5 trechos
literários que são diamantes ao meio-dia, por Edival Lourenço
A Metamorfose (Franz Kafka)
Tradução: Modesto Carone
Editora Cia das Letras
Tradução: Modesto Carone
Editora Cia das Letras
Quando
certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua
cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas
duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado,
marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual a coberta, prestes a
deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas,
lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo,
tremulavam desamparadas diante dos seus olhos. — O que aconteceu comigo? —
pensou.
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Ulisses (James Joyce)
Tradução: Bernardina da Silveira Pinheiro
Editora Alfaguara
Tradução: Bernardina da Silveira Pinheiro
Editora Alfaguara
Uma
terra estéril, nua deserta, lago vulcânico, o mar morto: nenhum peixe,
nenhuma alga, afundado profundamente na terra. Nenhum vento podia elevar
aquelas ondas, metal cinzento, águas nebulosas venenosas. Chamavam de enxofre
a cair como chuva: as cidades da planície: Sodoma, Gomorra, Edom. Todos nomes
mortos. Um mar morto numa terra morta, cinza e velha. Velha agora. Ela
produziu a primeira raça, a mais antiga. Uma velha megera encurvada vindo de
Cassidy atravessou, agarrando pelo pescoço uma garrafa com um pouco de licor.
O povo mais antigo. Vagou bem longe por toda a terra, de cativeiro em
cativeiro, se multiplicando, morrendo, nascendo em toda parte. Jazia ali
agora. Agora não podia mais gerar. Morta: de uma mulher velha: a boceta
cinzenta afundada do mundo.
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Mudança (Mo Yan)
Tradução: Amilton Reis
Editora Cosac Naify
Tradução: Amilton Reis
Editora Cosac Naify
Uma
morte gloriosa era muito melhor do que uma existência sem sentido. Com a
guerra, até mesmo uma unidade como a nossa deixou de lado sua indisciplina
crônica. Exercícios físicos, treinos, vigilância, lavoura: tudo era feito com
diligência e esforços redobrados. Mas a guerra acabou logo e tudo voltou a
ser como antes.
(…) E por acaso dá para imaginar que alguém vai acertar
uma bolinha de pingue-pongue na goela do oponente? Pois é, isso também não dá
para imaginar. Daí se vê que a vida é cheia de mudanças, o acaso é que ata as
pontas do destino. Tudo se encaixa de maneira estranha, bizarra mesmo,
ninguém é capaz de prever essas coisas.
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Ficções (Jorge Luis Borges)
Tradução: Carlos Nejar
Editora Globo
Tradução: Carlos Nejar
Editora Globo
Lembrou-se
bruscamente de que num café da Rua Brasil (a poucos metros da casa de
Yrigoyen) havia um enorme gato que se deixava acarinhar pelas pessoas, como
uma divindade desdenhosa. Entrou. Aí estava o gato, adormecido. Pediu uma
taça de café, adoçou-a lentamente, provou-a (esse prazer lhe tinha sido
proibido na clínica) e pensou, enquanto alisava o pelo preto, que aquele
contato era ilusório e que estavam como separados por um cristal, porque o
homem vive no tempo, na sucessão, e o mágico animal, na atualidade, na
eternidade do instante.
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Cem Anos
de Solidão (Gabriel García Márquez)
Tradução: Eliane Zagury
Editora Record
Tradução: Eliane Zagury
Editora Record
A
atmosfera estava tão úmida que os peixes poderiam entrar pelas portas e sair
pelas janelas, navegando no ar dos aposentos. Certa manhã Úrsula acordou
sentindo que se acabava num desmaio de placidez, e já tinha pedido que a
levassem ao Padre Antonio Isabel, ainda que fosse numa liteira, quando Santa
Sofía de la Piedad descobriu que ela tinha as costas empedradas de
sanguessugas. Desprenderam-nas uma por uma, queimando-as com tições, antes
que acabassem de sangrá-la. Foi preciso abrir canais para escorrer a água da
casa e desimpedi-la de sapos e caracóis, para que pudesse secar o chão, tirar
os tijolos dos pés das camas e andar outra vez de sapatos.
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http://www.revistabula.com/7174-20-trechos-literarios-que-sao-diamantes-ao-meio-dia/
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