sábado, 22 de janeiro de 2011

Não por Acaso Dispersos by Benoni Araújo

Não por Acaso Dispersos
by Benoni Araújo

pão do tédio

velhas mãos modelam o queixo
longa tarde desbotada em sua quietude

no olhar do cão um deserto a perseguir
na estante a beleza calada
como tudo mais na casa
[uma varanda por varrer
um outono por retirar da relva]

esse diário de páginas inúteis
& o amontoar de amargos dias
[vinte e nove de novembro... caros amigos...]
nada leva nada traz
sequer o filho virá esta estação
& provável que nem às próximas
rotas alteradas
...................o descarrilamento de vez
[a voz do exílio chegando
..............................sob o lodo de tua boca]

sua vista oculta pelo silêncio
seu tosco coração aquecido em sopa
em nada lembram o vigor de sua escrita
agora move-se entre rasuras & nada mais
a náusea de um canto escuro & mudo
um amor fechando-se em sílabas


 II
velar o amor ou a morte
já não havia diferença
[ali estava a voz que apenas
não queria se transformar em gemido]
as palavras
................escorrem horizontais
ajudam a dissolver os dias
a chuva ao final da tarde
nada além de lamentos
adorna esta cidade de porto
...............................sem mar
sua atmosfera de limo
& sempre a espera
destina-se a mim uma velha bússola
um mapa rasurado uma filha
heranças inconclusas
........................& de um sabor tártaro




port bou: a fronteira de um atrabiliário

trouxeram-te a melancolia por herança
ninguém a suportaria
destinatário desta solidão
amigos te escreveram & escreveram
as cartas nunca chegaram
refugiado numa rua de mão única
dela fizeste tua trincheira
uma esperança tão inútil
quanto as asas de um anjo
[filho predileto teu olhar teu horizonte
estilhaçados]
nem tudo melhora depois de uma guerra
amor morte selos postais: o que mais
caberia em tua maleta de passagens?
já não corres atrás de uma aura
mal atravessaste os pirineus
caíste na última fronteira da razão
nem te adiantaria colher flores
à margem de um rio
[resolveste te juntar a elas!]




diário silencioso do último ano

cacos espelhados de narciso no quarto
quantas imagens fui [& já não sei?!]
palavras postas páginas mortas
.......................................neste dia
[estou cansada cada vez mais...& insatisfeita]
olhos rasos de água
mergulhada no tejo & no tédio
esse amor não quer que respire
no mar nem na mágoa
morrer à míngua & de excessos
a quem apelar [apeles?!]
uma alma um mal silencioso & asfixiante
sombra fugidia de um sonho
para sempre perdido
não devem haver gestos novos
apenas desejos vãos & fanatismo
mágoas saudade flor reliquiae
[à tua espera então entorpecer-me etc]



keine rose für celan

esse espinho que atravessa teus olhos
cria a raiz de um silêncio
lugar de ausência & ansiedade
verbo sem carne
carne sem fibras
[eterna tradução de ninguém]
selam com a morte estas unhas cheias de terra
[lavras o campo ou as campas ?]
a rosa testemunha as larvas
num outono que consome folhas
em tuas mãos
despetalado entre pedras
em sílabas entrecortadas pelos lábios
a fratura da palavra
num grito de desaparecimento
[ou silêncio nas águas lustrais do sena]
atalho que conduz ao abismo
longe dos homens & de deus

 
[benoni araújo, from  não por acaso dispersos. 2008]

http://benoniaraujo.blogspot.com/2008_06_01_archive.html

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