DE LENNON A OVELHA,
ELIAS RIBEIRO PINTO
1 O escritor
João Ubaldo Ribeiro costumava dizer que tinha cara de tudo, menos de escritor,
quanto mais de intelectual.
Assim, na França ele seria argelino, turco na Alemanha e nos Estados Unidos teria todas as caras possíveis – turco, árabe, cucaracha, crioulo disfarçado ou hispano. Por conta dessa promiscuidade facial terceiro-mundista, queixava-se, amargava preconceito nas filas de embarque e desembarque nos aeroportos do Primeiro Mundo.
2 Até mesmo na Bahia de todos os santos e
mestiços, sua terra, Ubaldo foi barrado pela moça que controlava a entrada de
um seminário por não portar o cartão que lhe daria acesso ao auditório.
Detalhe: o conferencista era ele próprio.
Imaginem nos dias de hoje, com um terrorista espreitando em cada esquina, o que não padeceria o “árabe”, o “islâmico” João Ubaldo Ribeiro, que nos deixou no ano passado. Se bem que ele enfrentou, como “homem-bomba” em potencial, a escala de ameaças e vigilâncias depois da queda das torres em Nova York em 2001.
Imaginem nos dias de hoje, com um terrorista espreitando em cada esquina, o que não padeceria o “árabe”, o “islâmico” João Ubaldo Ribeiro, que nos deixou no ano passado. Se bem que ele enfrentou, como “homem-bomba” em potencial, a escala de ameaças e vigilâncias depois da queda das torres em Nova York em 2001.
3 Como vocês podem perceber na foto acima – não
sei se pelos óculos, pelo ar blasé, levemente enfastiado, de quem já leu todos
os livros e sabe que a carne é triste – até que levo um jeito de escritor, de
intelectual. Talvez, por ela, vocês não me reconhecessem ao vivo, é verdade, já
que a foto é de um ano após o atentado ao World Trade Center. Isto quer dizer
que a foto acima envelheceu, e eu, Dorian Gray no tucupi, rejuvenesci.
Brincadeiras à parte, foi a minha mãe, Mãe Delamare, que mandou que eu não
trocasse esse 3x4 da coluna quando fechou meu corpo.
4 Voltando ao autor de “Viva o Povo Brasileiro”,
entendo (ou entendia) o João Ubaldo. Acho que também nasci com a cara errada.
No meu caso, cabeludo, só me tomam como cantor, roqueiro. Ainda hoje. E olhem
que já dobrei, e bem dobrado, o arco dos 50.
5 John Lennon (o verdureiro que passa na rua e o
guardador de carro ainda me tratam pelo nome do beatle: “Seu Lennon, vai
cheiro-verde?”), Sílvio Brito (quem lembra, era um dos borrões nacionais do
autor de “Imagine”, companheiro de Fábio Júnior num programa de TV, e cantava,
argh, tá todo mundo louco, oba), Bob Dylan, Robert Plant, de tudo isso já fui
chamado. Até de Ovelha, por uma caixa de supermercado – ainda hoje tento
descobrir, afinal, quem é Ovelha.
6 Muito tempo atrás, no início deste século,
passando férias em Marudá, o rapaz delicado e alegre que nos servia no bar
chamou a filha que me acompanhava para perguntar se eu era o Alceu Valença. A
sério. Pobre versão do Alceu, de marré marré. Mandei dizer que faria um show
logo mais à noite, no Esplanada. Sabe como é, a decadência chegando, as grandes
plateias rareando, uns trocadinhos sempre viriam a calhar.
7 Outra vez, também num passado matusalêmico,
numa Bienal do Livro em São Paulo, no ônibus que nos transportava à feira,
conversava com um vizinho de cadeira. Ao me identificar como jornalista, ele se
surpreendeu. Pensava que eu fosse músico e vinha, inclusive, tentando lembrar
de onde já teria me visto. No Faustão? No Cassino do Chacrinha?
8 Mas o engraçado aconteceu numa Bienal ainda
mais retrasada. Entro no estande da Editora Melhoramentos. Uma das moças –
bonita, muito bonita – da equipe de atendentes faz sinal, me chamando. E eu,
como um babaca faria nesta hora, arregalo os olhos: “Eu!?”. Ela, na mímica: “É,
você”. Eu, alegrinho, vou. Quando chego perto, ela fica assim meio sem graça,
indecisa. Me pergunta: “Você é o Guarabyra?”. Vocês conhecem, né? Da dupla Sá
& Guarabyra (às vezes virava trio, quando encontravam o Zé Rodrix). Fiquei
tentado a dizer que sim, mas como teria que provar cantando, neguei. É que o
Guarabyra iria se apresentar no estande.
9 Ainda bem que nunca me confundiram com o meu
amigo Eloy Iglesias. Com todo respeito e admiração. “Corozes”, como diria o
Crô.
P.S: Esta coluna é em homenagem a John Lennon, o
original, que ontem completou 35 anos de uma morte estúpida.
https://www.facebook.com/elias.ribeiropinto/posts/10205458416161462
Nenhum comentário:
Postar um comentário