para adicionar a distância entre eles, sua sede de alegria tornou-se mais forte com o novo século a sua frente. Eles iam a todas as festas da cidade de Baltimore. E ele dançava com as jovens mulheres casadas mais bonitas, conversava com as mais populares debutantes, e todas achavam sua companhia encantadora. Enquanto isso, sua esposa, uma matrona de mau presságio, ficava sentada entre as damas de companhia, com um olhar altivo de reprovação.

-"Vejam só!" as pessoas observavam. "Que pena! Um homem tão jovem vinculado a uma mulher de quarenta e cinco. Ele deve ser vinte anos mais jovem que sua esposa.” Eles tinham se esquecido - como as pessoas inevitavelmente se esquecem - que por volta de 1880 suas mamães e papais também tinham comentado sobre esse mesmo mal-pareado par”. 

A crescente infelicidade de Benjamin em casa foi compensada por seus muitos novos interesses. Ele começou a jogar golfe e fez grande sucesso nesse esporte. Ele continuava a dançar: em 1906 ele era um especialista em "The Boston" , e em 1908 ele foi considerado proficiente na "Maxine", enquanto em 1909 o seu "Walk Castelo", foi a inveja de todos os homem na cidade.

Suas atividades sociais, evidentemente, interferiram de alguma forma no seu negócio, mas depois de que ele trabalhara duramente no atacado de ferramentas por vinte e cinco anos, sentiu que poderia deixá-lo para seu filho, Roscoe, que tinha recentemente se formado em Harvard. 

Ele e seu filho eram, na realidade, muitas vezes confundidos um com o outro. Benjamin logo se esqueceu do insidioso receio que tivera no seu regresso da guerra hispano-americana, e passou a ter um muito prazer com sua aparência. Houve apenas uma mosca na sopa de seu prazer - ele odiava aparecer em público com a sua esposa. 

Hildegarde tinha quase cinqüenta, e vê-la o fazia sentir-se ridículo. 


Um dia, em setembro 1910 - alguns anos após a Roger Button & Co., Atacado de Ferramentas, ter sido entregue ao jovem Roscoe Button - um homem, aparentemente, com cerca de vinte anos de idade, entrou como calouro na Universidade de Harvard em Cambridge. Ele não cometeu o erro fatal de falar que tinha cinquenta anos, e também não mencionou o fato de que seu filho tinha se formado na mesma instituição dez anos antes. 

Foi admitido, e quase de imediato atingido uma posição proeminente na classe, em parte porque parecia um pouco mais velho do que os outros calouros, cuja média de idade era de cerca de dezoito. 
Mas seu sucesso foi em grande parte devido ao fato de que, no jogo de futebol contra Yale ele jogou de forma brilhante, com tanto afinco, sendo tão frio, e tão sem piedade que marcou sete gols e quatorze pontos para Harvard, e foi a causa de que, no total, onze homens de Yale terem que ser tirados do campo, inconscientes. Ele foi o homem que foi mais glorificado aquele dia na faculdade.

Estranho dizer, que no seu terceiro ano ele foi pouco capaz de fazer algo para a equipe. O treinador disse que ele tinha perdido peso e ele parecia, ao mais atento entre eles, que não era mais tão alto como antes. Ele não fez nenhum gol - na verdade, foi mantido na equipe na esperança de que a sua enorme reputação traria terror e desorganização à equipe de Yale. 

Em seu último ano ele não fez nada para o time. Ele ficou mais frágil e menor, tanto que um dia foi tomado por uns veteranos por calouro, incidente que o humilhou terrivelmente. Ele se tornou conhecido como um prodígio - uma sênior que não tinha mais do que dezesseis anos e frequentemente se chocava com os atos profanatórios e pagãos de alguns de seus colegas. Seus estudos pareciam muito difíceis - ele achava que eles eram muito avançados para ele. Ele tinha ouvido falar por seus colegas, sobre St. Midas, a famosa escola preparatória, na qual muitos deles tinham estudado, e ele determinou que após sua formatura, entraria nessa escola.

