A epopéia de um trabalhador
Francisco Vaz Brasil
Orlandinho era um homem muito trabalhador.
Um baixinho forte, daqueles que chamamos de “entroncado”. Ele vivia em Muaná,
lá pras bandas do Marajó. Já fez de tudo na vida: foi vaqueiro, vendeu leite
nas ruas, que transportava em uma carroça puxada por um jumentinho. Foi
peixeiro e até vendeu tapioca e roscas. Quando vendia roscas, Orlandinho, também
chamado de “Jumentinho” (nem queira saber porque) pelos amigos próximos. Gritava
pelas ruas “Olha a rosca, tá fresquinha a rosca do Jumentinho”. “Aproveita
gente tá quentinha a rosca do Jumentinho”.
Orlandinho ficou impaciente pois os
negócios não iam bem. Resolveu ir pra Cametá. “Eu vu pra Cametá, eu sube que lá
é bom de trabaiá” comentou na taverna do Raimundinho enquanto sorvia avidamente
uma Coca-Cola. Lá, não se deu muito bem e pegou uma carona no barco e veio para
Belém. Em Belém não conhecia ninguém. Andou pelo Ver-o-Pêso e em uma daquelas
ruas transversais à Gaspar Viana, ele avistou, já próximo à 1º de Março, em uma das portas havia
um cartaz que dizia: “Estamos contratando pessoas para trabalhar em Monte
Dourado”. Orlandinho não contou conversa – foi lá e se inscreveu. Foi muito bem
atendido. A viagem de manhãzinha do outro dia aconteceu.
Com fome e
muito envergonhado porque possuía apenas uns trocados no bolso, ele voltou ao
Ver-o-Pêso e lá pediu uma cuia de açaí, com farinha – seria sua refeição
diária. Não havia comido nada. Dormiu ali mesmo, na escadinha.
No outro dia,
bem cedo e já com as informações onde seria o embarque, Orlandinho foi, à pés.
Lá, identificou-se
ao funcionário e tomou lugar no barco. Estava feliz. Havia conquistado um lugar
para trabalhar e comida. Armou a fétida rede, nela se alojou e iniciou uma
série de meditações e dormiu.
Após trinta e
seis horas de viagem, o barco finalmente chegou. Em Monte Dourado ele foi
encaminhado ao setor de pessoal e, então soube que trabalharia na plantação de Gmelina arborea. Fez os registros de praxe, como a assinatura do contrato de trabalho e
da carteira.
Fez amizades
com alguns colegas, alguns com algum tempo de serviço na empresa. No primeiro
mês em que recebeu seu salário, Orlandinho foi convidado pelos companheiros a
tomar umas cervejas no Beiradão. O Beiradão ficava do outro lado do Rio Jari,
já fazendo parte do Estado do Amapá.
Todo
desconfiado ele aceitou o convite. Eram quatro. Deixaram o alojamento e
partiram. Na margem do Pará subiram numa catraia (canoa motorizada) e foram
para o Beiradão. As águas do rio Jari estavam altas. Lá chegando entraram em um
dos inúmeros bares. E Orlandinho, apreensivo. Pediram duas cervejas e um
tira-gosto. De repente, em um outro bar próximo, aconteceu uma confusão. Dois
sujeitos se engalfinhavam numa briga ferrenha, por causa de uma mulher. E o pau
comeu, pois mais gente se meteu na briga. A polícia chegou a pedido do dono do
bar. Os presos foram mandados para o Pau do Boi (nome dado pelos peões â cadeia
local). Os ânimos se acalmaram e a música comeu no centro – só brega e mulher
feia. Logo Orlandinho comentou, tal Jorge: “Muié fêa e burro véio só o dono
anda atrás”...
Depois de
algumas cervejas (quase naturais) e alguns peixes-fritos, e de pileque, Orlandinho
sentiu uma tremenda dor de barriga. Êh sumano, por favor, onde fica o banheiro?
O dono do bar apontou: -“É logo ali karái!”
Orlandinho
teve que esperar um sujeito bêbado, que estava urinando. Finalmente ele entrou.
O efeito foi rápido e a onomatopéia desceu com mais de mil: Práááááááá!!!!!!. E
Orlandinho sentiu uma coisa estranha. Peixes, vários peixes nadavam ali, bem pertinho,
logo abaixo da privada que não passava de um caixote, montado na palafita. E
ele reconheceu os Pacus, Bagres e Pacamões... Procurou pelo papel higiênico
e... nada! De repente ele notou um papel escrito na parede de tábuas que ele quase não
conseguiu ler a grafia, em que se podia ler:
“Quando entro
neste banheiro,
Sinto uma
tristeza profunda;
Quando a
merda bate na água
E a água me
lava a bunda!...”
E agora? Perguntou-se
a si próprio
O que é que
vou dizer
Com a perna
toda cagada,
A bunda toda
melada
Que merda é que
vou fazer?
Orlandinho vestiu as roupas assim mesmo e pulou na
água suja do rio. Nunca mais comeu os peixes que viu nadando sob a privada, que
o dono do restaurante ali mesmo pescava, em seguida assava, ou cozinhava e ele
lhe serviu. Foi à mesa dos colegas, pagou a conta e partiu.
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