ÉGLOGAS
PARA UM SENHOR CHAMADO CARNAVAL
Francisco
Vaz Brasil
toda
gente se achegou
por
necessidade
por
sadismo
talhando
pedra e barro
aos
empurrões
e
palavrões
à praça
perplexa
e apática
os blocos
-
palhaços mambembes
costelas
viventes
de uma
inflação muda:
punhal
afiado
os blocos
passando
- desfile
macabro
corpos
fantasiados
batucada
fantasma
em
desfile
na álgida
metrópole
o Teatro
–da Paz –
taciturno
observa,
há tempos
imemoriais
na
espessura do gesso
na pauta
sonora e fria
no espaço
da moldura
nas vozes
suplicantes
das
noites da belle èpoque
no
terraço dos edifícios
as pedras
não entenderam e se calaram
em sua
saliva de pó e calcário
nas
escolas (de samba)
surgiram
equações no gesto
e dúvidas
no esquadro:
os passos
seriam milimétricos;
os giros
do compasso eram a agonia
da
porta-estandarte e o mestre-sala tremia
como quem
nasce (oh, carnaval)
em
círculos de bronze
rodas de
samba, brazões e tradições...
as
evoluções do passista
no tapete
vivo de carne e asfalto
são a
esperança
e a voz
do crooner , desafinada,
era talho
e atalho no corpo
inerte e
inerme
da plateia
(que se
oferece dúbia,
nas
curvas, como um rio
marmóreo,
límpido, onírico)
a praça
sozinha,
em meio à
multidão, sorri
sua forma
bem lavada
em barras
de suor,
lágrimas
felizes
e aço em
combustão
mas o
carnaval
nasce
assim, maduro:
é o tempo
paridor
de estrelas
cubos,
alvoradas e cristais;
lágrimas
congeladas,
sorrisos
y sorridentes
-
brincantes forjados em laboratório
é o
carnaval
que da
estrutura dos ritmos
criou a
linha do viver
e o
carnaval está nas gentes
incrustado
como a ostra
à espera
da semente perolar
está no
tempo a descoberto
para o
orvalho e o raio
sob a
chuva e as margaridas
com
prêmios de mil centavos
sim, e
ele explode em nós
em
glóbulos, nas artérias
e dele
correm os homens tranquilos
em rodas
e pedais do esquecimento
para quem
amou
nele está
o segredo, ou no umbigo,
o
silêncio antigo, o ruído das palavras
o atrito
e a entrada da lâmina
no
subterrâneo do prazer!
e o museu
com o que se disse
e
o que não se disse
e o
passado em retângulos de mármore
vê o
carnaval como paralelos
cravados
sobre o chão
lá estão
o moço e a moça
os seus
estremecimentos
e a
criança
- seu
medo de ser aborto e natimorta
no bar do
parque, aqui sim,
aqui
gasta-se o níquel
e o don
Juan deseja o mulher do próximo
- aqui se
ama, se amou, se amaram
o índio e
a loira sob os lençóis do horizonte
a gênese
do carnaval
líquido,
alegre, sujo, loucoricida,
entrementes,
é imensa e única:
- de um
fio faz-se o tecido,
- por um
fio faz-se a massa
estonteante
da mulher amada
(margens
calculadas para o amor)
e por um
fio fez-se o poema e a roupa
por um
fio faz-se um filho e um rio
por um
fio faz-se encurtar distâncias
por um
fio também jorra
o sangue
dos que fazem o crime, a guerra
por um
fio,
podemos
salvar o nosso carnaval...
[Publicado no jornal Folha do Norte, de Belém,
Em 30 de janeiro a 5 de fevereiro de 1978]
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