quarta-feira, 8 de março de 2017

BEBA VINICIUS, LEIA CLARICE, RESPIRE JOHN LENNON - ELIAS RIBEIRO PINTO

BEBA VINICIUS, LEIA CLARICE, RESPIRE JOHN LENNON

- ELIAS RIBEIRO PINTO

COLUNA DESTA QUARTA (8/3/17) NO JORNAL DIÁRIO DO PARÁ

E se um dia o amor acaba, como soletrou o nosso Paulinho Mendes Campos, saiba, à Vinicius, sair sem gritar, bater (nem mesmo a porta), levando, quando muito, a escova de dente e a senha do Facebook, e deixando uma luz acesa, para, quem sabe, a tristeza um dia quiser entrar

Cláudio da Conceição chega em casa e não gosta do cheiro da comida preparada por sua mulher, Maria de Nazaré. Joga fora a comida, ela reclama, protesta. Cláudio pula para cima dela, quer esganá-la. Vizinha socorre, a mulher aproveita e dá uma vassourada na cabeça do marido, que é preso.
Marido dá seis facadas na mulher. Não se sabe o motivo.
Além de balear a mulher, esposo dá uma surra e a expulsa de casa junto com os seis filhos. Ela fica paralítica.
Mulher é esfaqueada pelo amante porque lhe serviu café frio.
Atira na esposa e pensando tê-la matado, suicida-se. Motivo ignorado.
Marido é esfaqueado pela esposa.
Amarrou a esposa e a surrou.
Enciumado, marido matou a mulher a terçadadas.
Playboy boa-pinta assassina a “Pantera de Minas” à queima-roupa, na véspera do réveillon. Por causa desse crime passional, de grande repercussão no país, surgiu a frase: Quem ama não mata.
Marido agride mulher com um martelo.
Por ciúme, amante agride mulher a socos, pontapés e ainda dá uma facada em seu ventre.
Mulher abandona o lar. Volta para pegar a carteira da previdência.
No lugar da carteira, recebe do marido socos e pontapés.
Pai violenta sucessivamente suas quatro filhas, de 18, 17, 14 e 12 anos. Ameaçada de morte, a esposa só dá queixa à polícia quando o marido violenta a filha menor.
Esbofeteia a mulher porque ela pediu dinheiro para comprar remédio para o filho doente.
Enciumado, companheiro arranca orelha da amante.
Homem conformava-se com a traição da amante. Um dia, desespera-se e lhe pede explicações. Em vez das explicações, ele recebe 12 facadas.
Marido esconde-se debaixo da cama e flagra traição da mulher. Levanta-se, mata a mulher a tiros e agride o Ricardão.
Marido e mulher brigam e vão parar, feridos, no Pronto Socorro.
Atirou e matou a esposa no 7º mês de gestação, após espancá-la. A criança também morre. Antes a vítima havia se queixado à polícia dos maus tratos do esposo. A queixa foi dada horas antes do crime.
Cansada de apanhar, ao ser mais uma vez espancada, Kelly, para se defender, mata o companheiro, Ademar, com uma faca de cozinha.
Sônia, 24 anos, matou o marido, João, depois que uma discussão banal transformou-se numa sessão de pancadaria e insultos. Formavam um casal classe média, com carro e casa própria. Ela lhe derrama água quente, no ouvido, de uma panela que fervia. Ele lança urros desesperados. Ela diz: “Não grita. Eu apanhei e não gritei”. João morre no Pronto Socorro no dia seguinte.
Os casos acima narrados, com nomes fictícios ou crismados pela imprensa, atravessam séculos, décadas, ou ocorreram ainda ontem. Ou periga ser lido no caderno policial de hoje. Mesmo com a Lei Maria da Penha, os homens continuam espancando ou matando a quem dizem amar. Na periferia ou em área nobre, no Curuçambá ou em Batista Campos.
Tolos, pensam que Nelson Rodrigues falava a sério quando dizia que as mulheres gostam de apanhar. Era encenação do Nelson, uma flor de pessoa, um cavalheiro. Seu melhor papel era o de “reacionário”.
As mulheres às vezes também reagem, encaram, matam. O sexo frágil vai para a luta, o leito um ringue.
John Lennon cantou: faça amor, não faça guerra. Sua história de amor com Yoko Ono podemos acompanhar, como capítulos, através de suas canções, serenata cantada à beira do Central Park.
Mas aqui entre nós o poetinha Vinicius de Moraes ensinou o bê-á-bá para viver um grande amor. E se um dia o amor acaba, como soletrou o nosso Paulinho Mendes Campos, saiba, à Vinicius, sair sem romper, gritar, bater (nem mesmo a porta), levando, quando muito, a escova de dente e a senha do Facebook, e deixando uma luz acesa, para, quem sabe, a tristeza um dia quiser entrar.
Não mate, não morra por amor. Apenas deixa o seu amor viver. E se o desespero um dia bater, beba Vinicius, leia Clarice Lispector, respire John Lennon.
Já os casos acima citados parecem ter nascido da pena do grande contista curitibano Dalton Trevisan: grotescos Joões e Marias perdidos na selva selvaggia da guerra conjugal.

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