A IMPLOSÃO DA MENTIRA
Affonso Romano de Sant'Anna
Fragmento 2
Affonso Romano de Sant'Anna
Fragmento 2
Evidente/mente
a crer
nos que me
mentem
uma flor
nasceu em Hiroshima
e em
Auschwitz havia um circo
permanente.
Mentem.
Mentem caricatural-
mente.
Mentem como
a careca
mente ao
pente,
mentem como
a dentadura
mente ao
dente,
mentem como
a carroça
à besta em
frente,
mentem como
a doença
ao doente,
mentem
clara/mente
como o
espelho transparente.
Mentem
deslavadamente,
como nenhuma
lavadeira mente
ao ver a
nódoa sobre o linho. Mentem
com a cara limpa
e nas mãos
o sangue
quente. Mentem
ardente/mente
como um doente
em seus
instantes de febre. Mentem
fabulosa/mente
como o caçador que quer passar
gato por
lebre. E nessa trilha de mentiras
a caça é que
caça o caçador
com a
armadilha.
E assim cada
qual
mente
industrial?mente,
mente
partidária?mente,
mente
incivil?mente,
mente
tropical?mente,
mente
incontinente?mente,
mente
hereditária?mente,
mente,
mente, mente.
E de tanto
mentir tão brava/mente
constroem um
país
de mentira
—diária/mente.
Do livro "A Poesia Possível", Editora Rocco - Rio de Janeiro,
1987
Affonso Romano de Sant'Anna
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