Toda crônica é, entre outras coisas, um relato ou comentário de fatos corriqueiros
do cotidiano, o restante depende do olhar de cada um... Ela é publicada primeiramente
em jornais, depois cada autor seleciona as melhores, as mais universais e
montam seus livros com elas. É um gênero dos tempos modernos, de leitura
rápida, que se adapta bem à Internet.
A crônica nasce nos jornais, mas nasce da necessidade de olhar o mundo
de forma pessoal, subjetiva. Contrapõe-se à exigência de objetividade nas
notícias e de imparcialidade no registro de fatos, que é a alma do jornal. Ao
contrário de tal objetividade pretendida na maior parte das matérias jornalísticas,
a crônica tem um olhar minucioso, particular sobre os fatos e acontecimentos. É
o olhar que estranha o mundo, que vê o detalhe, o aparentemente descartável.
Esse gênero procura humanizar o mundo, procura dar sentido à realidade aparentemente
caótica, resgatando a singularidade do sujeito num mundo em que as pessoas
parecem peças de uma grande máquina. Procura a grandeza dos pequenos gestos despercebidos. Como afirma Antonio Candido,“a crônica
está sempre ajudando a estabelecer ou restabelecer a dimensão das coisas e das
pessoas.”
Nesse olhar são inesgotáveis os temas de que ela pode tratar. Sem tentar
esgotar as possibilidades, podem ser destacadas algumas áreas temáticas
privilegiadas pela crônica.
Devido à sua própria origem, muitas vezes os cronistas partem das
notícias de jornal para construir suas crônicas. Assuntos de diversas áreas,
como política, sociedade, cultura, economia podem provocar comentários e evocar
lembranças. É comum criar verdadeiras narrativas, construindo personagens e
imaginando detalhes para os fatos
apresentados na mídia ou construir redes de intertextualidade ao
relacionar diversos fatos
publicados na mídia com outros, originários de outros suportes.
Outras vezes, como contraponto às abordagens a partir da urbanidade e da
atualidade, presentes nos diferentes assuntos tratados no jornal, as crônicas
procuram tratar de outro espaço e tempo, evocando experiências da infância e
dos espaços rurais.
Muitos cronistas, como Rubem Braga e Fernando Sabino, que tiveram uma
infância em cidades longe das metrópoles, declaram seu estranhamento diante do
mundo urbano, agitado, moderno, em que tudo flui com extrema rapidez.
Mesmo no tempo presente, muitos textos buscam dar valor aos detalhes não
percebidos na vida urbana, outros buscam também valorizar o cotidiano, enxergar
o lirismo presente no cotidiano. Cria-se assim uma verdadeira poesia do
cotidiano, materializada pelo foco pessoal do cronista e pela articulação da
palavra.
A aparente gratuidade da crônica é representada por uma linguagem
marcada por um estilo coloquial, bem próximo da oralidade, algumas vezes sem
respeitar as determinadas convenções da norma culta da língua. Ao mesmo tempo,
é um trabalho criativo sobre os recursos linguísticos, na medida em que a
palavra é trabalhada em jogos de palavras, em diálogos ágeis e significativos
na construção dos personagens e do enredo ou em comentários e digressões. O
humor crítico e a ironia podem estar presentes nesses textos reinterpretando
determinados fatos ou detalhes dos acontecimentos que passam despercebidos pelo
leitor apressado dos jornais.
Em relação à organização textual, a crônica moderna pode assumir
diferentes configurações: por vezes tem estrutura narrativa que a aproxima do
conto; outras vezes se aproxima de uma dissertação, ao centralizar-se mais em
uma exposição explícita de opiniões, comentários e reflexões sobre alguma
questão ou tema atual, sem preocupação em contar uma história. Mas outras
configurações “mistas” podem ser adotadas em função do tema e do estilo do
autor. Assim, o cronista coloca-se como prosador do cotidiano e da atualidade,
constrói seu texto em configurações com menor grau de rigidez e numa linguagem
menos formal em relação a outros gêneros presentes no jornal.
Referência: SÁ, J. de. A crônica. 3.ed. São Paulo: Ática, 1987.
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