AH, QUEM QUISER QUE SE FUME
ELIAS RIBEIRO PINTO
COLUNA DESTA QUARTA (31/8/16) – JORNAL DIÁRIO DO PARÁ
“Era preciso muito caráter para
não me vestir e sair de madrugada e procurar algum boteco aberto para comprar
cigarro. Nem quero falar do vexame de juntar baganas dos cinzeiros sujos, e até
do chão”
Na segunda-feira passada, 29 de agosto, Dia
Nacional de Combate ao Fumo, o DIÁRIO, em reportagem sob o título “Dia ideal
para largar o cigarro”, divulgou que dados oficiais registram que um terço da
população brasileira adulta não abre mão do cigarro, apesar de informada sobre
os malefícios do hábito.
Semanas atrás, na coluna “Cigarros são
sublimes?”, escrevi sobre minha experiência como ex-fumante. O título da coluna
remete a um livro, de Richard Klein, de título quase homônimo, apenas sem a
interrogação.
Mas se o leitor fumante quer largar a praga do
vício, quer um padroeiro para lhe dar força na difícil hora da abstinência,
então é bom conhecer Zeno Cosini. Enredado em sua decisão de parar de fumar, as
tentativas de Zeno sempre resultam em fracasso.
Zeno Cosini é o personagem-narrador de “A
Consciência de Zeno”. Publicado em 1923, o romance (um dos maiores do século
XX) de Italo Svevo, pseudônimo do italiano Ettore Schmitz (1861-1928), é
atravessado pelas recordações do protagonista, que passa a vida em busca de uma
salvação que o liberte da fumaça aliciante.
O romance é tema de um dos capítulos de “Cigarros
São Sublimes”. Richard Klein diz que “qualquer discussão séria sobre cigarros
que pretenda determinar seu significado filosófico, julgar seu prazer estético
e pesar seu valor tem de considerar a obra-prima de Italo Svevo”.
Mas o fumante que, sem fôlego, não quiser
enfrentar as 400 páginas de “A Consciência de Zeno” pode, sem sobressalto e
arritmia, percorrer as oito páginas da crônica “Fumando espero aquela...”, do
mestre Rubem Braga, incluída no livro “Recado de Primavera”.
Entre deliciosas reminiscências esfumaçadas, o
cronista descreve a própria experiência como fumante, desde os 17 anos de
idade. Já maduro, passou por duas operações de hérnia, causadas por acesso de
tosse, esta como consequência do tabagismo.
Ainda assim continuou pitando seus dois maços e
meio por dia até que lhe descobriram “um ponto no pulmão”. É intimado a
operá-lo; convida um amigo, médico, para assistir à operação. Quando abrem o
pulmão do cronista, o convidado leva um choque, que assim Braga transcreveria:
“Quando o Jesse (o cirurgião) abriu seu pulmão, levei um choque. Lembrei-me do
tempo da Faculdade: eu guardara aquela imagem do pulmão, um órgão rosado... O
seu era todo escuro, e com uns picumãs dependurados...”. Este amigo (e médico),
que fumava, nunca mais fumou.
Sem outra alternativa, o autor de “Ai de Ti,
Copacabana” largou o vício. “Quando a gente para de fumar é que começa a sentir
como o fumo embota o paladar e o olfato. A gente volta a sentir sabores e
cheiros que tinha esquecido”. E emenda: “Tudo melhora, desde a disposição geral
até a memória, a capacidade de trabalho, a respiração e... o vigor sexual”.
Nada a ver com o tempo em que era fumante
compulsivo. “Às vezes, acontecia que meus cigarros acabavam e, como havia
fumado o dia inteiro, e era tarde da noite, eu resolvia ir dormir assim mesmo,
sem fumar. Dali a pouco, acordava: estava sonhando que havia um maço de
cigarros na gaveta da mesinha de cabeceira... Era preciso muito caráter para
não me vestir e sair de madrugada e procurar algum boteco aberto para comprar
cigarro – coisa que, aliás, fiz mais de uma vez. Não quero falar do vexame de
juntar baganas dos cinzeiros sujos, e até do chão.”
E conclui: “Fumar foi das piores bobagens que fiz
na vida, mas não pretendo convencer ninguém. Já tentei fazer isto, e o sujeito
ainda caçoa da gente, de cigarro no bico. Ah, quem quiser que se fume”.
https://www.facebook.com/elias.ribeiropinto/posts/10207174455061362
Nenhum comentário:
Postar um comentário