Após a sua formatura em 1914, ele voltou para casa em Baltimore com o diploma de Harvard no bolso. Hildegarde agora residia na Itália. Assim sendo, Benjamin passou a viver com o seu filho, Roscoe. Mas embora ele fosse saudado de uma maneira normal e formal, não houve obviamente sinceridade por parte de Roscoe quando ele dizia que estava feliz em ver seu pai de novo. Havia inclusive uma não aprovação por parte deste, de que Benjamin ficasse rodeando a casa, como sua motinho. Roscoe era casado e agora proeminente na vida de Baltimore, e não queria escândalo em relação a sua família. 

Benjamin, agora persona non grata junto às debutantes e aos jovens universitários, encontrou-se agora deixado de lado, à exceção do companhia de três ou quatro garotos de seu bairro de quinze anos de idade. Ele agora pensava em entrar na escola de segundo grau St. Midas. 

-"Diga", disse ele a Roscoe um dia, "Eu já lhe disse diversas vezes que quero estudar na escola St. Midas ".

-"Bem, tudo bem então," respondeu Roscoe breve. O assunto lhe era desagradável, e ele pretendia evitar uma discussão.

-"Eu não posso fazer isso sozinho", declarou Benjamin indefeso. "Você terá que me inscrever e me levar até lá. " 

-"Não tenho tempo para isso", declarou Roscoe abruptamente. Seus olhos se franziram e ele olhou desconfortavelmente a seu pai. "Por uma questão de ordem", acrescentou ele, "Seria melhor você não continuar com esta idéia por mais tempo. É melhor parar já. É melhor - é melhor "- ele pausou e seu rosto ruborizou-se. Ele procurou então encontrar as melhores palavras para dizer- "Vamos cortar o mal pela raiz. Isto já foi longe demais por ser uma piada. Não é mais engraçado. Você - você deve se comportar!" 

Benjamin olhou para ele, à beira das lágrimas. 

-"E outra coisa", continuou Roscoe ", quando tivermos visitas em casa quero que você me chame de 'tio' - não' Roscoe ', mas' Tio', você entendeu? Parece absurdo que um menino de quinze me chame pelo meu nome. Talvez seja melhor que você me chamar de 'tio' o tempo todo, assim você se acostuma. " 

Lançando um olhar severo para seu pai, Roscoe afastou-se. 


10 
Ao término da conversa, Benjamin subiu para seu quarto sentindo-se muito mal e fitou a si mesmo no espelho. Ele não se barbeava há três meses, mas não encontrou nem um fio de em seu rosto. Quando ele tinha chegado em casa de Harvard, Roscoe tinha proposto a ele que deveria usar óculos de lentes e imitações de suíças coladas a suas face, e parecia que tinha chegado o momento de que a farsa do início de sua vida fosse repetida. Mas os bigodes falsos coçavam e ele se envergonhava deles. Ele chorou e Roscoe relutantemente demonstrou piedade. 
Benjamin abriu um livro de histórias juvenis, Os escoteiros na Baia de Biquíni, e começou a ler. Mas encontrou-se pensando persistentemente na guerra. A América havia aderido à causa aliada durante o mês anterior, e Benjamin quis se alistar, mas, infelizmente, dezesseis era a idade mínima, e ele não parecia tão velho. A sua verdadeira idade, que era cinqüenta e sete, teria o desqualificado, de qualquer maneira.

Alguém bateu em sua porta, e o mordomo apareceu com uma carta tendo um grande símbolo oficial no canto e dirigida ao Sr.Benjamin Button. Benjamin abriu-a com entusiasmo, e leu seu conteúdo com alegria. Ela o informava que muitos oficiais da reserva, que tinham servido na guerra hispano-americana, estavam sendo chamados de volta ao serviço militar, onde poderiam servir em um cargo mais graduado, e a ele ofereciam o posto de Brigadeiro-geral do Exército dos Estados Unidos, devendo se apresentar imediatamente. 

Benjamin pulou entusiasmado. Isso era tudo o que ele queria. Pegou imediatamente seu boné, e em dez minutos, estava em uma grande alfaiataria na Rua Charles, onde pediu com sua voz aguda que tomassem suas medidas para fazerem-lhe um uniforme.

