sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O Deus das Pequenas Coisas Suzanna Arundhati Roy


O Deus das Pequenas Coisas 
Suzanna Arundhati Roy

A review Por Raquel Ribeiro
Rahel chega a Ayemenem numa tarde chuvosa de Junho – as monções começaram. Maio já vai longe e o cheiro dos frutos maduros também. A vegetação parece subir enroscada nas paredes quando Rahel entra em casa, uma casa vazia com “a varanda da frente deserta”. “O Plymouth azul-celeste com barbatanas cromadas ainda estava parado lá fora e Baby Kochamma ainda estava viva lá dentro.”
Suzanna Arundhati Roy nasceu em Kerala, Índia, em 1961. O seu primeiro livro, “O Deus das Pequenas Coisas”, foi publicado em 1997 e recebeu o Booker Prize de 1998.
“A ficção é um modo de ver, de dar sentido ao mundo. E é preciso uma chave para começar a fazê-lo. Isto foi apenas a chave. Foram cinco anos de transformação, de mudança, a criar uma nova pele. [Este romance] é quase uma parte de mim.”

O segredo das pequenas histórias
Belo e comovente, “O Deus das Pequenas Coisas” é a história de três gerações de uma família de Kerala, Índia. Os gémeos Estha e Rahel, a sua mãe, avó, tio, prima e Velutha, o deus da perda e das pequenas coisas. Mas, numa noite de Junho, os fantasmas regressam à casa da História
Por Raquel Ribeiro

Rahel chega a Ayemenem numa tarde chuvosa de Junho – as monções começaram. Maio já vai longe e o cheiro dos frutos maduros também. A vegetação parece subir enroscada nas paredes quando Rahel entra em casa, uma casa vazia com “a varanda da frente deserta”. “O Plymouth azul-celeste com barbatanas cromadas ainda estava parado lá fora e Baby Kochamma ainda estava viva lá dentro.”
Rahel regressa a casa, vinda da América, para uma viagem pelo passado, as memórias que marcaram para sempre a família que a amou e a desprezou. Para lembrar a mãe, Ammu, que amava de noite o homem que os filhos amavam de dia – Velutha, o deus da perda e das pequenas coisas. E para reencontrar Estha, o irmão gémeo – “gémeos biovulares; ‘dizigóticos’, chamavam-lhes os médicos” –, que se refugiou numa pesada mudez desde que “tudo” aconteceu.
Assim começa “O Deus das Pequenas Coisas”, primeiro romance da escritora indiana Arundhati Roy. Licenciada em arquitectura, Roy nasceu em Kerala, Índia, em 1961. Cedo se dedicou à escrita de guiões para cinema. “O Deus das Pequenas Coisas”, publicado em 1997, é o seu primeiro romance e recebeu o Booker Prize do mesmo ano.
“Este prémio é sobre o meu passado. Não sei se escreverei outro livro. Estou à espera que o barulho na minha cabeça pare”, disse, em várias entrevistas. Mas não anda afastada da escrita – pelo contrário, aproveita as palavras e a poesia para de dedicar às lutas pelas causas em que sempre acreditou e ao activismo político: as mulheres e o regime de castas da Índia; a polémica da proliferação nuclear e as tensões com o Paquistão; a globalização, o marxismo dissimulado, o 11 de Setembro ou a guerra no Iraque. “Não estou interessada em espectáculos públicos. As pessoas podem fazer coisas mais agradáveis do que isto.”
Mas quem é esse “Deus das Pequenas Coisas”? “O deus das pequenas coisas é a inversão de Deus. Deus é uma coisa grande e está sempre em controlo. O deus das pequenas coisas pode ser a forma como as crianças vêem as coisas ou a vida dos insectos nos livros, os peixes ou as estrelas – é um não-aceitar do que pensamos ser as fronteiras dos adultos”, explica Roy.
Numa noite, Ayemenem é invadida pelas trupes do “kathakali”. Chegaram as noites de Junho de 1969, 23 anos antes de Rahel regressar. Nessa altura, Sophie Mol – a prima de Estha e Rahel, “Amada desde o Princípio” – já estava na Índia. Vinha de Inglaterra passar uma temporada na casa do pai, Chacko, irmão de Ammu. E a vida nunca mais seria a mesma.
Chovia. As crianças saíram para a casa da História, a casa dos fantasmas do outro lado do rio, o lado de Velutha, o Deus das Pequenas Coisas. Talvez tudo tenha começado quando Sophie Mol chegou a Ayemenem. Talvez não.
Talvez os ciúmes dos gémeos, as diferenças entre os países, o excessivo amor da avó Mammachi, a matricarca da família, ou da tia-avó, Baby Kochamma, pela prima “inglesa”, a opressão sobre Ammu (a “Mulher Divorciada”), a divisão das castas (os Superiores e os Inferiores) – talvez tudo isso tenha separado Rahel de Estha, Sophie Mol de Chacko, Ammu dos filhos, Velutha da mulher que amara. Talvez sim.
“Tudo começou realmente na época em que as Leis do Amor foram feitas. As leis que estipulavam quem devia ser amado, e como. E quanto." 

Extraído da Coleção Mil Folhas do Jornal Público, de Portugal

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