O pequenino
afogado Ayslan Kurdi nos faz chorar e pensar
Leonardo
Boff
06/09/2015
O pequenino sírio de 3 a 4 anos
jaz afogado na praia, pálido e ainda con suas roupinhas de criança. De bruços e
com o rosto voltado ao lado, como quem quisesse ainda respirar. As ondas
tiveram piedade dele e o levaram à praia. Os peixes, sempre famintos, o
pouparam porque também eles se compadeceram de sua inocência. Ayslan Kurdi é
seu nome. Sua mãe e seu irmãozinho também morreram. O pai não pôde segurá-los e
lhes escaparam das maõs, tragados pelas águas.
Querido Ayslan: você fugia dos
horrores da guerra na Síria, onde tropas do presidente Assad, apoiado pelos
ricos Emirados árabes, lutam contra soldados do cruel Estado Islâmico, esse que
degola a quem não se converte à sua religião, tristemente apoiado pelas forças
ocidentais da Europa e dos Estados Unidos. Imagino que você tremia ao som dos
aviões supersônicos que lançam bombas assassinas. Não dormia de medo de que sua
casa voasse pelos ares em chamas.
Quantas vezes você não deve ter
escutado de seus pais e vizinhos quão temíveis são os aviões não pilotados
(drones). Eles caçam as pessoas pelas colinas desérticas e as matam. Festas de
casamento, celebradas com alegria, apesar de todo o horror, também são
bombardeadas, pois se supõe que no meio dos convidados deverá haver algum
terrorista.
Talvez você nem imagina que quem
pratica essa barbaridade e está por trás disso tudo, é um soldado jovem,
vivendo no Texas num quartel militar. Ele está sentado tranquilo em sua sala
diante de imensa tela como de televisão. Através de um satélite mostra os
campos de batalha da sua terra, a Síria, ou do Iraque. Conforme a sua suspeita,
com um pequeno toque num botão dispara uma arma presa no drone. Nada sente,
nada escuta, nem chega a ter pena. Lá no outro lado, a milhares de kms, são mortas
subitamente 30-40 pessoas, crianças como você, pais e mães como os seus e
pessoas que nada têm a ver com a guerra. São friamente assassinadas. Lá do
outro lado, ele sorri por ter acertado o alvo.
Por causa do terror que vem pelo
céu e pela terra, pelo pavor de serem mortos ou degolados, teus pais resolveram
fugir. Levaram toda a família. Nem pensam em arranjar trabalho. Apenas não
querem morrer ou serem mortos. Sonham em viver num país onde não precisam ter
medo, onde possam dormir sem pesadelos.
E você, querido Ayslan, podia
brincar alegremente na rua com coleguinhas cuja lingua você não entende mas nem
precisa, porque vocês, crianças, têm uma linguagem que todos, os meninos e
meninas, entendem.
Você não pôde chegar a um lugar
de paz. Mas agora, apesar de toda a tristeza que sentimos, sabemos que você,
tão inocente, chegou a um paraíso onde pode enfim brincar, pular e correr por
todos os lados na companhia de Deus, e de Jesus, e que, para não deixá-lo só,
voltou a ser de novo menino. E vai jogar futebol com você; você vai poder pegar
no colo um gatinho e correr atrás de um cachorrinho; vocês vão se entender tão
bem como se fossem amigos desde de sempre; juntos vão fazer desenhos coloridos,
vão rir dos bonecos que fizerem e vão contar histórias bonitas, um ao outro. E
se sentirão muito felizes. E veja que surpresa: lá estará também seu irmãozinho
que morreu. E sua mãe vai poder abraçá-lo e beijá-lo como fazia tantas vezes.
Você não morreu, meu querido
Ayslan. Foi viver e brincar num outro lugar, muito melhor. O mundo não era
digno de sua inocência.
E agora deixe que eu pense com
meus botões. Que mundo é esse que assusta e mata as crianças? Por que a maioria
dos países não querem receber os refugiados do terror e da guerra? Não são
eles, nossos irmãos e irmãs, habitando a mesma Casa Comum, a Terra? Esses
refugiados não cobram nada. Apenas querem viver. Poder ter um pouco de paz e
não ver os filhos chorando de medo e saltando da cama pelos estrondos das
bombas. Gente que quer ser recebida como gente, sem ameaçar ninguém. Apenas
quer viver o seu jeito de venerar Deus e de se vestir como sempre se vestiu.
Não foram suficientes dois mil
anos de cristianismo para fazer os europeus minimamente humanos, solidários e
hospitaleiros? Ayslan, o pequeno sírio, morto na praia é uma metáfora do que é
a Europa de hoje: prostrada, sem vida, incapaz de chorar e de acolher vidas
ameaçadas. Não ouviram eles tantas vezes que quem acolhe o forasteiro e o
perseguido está anonimamente hospedando Deus?
Querido Ayslan, que a sua imagem
estirada na praia nos suscite o pouco de humanidade que sempre resta em nós,
uma réstea de solidariedade, uma lágrima de compaixão que não conseguimos reter
em nossos olhos cansados de ver tanto sofrimento inútil, especialmente, de
crianças como você. Ajude-nos, por favor, senão a chama divina que tremula
dentro de nós, pode se apagar. E se ela se apagar, então afundaremos todos,
pois sem amor e compaixão nada mais terá sentido neste mundo."
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