-"Quer brincar de soldado, filho?" falou um empregado casualmente. 
Benjamin ficou vermelho de raiva. 
-"Não importa o que eu quero!" ele retrucou furiosamente. "Meu nome é Button e moro em Mt. Vernon Place, assim você sabe tenho condições de pagar por isso." 

-"Bem", admitiu o caixeiro hesitante, "se você não tiver, acho que o seu pai terá, tudo bem." 

Benjamin foi medido, e uma semana depois, seu uniforme estava concluído. Ele teve dificuldade em obter a insígnia porque o revendedor insistia a Benjamin que outro crachá iria ficar tão bem quanto aquela e seria muito mais divertido para brincar. 
Dizendo nada a Roscoe, ele deixou a casa em uma noite e pegou o trem para Campo Mosby, na Carolina do Sul, onde ele deveria comandar uma brigada de infantaria. 
Em um dia abafado de abril ele chegou na entrada do acampamento, pagou o táxi que havia o trazido da estação, e virou-se para o sentinela em guarda.

-"Arrume alguém para carregar minha bagagem!" disse com firmeza. 
O guarda olhou para ele com reprovação e disse: 
-"Diga-me", comentou, "para onde você está indo com essas roupas esfarrapadas de general, filho?” 

Benjamin, veterano da Guerra Hispano-Americana, olhou para ele com fogo nos olhos e, infelizmente respondeu com uma voz aguda:

-"Sentido!" tentando passar-lhe uma descompostura, parando logo em seguida para respirar. De repente, ele viu a sentinela bater seus calcanhares e levar o seu fuzil para o peito. Benjamin ocultou um sorriso de satisfação, mas quando olhou em volta, seu sorriso desmanchou-se. Não era ele que tinha inspirado obediência ao sentinela, mas um coronel que se aproximava montado em seu cavalo.

-"Coronel!" chamou Benjamin com voz estridente.

O coronel voltou-se para ele, puxou a rédea, e olhou com frieza. 
-"Quem és tu menino?" perguntou gentilmente. 

-"Eu vou lhe mostrar já que garotinho eu sou!" replicou Benjamin com uma voz feroz. "Desça já do seu cavalo!"

O coronel caiu na risada. 

-"Você quer que eu desça, hein, general?" 

-"Aqui!" Benjamin chorava desesperadamente. "Leia isto." E deu sua carta de convocação para o coronel. O coronel leu, e seus olhos pareciam pular para fora de seu rosto. 
-"Quando você recebeu isso?" Ele perguntou, guardando o documento em seu próprio bolso. 
-"Eu o recebi do Governo, como você em breve descobrirá!”
- “Venha comigo”, disse o coronel com um olhar peculiar. "Vamos subir para o quartel-general e falar sobre isto."
O coronel virou-se e começou a ir com seu cavalo em direção ao quartel general.Benjamin seguiu-o com dignidade, prometendo entretanto, uma grande vingança. Mas esta desforra não se materializou. Dois dias mais tarde, no entanto, o seu filho Roscoe apareceu materializado vindo de Baltimore, cansado e esbaforido, depois de uma viagem apressada, e levou escoltado, o general, sem uniforme, de volta para casa.


II 
Em 1920 o primeiro filho de Roscoe Button veio ao mundo. Durante a festa de seu nascimento, porém, ninguém ousou pensar de que o pequeno menino sujo, aparentando cerca de dez anos de idade que brincava ao redor da casa com soldadinhos de chumbo e uma miniatura circo, era o avô do novo bebê. 

Não que as pessoas tivessem qualquer problema com o menino de expressão alegre e doce transpassada apenas por um toque de tristeza, mas sua presença para Roscoe Button era uma fonte de tormento. No idioma de sua geração Roscoe não achava a questão "eficiente". Pareceu-lhe que seu pai, em se recusando a aparentar sessenta anos, não tinha se comportado como um "homem de sangue vermelho” sendo essa a expressão favorita de Roscoe -, mas de forma curiosa e perversa. Com efeito, pensar sobre esse assunto por meia hora levava-o à beira da loucura. Roscoe acreditava que deveria haver alguns fios que mantinham as pessoas jovens, mas que em tal escala tornava as coisas ineficientes.

