PARATY,
PORTO ALEGRE, BELÉM E A VIRGEM,
ELIAS
RIBEIRO PINTO
JORNAL DIÁRIO DO PARÁ, COLUNA DESTA QUARTA (28/9/16)
Entregues ao medo, ao pavor e ao pânico, as
pessoas se veem completamente vulneráveis, no Guamá, Tucunduba, Icuí, Barreiro,
em todo canto nazareno
Não me filio entre os nostálgicos para os quais o
mundo até anteontem era acolhedor e desfrutável como um picolé Chicabon.
Traduzindo para o nosso idioma papaxibé, era acolhedor e desfrutável como um
picolé de cupuaçu da Gelar.
Basta ir aos jornais de décadas atrás para
constatar que estupros, latrocínios, execuções, linchamentos, assaltos, roubos
e outras modalidades de crime povoavam o noticiário policial da época.
Mas que a violência atual deu um upgrade no
“requinte de crueldade” de sua manifestação, não há como negar tal realidade.
Na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip)
do ano passado (não fui à edição deste ano), além de acompanhar as palestras de
escritores vindos do mundo todo, meu instinto jornalístico me levou a conversar
com os nativos da pacata cidade histórica a respeito da criminalidade crescente
que os registros apontavam na cidade. Acho que escrevi uma coluna a respeito.
Afinal, o prefeito sofrera uma tentativa de assassinato meses antes da Flip de
2015, às portas da prefeitura, cujo prédio situava-se a poucos metros da minha
pousada.
Por isso, não posso dizer que me surpreendi, mas
não deixei de me chocar com a recente divulgação de que Paraty tem,
proporcionalmente, a maior taxa de mortes por arma de fogo no Estado do Rio de
Janeiro. Os dados, referentes ao ano de 2014, estão no Mapa da Violência 2016.
E os registros coletados neste ano confirmam que a violência continua em alta.
Nas cinco ou seis vezes (ou serão sete?) em que
lá estive para acompanhar a Flip, aprendi a gostar e a andar nas ruas de pedra
da pequena cidade de cerca de 40 mil habitantes, que nos encanta por sua beleza
geográfica e seu harmonioso conjunto arquitetônico colonial.
Na verdade, os altos índices de criminalidade não
alcançam o Centro Histórico, onde se desenvolve o Flip, mas, como a cidade é
pequena, não estão longe dali – ocorrem nas comunidades vizinhas de Mangueira
(controlada por uma facção) e Ilha das Cobras (dominada por outra), situadas a
menos de um quilômetro do Centro visitado por turistas. As mortes resultam da
disputa entre as quadrilhas de traficantes rivais.
Se a liderança da mortandade fluminense de Paraty
choca, os altos índices de criminalidade estão disseminados por todo o país.
Como em Porto Alegre, 15º lugar no ranking da criminalidade nas capitais, que
recentemente testemunhou uma cena inédita: a execução de um jovem de 18 anos no
aeroporto da cidade, o Salgado Filho, e em um dia particularmente movimentado
pela recepção de torcedores do Grêmio ao novo técnico do clube que desembarcava
no momento, Renato Gaúcho.
Estive por duas vezes, de um ano para cá, na
cidade líder da criminalidade brasileira, Fortaleza, e pude comprovar a
inquietação de caminhar pelas ruas da turística capital cearense.
Insegurança que me acompanha diariamente na
cidade em que nasci, que vem a ser a nona mais violenta desse ranking de sangue
derramado nas ruas. As ruas, notadamente as das periferias belenenses, imersas
no terror de quem as habita e que se veem sob a constante mira de executores que
impõem seu braço assassino do interior de carros (prateados, cinzas, brancos)
ou de motos, alvejando cabeças a prêmio e a esmo (e aqui, na maioria dos
casos), um, dois, três, quatro que tombam no escuro dos becos, passagens e
cruzamentos, espalhando o medo, o pavor e o pânico em pessoas que se veem
completamente vulneráveis, no Guamá, Tucunduba, Icuí, Barreiro, em todo canto
nazareno. Bolsões em que a lei não tem vez, e por isso o retrato é o de uma
guerra urbana que consome nossos jovens, na maioria, pobres, negros (pardos) e
habitantes de periferias.
Que a nostalgia não nos seja a terra prometida e
abençoada pela Virgem de Nazaré.
https://www.facebook.com/elias.ribeiropinto/posts/10207384171864151
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