um pouco sobre truman capote
É incrível que uma história tão interessante quanto a do
envolvimento do escritor Truman Capote com o estranho múltiplo homicídio de uma
família do interior do Kansas ainda não tivesse chegado ao cinema.
"Capote" está passando em apenas dois cinemas da região aqui - e não
vai dar pra ver tão já. Não é do filme que quero falar, mas do escritor;
possivelmente minha maior influência.
(Capote por Warhol)
Ao contrário do que muitos estão dizendo, a biografia de
Capote que serve de base para o filme não está sendo "lançada" no
Brasil, mas sim "relançada", a minha edição é de 93. Eu a comprei
depois de ter lido a bio de Andy Warhol, onde Capote é citado. Ambos, Capote e
Warhol, eram almas gêmeas, mantinham uma paixão platônica e, até onde se sabe,
nunca chegaram às vias de fato. Warhol, depois de um período de depravação,
afundou-se nas bolinhas e virou uma espécie de celibatário voyeur,
satisfazendo-se mais em filmar e fotografar. Virou também paranóico por
limpeza, lavava as mãos constantemente, não gostava que pessoas o tocassem.
Capote (como Warhol) era homossexual passivo, então a relação entre eles estava
mesmo fadada ao fracasso.
(Warhol e Capote em foto do arquivo de Gerard Malanga, que hoje vive das
fotos que tirou nos 60's)
Mas assim como Warhol, Capote tinha um incrível olho para o
marketing. Em seu romance de estréia "Other Voices, Other Rooms" -
que nunca foi lançado no Brasil -, ele colocou uma estratégica foto na
contracapa. Displicente, num sofá, ele botava a carinha de jovenzinho afetado,
e estabelecia conexão com o personagem principal do livro, o garoto Joel Knox,
de 13 anos, "too pretty, too delicate and fair skinned": você fica
procurando aquele garotinho safado nos textos, fica imaginando aquele rapaz no
sofá pensando e escrevendo aquelas histórias fantásticas. O cenário do livro,
Capote conhecia bem: uma cidadezinha do Alabama; onde ele foi criado por tias.
Quando o livro saiu, Capote tinha 23 anos.
(
Eu li "Other Voices" em 96, quando encontrei um
exemplar de bolso surrado, paguei baratíssimo e o volume simplesmente sumiu. Eu
vivo emprestando coisas e elas somem.
Minha edição de "A Sangue Frio"
eu (quase) não empresto. Também foi comprada num sebo, é da coleção Abril: foi
a primeira edição do romance-reportagem no Brasil. Deve valer uma grana.
O babyface Capote surgiu e foi resenhado em quase toda
mídia nova-iorquina mais, talvez, por conta da foto da contracapa. Warhol deve
ter achado maravilhosa (a foto e a idéia).
O fato é que Capote virou uma estrela e não conseguia
estabelecer um método e uma rotina para escrever, como fazia o (mais que) amigo
Tennessee Williams. Ele sabia que sabia escrever, tinha idéias e histórias para
contar... mas não conseguia parar para escrever. Isso acontece mais do que se
imagina. Ele demorou 10 anos entre "Other Voices" e sua próxima
história realmente boa: "Breakfast at Tifanny's", "Bonequinha de
Luxo", publicada em 1958.
E ele viu que estava fadado a escrever poucos livros, sua
energia estava indo embora. No ano seguinte viu a matéria num jornal, falando
do assassinato da família Clutter em Holcomb, Kansas. E a possibilidade de
passar um tempo fora dos círculos sociais, produzir algo novo, criar um
masterpiece do gênero que estava surgindo; o jornalismo literário.
O que ele não sabia é que o "projeto" ia demorar
seis anos para ser concluído. E que, no processo, ele teria que entrar na
cabeça de um dos assassinos e até se interessar por ele. Aquele guei de um
metro e meio de altura, pele branca crispando sob o sol do Kansas, voz afetada
e hábitos refinados conseguiu tempo e foco possivelmente pela única vez na
vida, e realizou uma obra admirável: "A Sangue Frio".
As faculdades de comunicação (sic) não usam esse livro no
Brasil; ficam mandando os universitários lerem esses teóricos malucos de
semiótica, meu Deus. O que se precisa saber sobre jornalismo está ali - e sobre
ritmo, estrutura de romance, construção de personagens, também.
O livro é tão rico que nunca pôde ser levado ao cinema a
contento. Isso dá pra entender.
O impacto de "A Sangue Frio" na vida de Capote foi
devastador: sua vida social acabou se intensificando mais, ele entrou de cabeça
no negócio e acabou se transformando no PAI dos eventos sociais. Triste. O
alcoól já era um hábito, as drogas entraram de vez em sua vida.
(Hoffman como Truman)
Legal que a história de Truman tenha chegado ao cinema num
projeto que parece sério. Seymor Hoffman parece talhado para o papel. Resta
saber se o roteiro deu conta de contar tudo o que vale a pena - parece que nem
sempre dá. Para os interessados em Capote, o roteiro é esse aí de cima.
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