Cinco anos mais tarde, o menino de Roscoe tinha crescido o suficiente para jogar jogos infantis com Benjamin, sob a supervisão de uma enfermeira que atendia a ambos. Roscoe levou os dois a um jardim de infância, e Benjamin descobriu que brincar com tiras de papel colorido, fazendo com elas tapetes, cadeias e curiosos e belos desenhos, era o mais fascinante jogo no mundo. Uma vez ele portou-se mal e teve que ficar sentado virado para o canto, ocasião em que chorou muito - mas, na maior parte das horas, passava muito feliz, naquela sala ensolarada, onde vez ou outra Miss Bailey lhe dava uma atenção especial acariciando seu desgrenhado cabelo. 

O filho de Roscoe foi para a primeira série depois de um ano, mas Benjamin permaneceu no jardim de infância. Lá, ele estava muito feliz. Às vezes, quando outras crianças conversavam sobre o que iriam fazer quando crescessem, uma leve sombra aparecia no seu rosto, mostrando que ele percebia, de uma maneira infantil, que eram coisas que ele nunca iria partilhar. 

O dia fluía de forma monótona. No terceiro ano ele voltou para a mesma classe, mas agora não conseguia mais compreender para que serviam aquelas brilhantes tiras de papel. Ele chorou porque os outros garotos eram maiores do que ele, e ficou com medo deles. A professora conversou com ele, mas por mais que ele tentasse entender, ele não alcançava o sentido das palavras. 

Foi retirado então do jardim de infância. Sua enfermeira, Nana, com seu vestido engomado, se tornou o centro de seu pequeno mundo. De dia eles caminhavam ao parque; Nana então lhe apontava um grande monstro cinza e dizia "elefante". Benjamin repetia, quando ele estava sendo trocado de noite para ir para a cama, uma e outra vez: "Elyphante, elyphante, elyphante". Às vezes, Nana deixava-o saltar sobre a cama, que era muito divertido, porque ele sentava e saltava sobre os pés de novo. 

Ele gostava de pegar uma bengala no chapeleiro e andar batendo nas cadeiras e mesas dizendo: "Lutem, lutem, lutem." Quando havia velhinhas que cacarejavam para ele, ele se interessava bastante, mas quando jovens senhoras tentavam beijá-lo, ele permitia, porém com ligeiro tédio. Quando chegava às cinco horas, ele subia para seu quarto com Nana e se alimentava com mingau de aveia e outros alimentos com colher. 

Nenhuma memória incomodava seu sono infantil; nenhuma lembrança de seu corajoso dia na faculdade, dos brilhantes anos quando agitava os corações das meninas. Havia apenas o branco das paredes de seu quarto, Nana, um homem que vinha vê-lo às vezes e uma grande bola laranja que Nana apontava chamando-a de "sol". Quando este sol se pôs, seus olhos estavam sonolentos e ele dormiu sem sonhos ou pesadelos. 

Seu passado - a batalha selvagem que enfrentou com seus homens no Monte de San Juan; os primeiros anos de seu casamento, quando ele trabalhava até mais tarde no verão na movimentada cidade para sustentar a jovem Hildegarde a quem ele amava; os dias mais anteriores ainda, quando se sentava de noite a fumar na sombria casa do velho Button na Rua Monroe, com seu avô, todos estes fatos foram se desbotando até apagarem-se de vez, como se nunca tivessem acontecido, pois ele não se lembrava de nada.

Ele não sabia mais claramente se o leite de sua última refeição estava quente ou frio e com o passar dos dias – só percebia seu berço e a presença familiar de Nana. Quando tinha fome, chorava - e isso era tudo. Através dos dias e noites ele respirava, ouvindo murmúrios suaves que dificilmente diferenciava, percebendo ligeiramente alguns odores, e a mudança da luz e escuridão.

Então tudo ficou escuro, e seu quarto branco, seu berço e as fracas faces que se moviam acima dele, o caloroso e doce aroma do leite, deram um fade out e sumiram de sua mente. 

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