SE NÃO ME
FALHA A FALHA MEMÓRIA
Elias Ribeiro Pinto
COLUNA DESTA
QUARTA (28/1/15)
NO JORNAL DIÁRIO
DO PARÁ
Saudades do Haroldo Maranhão, do
Benedito, Max, Ruy, do Luiz C., Nicolau, Raimundo, da Iraci, do Thadeu, do
Roberto Jares, Lima. Tantos mais.
1 É como eu costumo dizer: foi
assim, se não me falha a falha memória. Que ela, a memória, já traz acoplada
sua negação, a falha, a lacuna, a falta de memória. É possível que desde sempre
ela nos falhe. Ou seja, desde que passamos a ter memória.
2 A infância é, praticamente, um
buraco negro nesse rol de acontecidos. As recordações que dela trazemos nos
afloram em curtos-circuitos. É o sabor de um sorvete perdido na manhã dos
tempos; um presente de aniversário, daqueles de dar corda, que vive a girar em
nossas lembranças, aos solavancos, aos trancos, barrado em seu curso mecânico
pelo pé de um armário largado no sótão das reminiscências.
3 É quando vem um Freud e nos
arranca temores, traumas e complexos que julgávamos condenados às catacumbas do
oblívio emaranhado em teias de aranha. E de lá, do porão dos lapsos, do rio do
esquecimento, esse Letes guajarino, emergem os medos para nos assombrar à luz
da manhã presente, como um monstro, não do lago Ness, mas do Guamá, do Tapajós,
do Capim, do Tocantins, da foz amazônica para onde se abre tua janela
marajoara, à frente da qual dispões uma cadeira de balanço que ficará
bucolicamente enquadrada na postagem do Facebook.
4 É para isso, para avivar as
recordações esmaecidas, para acordar os remotos da alma, que nos servem os
antigos álbuns de família, aqueles que traziam as fotos encaixadas em molduras
acartonadas, delicadas, cada página separada por papéis transparentes,
acetinados. Vendo, revendo essas fotos, recompomos parte do quebra-cabeça de
nossas vidas antepassadas, antevistas da esquina dos dias que vamos vivendo.
5 Hoje, na era dos selfies, em que
cada sorriso é um flash, uma postagem, a vida é sofregamente compartilhada nas
redes sociais. No entanto, ainda não dispomos do necessário distanciamento no
tempo que nos permita avaliar o real significado desses registros que se
sucedem vertiginosos. É tudo vivido no instantâneo, no solúvel, no dissolúvel.
Nem mesmo as centenas de fotos armazenadas no celular estão imunes à perda.
Basta que um ladrão nos leve o aparelho, “deletando-nos” o álbum eletrônico.
6 Falta a solenidade do álbum de
fotos “impressas”. E o sabor, ou melhor, o olfato, o perfume evocativo de uma
página de Proust a nos restituir a eterna busca do tempo perdido, o leitor em
seu papel de Sísifo, tantalizando o que poderia ter sido e não foi. E o que foi
mas não se cumpriu, anel de vidro que se quebrou.
7 Depois da infância, a segunda
infância, a adolescência, o inaugurar-se adulto, a universidade, o trabalho, o
jovem senhor, o senhor, a madureza e a fronteira da anunciada terceira idade a
dois (cambaleantes) passos.
No entremeio disso, as saudações bacantes. A amnésia alcoólica. A anamnese. Anamnésia. Daí a importância dos amigos com os quais você dividiu noitadas. Sonhos. Projetos. Vivências. Mas já se contam além dos dedos das mãos os companheiros (e os comissários) que tombaram pelo caminho. Vítimas da aids. Do infortúnio. Dos baratos afins. Da morte repentina. Da indesejada das gentes que lhes chegou, precoce.
No entremeio disso, as saudações bacantes. A amnésia alcoólica. A anamnese. Anamnésia. Daí a importância dos amigos com os quais você dividiu noitadas. Sonhos. Projetos. Vivências. Mas já se contam além dos dedos das mãos os companheiros (e os comissários) que tombaram pelo caminho. Vítimas da aids. Do infortúnio. Dos baratos afins. Da morte repentina. Da indesejada das gentes que lhes chegou, precoce.
8 Na dúvida se foi assim ou assado,
você pensa no amigo, testemunha dos tempos pretéritos, que lhe trará (ou não) o
endosso do transcorrido – mas este amigo, ocorre-lhe, ó dor, ó vida (como diria
aquela raposa deprimida, ou sei lá que bicho é, amiga do leão da montanha), já
não está entre nós.
9 E assim a memória dos dias,
rodopiantes dias, nos vai deserdando. Saudades do Haroldo Maranhão, do
Benedito, Max, Ruy, do Luiz C., Nicolau, Raimundo, da Iraci, do Thadeu, do
Roberto Jares, Lima. Tantos mais.
10 Assim deserdados, quando os fatos
nos faltam, a memória dos fatos, o compartilhamento do vivido, o escasso
registro da biografia, vamos ficando com a lenda. Que se publique a versão.
https://www.facebook.com/elias.ribeiropinto/posts/10203673595942072
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