Literatura
fordista
Um autor que escreve de tudo, menos biografia de
político
por Laís
Coelho
Em
julho de 1992, o paulista Ryoki Inoue, um descendente de japonês que não mede
mais de 1,60 metro de altura, recebeu um telefonema desafiador. “O Pablo
Escobar fugiu”, berrou do outro lado da linha o responsável pelo escritório da
editora Gibo International. “Duvido que você consiga escrever um livro sobre
isso antes que os americanos o encontrem.” O sansei não hesitou e, sem tirar o
cachimbo dos lábios, aceitou. “Então vamos apostar uma caixa de uísque.”
Nascido em Campos do Jordão
em 1946, filho de dois tuberculosos, Inoue não sabia nada sobre as estratégias
da inteligência militar. Tampouco tinha informantes no cartel de Medellín, mas
pressentia que o serviço secreto dos Estados Unidos e os 4 mil homens
mobilizadospelo governo colombiano para encontrar o über traficante
demorariam ao menos uma semana para realizar a tarefa. A perspectiva de
uma dúzia de garrafas de uísquevalia o esforço, avaliou o autor.
No
mesmo dia, o homem que até então sobrevivia das cirurgias torácicas que
realizava na rede pública de São Paulo se apresentou na pequena casa que
abrigava a editora e solicitou de forma expressa que fosse trancado lá dentro –
sozinho. Queria apenas um bom computador e duas refeições por dia.
“Só voltei a ver a luz do
sol sete dias mais tarde”, lembrou Inoue, rindo, durante um almoço em julho. “A
editora ficou com as 200 páginas que escrevi e, em uma semana, rodou os 3 mil
exemplares da primeira edição de Onde está Pablo Escobar?. Vendi
400 exemplares só no lançamento, um dos melhores que já fiz.” Nem precisava
tanta pressa: o traficante só foi pego mais de um ano depois.
Ryoki
Inoue é notório pela rapidez com que escreve. Não negocia com a própria
inspiração – bloqueio de autor é para os fracos. Quando é preciso escrever, ele
senta e digita sem tergiversar. Em 26 anos, publicou nada menos que
1 106 livros – que vendem, segundo ele, 15 milhões de exemplares por
ano. Seu milésimo centésimo sétimo volume – as memórias eróticas de um velho
tarado – está a caminho.
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Assim nasceu a maior linha
de produção literária do mundo, de acordo com o Guinness
Book, o livro dos recordes. Com o contrato em mãos e o dever de
produzir quase um livro por dia útil, Inoue mudou-se temporariamente com a
mulher e os quatro filhos para a casa do pai em Piúma, no Espírito Santo. Na
divisão de tarefas que arquitetou para honrar o compromisso, sobrou para toda a
família. Sua mulher, a artista plástica Nicole Kirsteller, fazia as capas. Seu
pai, um japonês poliglota, ficou responsável pela ambientação histórica dos
romances. Couberam-lhe tarefas como localizar o mapa do Arkansas na Guerra de
Secessão, traçar rotas de possíveis caminhos de diligências ou calcular o tempo
gasto para uma carta cruzar os Estados Unidos a cavalo.
Inoue era quem criava os
personagens fictícios, batizados a partir de uma lista de nomes e sobrenomes.
Depois de muito tempo lutando contra a repetição, ele concluiu que o melhor a
fazer era se entregar a ela. A partir de um determinado momento de sua
obra – que ele, compreensivelmente, já não sabe dizer quando foi –, todos os barmen passaram
a se chamar Larry, todos os xerifes viraram Masterson e todas as prostitutas
latinas, Dolores. Mas o autor faz questão de frisar que só mantinha os nomes.
“Os personagens eram diferentes.”
Os
artifícios de Inoue para manter sua produtividade espantam seus próximos. Sua
mulher até hoje se choca ao lembrar como ele conseguia conversar sobre as
compras do mês ou as contas a pagar enquanto digitava os livros. “Ele fazia
isso sem perder o fio da meada e sem errar”, disse ela, afagando um dos cinco
cães que vigiam o sítio em que vivem em São José dos Campos. “Parecia
possuído.” Na condição de ex-médico, Inoue prefere uma explicação mais
científica. “Japonês consegue trabalhar com as duas metades do cérebro ao mesmo
tempo”, justificou-se. “Não tem nada de possessão.”
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A
experiência mostrou a Inoue um novo jeito de faturar com sua literatura. “No
cativeiro, o protagonista recebia comida do McDonald’s, então o Matt Moffett
conseguiu que a rede de lanchonetes comprasse uma quota de patrocínio”, contou
o autor. “O futuro é esse: merchandising literário.”
Enquanto não encontra um
empresário que o ajude a explorar esse filão, Inoue segue experimentando um
gênero que ele descobriu recentemente: as autobiografias que escreve comoghost-writer. “Nos últimos dois
anos, foram cinquenta”, gargalhou. “Cobrei aproximadamente 20 mil reais cada
uma. É um troço que dá dinheiro, viu?”
Mas
nem por um valor quatro vezes maior do que o de sua tabela, Inoue topou
embarcar em duas produções que lhe propuseram recentemente: biografar o senador
Mão Santa e o deputado federal Ronaldo Caiado. “O que eu faço ou é verdade ou é
ficção”, justificou o escritor. “Nunca mentira.”
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